Ubiratan Iorio | 31/12/2008
Economista, Fundador do FDR
A propósito da recente tentativa do governo de nos impor, por medida provisória, a capitalização do “Fundo Soberano Brasil”, bem que podemos recordar - tal como Machado de Assis em “A Mão e a Luva”, ao descrever o encontro fortuito entre Estácio e Guiomar nos jardins de uma chácara na bucólica Praia de Botafogo do século XIX - o poeta Virgílio (Eclogae 3.93): há uma cobra escondida no capim! Em termos – digamos - menos literários, isto equivale à afirmativa de que em baixo desse angu tem caroço... Aliás, em se tratando de manobras do governo petista, a experiência tem mostrado com clareza contundente que praticamente todos os angus têm caroços e que há numerosas gatarias escondidas em todas as tubas do Executivo, miando hinos de louvor ao Estado onipotente, aquele mesmo que garante as suas sinecuras e prebendas, sempre custeadas pelos contribuintes...
Qui legitis flores et humi nascentia fraga, frigidus, o pueri, fugite hinc, latet anguis in herba! (Eclogae 3.92)! Ó crianças que colheis flores e morangos que nascem no chão, fugi daqui, há uma fria cobra escondida no capim... Eles – os homens da Fazenda, mentores do gesto despudorado – pensam, decerto, que somos um bando de crianças a colher inocentemente flores e morangos e incapazes de enxergar as víboras que, escondidas sob relvas aparentemente macias e inofensivas, apenas esperam para dar o bote.
Esse tal “Fundo Soberano Brasil” (FSB) é uma excrescência abominável, cujos únicos propósitos são enfraquecer o Banco Central, fortalecer o projeto de um Estado ainda maior e mais forte e sobrepor o Executivo aos outros dois poderes. O FSB inspira-se em experiências semelhantes nascidas em economias – como a da China – que ostentam sistematicamente superávits nas contas internas e externas, coisas que, efetivamente, não acontecem no Brasil: nossa conta de transações correntes só é superavitária episodicamente e nosso déficit nominal interno é crônico e crescente. Os defensores do Fundo, no entanto, sempre simularam desconhecer essas características estruturais de nossa economia, ou – hipótese pela qual me inclino com probabilidade igual a 1 – julgam que não seriam importantes. Por isso, quando sugeriram, há alguns meses, a sua criação, alguns analistas mais perspicazes aventaram que se tratava de uma manobra – latet anguis! – para tornar possível o projeto do ministro Mantega e de seus súcubos neokeynesianos de intervir na política cambial, criando uma espécie de “BCB do B” (tomando emprestada a expressão do editorial do Globo do dia 30 de dezembro), para adotar medidas diametralmente opostas às de nossas autoridades monetárias. Duplicar os mecanismos de ação sobre o câmbio!... Essa gente não tem mesmo a menor idéia de como os mercados reagiriam a tamanho despautério, o que, aliás, é perfeitamente compreensível, pois nem remotamente são capazes de compreender o que vem a ser o processo de mercado... Um verdadeiro absurdo, que nos faz dar razão ao jornalista Reinaldo Azevedo, quando os denomina, sem a menor cerimônia, de “petralhas”. Com efeito, o Brasil que se dane, porque o importante, o relevante, o crucial mesmo é o “projeto de país” que vaga fantasmagoricamente em suas cabeças socialistas, para gáudio de seus neurônios heterodoxos... Lembremo-nos de que essa gente – que não pode, com efeito, ver um preço no seu lugar certo (determinado pelo mercado) -, quando o dólar estava fraco perante o real – época em que surgiu a idéia de criação do Fundo - pôs-se a crocitar insistentemente, corvejamento naturalmente acompanhado por exportadores e por detentores de posições credoras em dólares, que estavam, obviamente, perdendo.
Agora, com a valorização do dólar frente à nossa moeda no bojo da crise internacional, o governo vem com essa pérfida manobra da MP 452, que altera inconstitucionalmente a lei de criação do FSB aprovada pelo Congresso, alegando a necessidade de dotá-lo de recursos, ao arrepio do Congresso. Em outras palavras, o presidente do país sanciona uma lei e, imediatamente, muda-a por uma medida provisória, que permite, inclusive, que o governo emita títulos com vistas à capitalização do Fundo. Sem dúvida, é uma Dívida Interna do B... É evidente que, mesmo na hipótese, defendida, pelo governo de que os R$ 14,2 bilhões necessários para iniciar as operações do FSB serão devidamente abatidos da dívida caso o Congresso aprove a MP, trata-se de um inadmissível rompimento de uma regra básica, aquela que não permite financiar gastos públicos via endividamento. Quebrando esse princípio salutar, a responsabilidade fiscal vai, com todas as letras, para a cucuia, ou seja, para o beleléu! Exatamente como eles desejam.
É chegada a hora de nosso Supremo pronunciar-se em defesa da democracia, ou seja, pela inconstitucionalidade da manobra perpetrada à sorrelfa, em meio às festividades natalinas, pelo Executivo. Quem pode garantir, dado o histórico deste governo, que o FSB não será “entendido” como um mecanismo para gastar recursos públicos, escapando aos imprescindíveis controles? Quem pode assegurar que não será utilizado para aumentar nosso – desde muito tempo – paquidérmico Estado? Quem pode asseverar que não se trata de manobra para incrementar sua presença na economia? E quem pode dar como certo o equilíbrio de nossas contas públicas?
Muitos atos do governo petista podem ser colocados sob suspeição. Mas poucos como essa MP 452, que é uma tentativa claríssima – e não é a primeira! - de aplicar um drible duplo, no Legislativo e no Judiciário. Pela preservação da verdadeira democracia, ela não pode passar. Vejamos se nossos congressistas conformar-se-ão em abrir mão de legislar e se nosso Supremo recusar-se-á a desempenhar o papel de Ínfimo. Ou seja, se os zagueiros se deixarão fintar em troca de sabe-se lá – mas pode-se imaginar - o que...
In ista vipera est veprecula. Nesta moita há uma víbora... Alguém ainda pode ter alguma dúvida?
A propósito da recente tentativa do governo de nos impor, por medida provisória, a capitalização do “Fundo Soberano Brasil”, bem que podemos recordar - tal como Machado de Assis em “A Mão e a Luva”, ao descrever o encontro fortuito entre Estácio e Guiomar nos jardins de uma chácara na bucólica Praia de Botafogo do século XIX - o poeta Virgílio (Eclogae 3.93): há uma cobra escondida no capim! Em termos – digamos - menos literários, isto equivale à afirmativa de que em baixo desse angu tem caroço... Aliás, em se tratando de manobras do governo petista, a experiência tem mostrado com clareza contundente que praticamente todos os angus têm caroços e que há numerosas gatarias escondidas em todas as tubas do Executivo, miando hinos de louvor ao Estado onipotente, aquele mesmo que garante as suas sinecuras e prebendas, sempre custeadas pelos contribuintes...
Qui legitis flores et humi nascentia fraga, frigidus, o pueri, fugite hinc, latet anguis in herba! (Eclogae 3.92)! Ó crianças que colheis flores e morangos que nascem no chão, fugi daqui, há uma fria cobra escondida no capim... Eles – os homens da Fazenda, mentores do gesto despudorado – pensam, decerto, que somos um bando de crianças a colher inocentemente flores e morangos e incapazes de enxergar as víboras que, escondidas sob relvas aparentemente macias e inofensivas, apenas esperam para dar o bote.
Esse tal “Fundo Soberano Brasil” (FSB) é uma excrescência abominável, cujos únicos propósitos são enfraquecer o Banco Central, fortalecer o projeto de um Estado ainda maior e mais forte e sobrepor o Executivo aos outros dois poderes. O FSB inspira-se em experiências semelhantes nascidas em economias – como a da China – que ostentam sistematicamente superávits nas contas internas e externas, coisas que, efetivamente, não acontecem no Brasil: nossa conta de transações correntes só é superavitária episodicamente e nosso déficit nominal interno é crônico e crescente. Os defensores do Fundo, no entanto, sempre simularam desconhecer essas características estruturais de nossa economia, ou – hipótese pela qual me inclino com probabilidade igual a 1 – julgam que não seriam importantes. Por isso, quando sugeriram, há alguns meses, a sua criação, alguns analistas mais perspicazes aventaram que se tratava de uma manobra – latet anguis! – para tornar possível o projeto do ministro Mantega e de seus súcubos neokeynesianos de intervir na política cambial, criando uma espécie de “BCB do B” (tomando emprestada a expressão do editorial do Globo do dia 30 de dezembro), para adotar medidas diametralmente opostas às de nossas autoridades monetárias. Duplicar os mecanismos de ação sobre o câmbio!... Essa gente não tem mesmo a menor idéia de como os mercados reagiriam a tamanho despautério, o que, aliás, é perfeitamente compreensível, pois nem remotamente são capazes de compreender o que vem a ser o processo de mercado... Um verdadeiro absurdo, que nos faz dar razão ao jornalista Reinaldo Azevedo, quando os denomina, sem a menor cerimônia, de “petralhas”. Com efeito, o Brasil que se dane, porque o importante, o relevante, o crucial mesmo é o “projeto de país” que vaga fantasmagoricamente em suas cabeças socialistas, para gáudio de seus neurônios heterodoxos... Lembremo-nos de que essa gente – que não pode, com efeito, ver um preço no seu lugar certo (determinado pelo mercado) -, quando o dólar estava fraco perante o real – época em que surgiu a idéia de criação do Fundo - pôs-se a crocitar insistentemente, corvejamento naturalmente acompanhado por exportadores e por detentores de posições credoras em dólares, que estavam, obviamente, perdendo.
Agora, com a valorização do dólar frente à nossa moeda no bojo da crise internacional, o governo vem com essa pérfida manobra da MP 452, que altera inconstitucionalmente a lei de criação do FSB aprovada pelo Congresso, alegando a necessidade de dotá-lo de recursos, ao arrepio do Congresso. Em outras palavras, o presidente do país sanciona uma lei e, imediatamente, muda-a por uma medida provisória, que permite, inclusive, que o governo emita títulos com vistas à capitalização do Fundo. Sem dúvida, é uma Dívida Interna do B... É evidente que, mesmo na hipótese, defendida, pelo governo de que os R$ 14,2 bilhões necessários para iniciar as operações do FSB serão devidamente abatidos da dívida caso o Congresso aprove a MP, trata-se de um inadmissível rompimento de uma regra básica, aquela que não permite financiar gastos públicos via endividamento. Quebrando esse princípio salutar, a responsabilidade fiscal vai, com todas as letras, para a cucuia, ou seja, para o beleléu! Exatamente como eles desejam.
É chegada a hora de nosso Supremo pronunciar-se em defesa da democracia, ou seja, pela inconstitucionalidade da manobra perpetrada à sorrelfa, em meio às festividades natalinas, pelo Executivo. Quem pode garantir, dado o histórico deste governo, que o FSB não será “entendido” como um mecanismo para gastar recursos públicos, escapando aos imprescindíveis controles? Quem pode assegurar que não será utilizado para aumentar nosso – desde muito tempo – paquidérmico Estado? Quem pode asseverar que não se trata de manobra para incrementar sua presença na economia? E quem pode dar como certo o equilíbrio de nossas contas públicas?
Muitos atos do governo petista podem ser colocados sob suspeição. Mas poucos como essa MP 452, que é uma tentativa claríssima – e não é a primeira! - de aplicar um drible duplo, no Legislativo e no Judiciário. Pela preservação da verdadeira democracia, ela não pode passar. Vejamos se nossos congressistas conformar-se-ão em abrir mão de legislar e se nosso Supremo recusar-se-á a desempenhar o papel de Ínfimo. Ou seja, se os zagueiros se deixarão fintar em troca de sabe-se lá – mas pode-se imaginar - o que...
In ista vipera est veprecula. Nesta moita há uma víbora... Alguém ainda pode ter alguma dúvida?
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