Nesta crônica Nelson Rodrigues dá testemunho do momento em que os idiotas deixaram de perceber-se como idiotas e principiaram a falar crendo-se cheios de propriedade, elevadíssimos, como se não fossem o que eram, como se não fossem o que são. Recordo que recentemente (i.e. recentemente para mim means algo como uns dois meses atrás) um amigo falou-me de uma outra crônica do Nelson – não a li, ou acho que não a li – em que nosso reacionário afirma ser algo complicado se achar inteligente no Brasil, conquanto haja dificuldade de sobra para se encontrar bons parâmetros de comparação neste curral entre os trópicos. Um francês, por exemplo, falaria umas besteiras de vez em quando mas saberia se manter a uma certa altura do chão – afinal, há Sthendal e Proust ventilando o oxigênio que desopila seu cérebro. Não concordo, não sou francófilo, mas a idéia tem lá sua verdade.
E uma amiga minha – aliás, namorada daquele meu amigo, belo casal – disse-me que sua vida mudara após a leitura de Ortega y Gasset e que ela passara a sentir um prurido estranho na ponta de seu nariz, o qual iniciara, sutilmente, a erguer-se loop acima sempre que sentisse cheiro de homem-massa. Depois comentou que, bom, estou no Brasil, sentir isso é natural, mas fora daqui acho que seria o nariz dos outros que seria influenciado por essa saudável inversão da força da gravidade sempre que de mim se aproximasse. Os dois comentários dela eram meio sem pé nem cabeça, de quem se trumbica mas não explica, mas ok, ela tinha bebido uns vinhos e já começava a dançar loucamente as chansons da Françoise Hardy.
O fato é que em tudo isso há um sério risco – o de que você olhe as pessoas que o rodeiam e comece, assim, a se achar inteligente. Entenda: você simplesmente não pode fazer isso no Brasil. Talvez você nunca tenha visto mais que duas pessoas inteligentes por aqui, se é que as viu. Porque, perceba só, é bastante provável que você seja só mais um imbecil habituado a se confraternizar com as pequenas inteligências a que você se uniu por força de uma cumplicidade vagamente parecida com uma amizade. Entenda: se os idiotas pararam de se dar conta de sua idiotia, é bom que nos aproximemos um pouco mais do espelho ao escovar os dentes pela manhã.
Por que eu, ora bolas, me acharia inteligente? Só porque sei a diferença entre stream of consciousness e Erinnerung? Só porque fico lendo ensaios do Franklin de Oliveira quando ninguém mais se lembra de os ler? Só porque gosto de passar umas horas ouvindo a Anne Sofie von Otter? Heim, heim?
Seria eu mais inteligente que quem? Que o meu vizinho que joga futebol de botão ouvindo tecnobrega? Mais inteligente que você, que fica aí digitando o nome de Paulo Leminski no Google e vendo entrevistas com Clarice Lispector no YouTube? Ou mais inteligente que você, que, só porque leu dois textinhos do Hayek e uma resenha sobre Voegelin, já se acha especialista em Lonergan e parte da nova elite cultural brasileira?
Mas, no fim das contas, eu queria apenas dizer que educar-se, em mais de um sentido, é manter-se suficientemente atento para que a saída de emergência de sua consciência – sempre usada em momentos em que a idiotia e a megalomania intelectual estão prestes a incendiar tudo – permaneça aberta. Preventivamente escancarada, melhor dizendo.
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