Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro concede Medalha Tiradentes a Olavo de Carvalho. Aqui.
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quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Escotoma intelectual e insensibilidade moral criminosa

“A mentalidade revolucionária não é um conjunto de crenças, é um sistema de incapacidades adquiridas, que começam com um escotoma intelectual e culminam numa insensibilidade moral criminosa.

É uma doença mental no sentido mais estrito e clínico do termo, correspondente àquilo que o psiquiatra Paul Sérieux descrevia como delírio de interpretação.”


Diário do Comércio, 11 de dezembro de 2008

Autor: Olavo de Carvalho (http://www.olavodecarvalho.org)

Link: http://www.olavodecarvalho.org/semana/081211dc.html


Sobre o autor (
http://www.olavodecarvalho.org/bio.htm):


“...A tônica de sua obra é a defesa da interioridade humana contra a tirania da autoridade coletiva, sobretudo quando escorada numa ideologia "científica". Para Olavo de Carvalho, existe um vínculo indissolúvel entre a objetividade do conhecimento e a autonomia da consciência individual, vínculo este que se perde de vista quando o critério de validade do saber é reduzido a um formulário impessoal e uniforme para uso da classe acadêmica. Acreditando que o mais sólido abrigo da consciência individual contra a alienação e a coisificação se encontra nas antigas tradições espirituais — taoísmo, judaísmo, cristianismo, islamismo —, Olavo de Carvalho procura dar uma nova interpretação aos símbolos e ritos dessas tradições, fazendo deles as matrizes de uma estratégia filosófica e científica para a resolução de problemas da cultura atual. Um exemplo dessa estratégia é seu breve ensaio Os Gêneros Literários: Seus Fundamentos Metafísicos, onde se utiliza do simbolismo dos tempos verbais nas línguas sacras (árabe, hebraico, sânscrito e grego) para refundamentar as distinções entre os gêneros literários. Outro exemplo é sua reinterpretação dos escritos lógicos de Aristóteles, onde descobre, entre a Poética, a Retórica, a Dialética e a Lógica, princípios comuns que subentendem uma ciência unificada do discurso na qual se encontram respostas a muitas questões atualíssimas de interdisciplinariedade (Uma Filosofia Aristotélica da Cultura — Introdução à Teoria dos Quatro Discursos). Na mesma linha está o ensaio Símbolos e Mitos no Filme "O Silêncio dos Inocentes" ("análise fascinante e — ouso dizer — definitiva", segundo afirma no prefácio o prof. José Carlos Monteiro, da Escola de Cinema da Universidade Federal do Rio de Janeiro) que aplica a uma disciplina tão moderna como a crítica de cinema os critérios da antiga hermenêutica simbólica...”

sábado, 11 de julho de 2009

Análise do filme "The Soviet Story" por Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 11 de dezembro de 2008


"...A mentalidade revolucionária não é um conjunto de crenças, é um sistema de incapacidades adquiridas, que começam com um escotoma intelectual e culminam numa insensibilidade moral criminosa. É uma doença mental no sentido mais estrito e clínico do termo, correspondente àquilo que o psiquiatra Paul Sérieux (http://web2.bium.univ-paris5.fr/livanc/?cote=61092&p=1&do=page) descrevia como delírio de interpretação..."


"Stalin estava nadando em sangue! Eu vi as penas de morte, que ele assinou em pacotes!"
Mikhail Gorbachev


Se você acha que comunistas, socialistas e marxistas acadêmicos são pessoas normais e respeitáveis, com as quais é possível um "diálogo democrático", por favor vá ao site http://www.sovietstory.com/about-the-film e veja o filme The Soviet Story, que o cientista político Edvins Snore escreveu e dirigiu baseado em documentos recém-desencavados dos arquivos soviéticos. Eis algumas coisinhas que você pode aprender com ele:

1. Toda a tecnologia genocida dos campos de concentração foi inventada pelos soviéticos. Os nazistas enviaram comissões a Moscou para estudá-la e copiar o modelo.

2. O governo da URSS assinou com os nazistas um tratado para o extermínio dos judeus e cumpriu sua parte no acordo, entre outras coisas enviando de volta à Gestapo os judeus que, iludidos pelas promessas do paraíso comunista, buscavam asilo no território soviético.

3. A ajuda soviética à máquina de guerra nazista foi muito maior do que se imaginava até agora. O nazismo jamais teria crescido às proporções de uma ameaça internacional sem as armas, a assistência técnica, os alimentos e o dinheiro que a URSS enviou a Hitler desde muito antes do Pacto Ribbentrop-Molotov de 1939.

4. Altos funcionários do governo soviético defendiam – e os remanescentes defendem ainda – a tese de que fortalecer o nazismo foi uma medida justa e necessária adotada por Stálin para combater o "fascismo judeu" (sic).

5. Nada disso foi um desvio acidental de idéias inocentes, mas a aplicação exata e rigorosa das doutrinas de Marx e Lenin que advogavam o genocídio como prática indispensável à vitória do socialismo.


Todo militante ou simpatizante comunista é cúmplice moral de genocídio, tem as mãos tão sujas quanto as de qualquer nazista, deve ser denunciado em público e excluído da convivência com pessoas decentes. A alegação de ignorância, com que ainda podem tentar se eximir de culpas, é tão aceitável da parte deles quanto o foi da parte dos réus de Nuremberg. É uma vergonha para a humanidade inteira que crimes desse porte não tenham jamais sido julgados, que seus perpetradores continuem posando no cenário internacional como honrados defensores dos direitos humanos, que partidos comunistas continuem atuando livremente, que as idéias marxistas continuem sendo ensinadas como tesouros do pensamento mundial e não como as aberrações psicóticas que indiscutivelmente são. É uma vergonha que intelectuais, empresários e políticos liberais, conservadores, protestantes, católicos e judeus vivam aos afagos com essa gente, às vezes até rebaixando-se ao ponto de fazer contribuições em dinheiro para suas organizações.


Seguem abaixo algumas considerações sobre esse fenômeno deprimente. A convenção vigente nas nações democráticas trata os porta-vozes das várias posições políticas como se fossem pessoas igualmente dignas e capacitadas, separadas tão-somente pelo conteúdo das suas respectivas convicções e propostas. Confiantes nessa norma de polidez e aceitando-a como tradução da realidade, os conservadores, liberais clássicos, social-democratas e similares caem no erro medonho de tentar um confronto com os revolucionários no campo do diálogo racional.


Todos os seus esforços persuasivos dirigem-se, então, no sentido de tentar modificar o "conteúdo" das crenças do interlocutor, mostrando-lhe, por exemplo, que o capitalismo é mais eficiente do que o socialismo, que a economia de mercado é indispensável à manutenção das liberdades individuais, ou mesmo entrando com eles em discussões morais e teológicas mais complexas. Tudo isso não apenas é uma formidável perda de tempo, mas é mesmo um empreendimento perigoso, que coloca o defensor da democracia numa posição extremamente fragilizada e vulnerável. A discussão democrática racional não somente é inviável com indivíduos afetados de mentalidade revolucionária, mas expõe o democrata a uma luta desigual, desonesta, impossível de vencer. O debate com a mentalidade revolucionária é o equivalente retórico da guerra assimétrica.


Trinta anos de estudos sobre a mentalidade revolucionária convenceram-me de que ela não é a adesão a este ou àquele corpo de convicções e propostas concretas, mas a aquisição de certos cacoetes lógico-formais incapacitantes que acabam por tornar impossível, para o indivíduo deles afetado, a percepção de certos setores básicos da experiência humana. A mentalidade revolucionária não é um conjunto de crenças, é um sistema de incapacidades adquiridas, que começam com um escotoma intelectual e culminam numa insensibilidade moral criminosa. É uma doença mental no sentido mais estrito e clínico do termo, correspondente àquilo que o psiquiatra Paul Sérieux (http://web2.bium.univ-paris5.fr/livanc/?cote=61092&p=1&do=page) descrevia como delírio de interpretação (Cavaleiro do Templo: este autor foi devidamente "desaparecido" da academia, no Brasil o livro sequer foi traduzido para o português e, portanto, nossos doutores "psi" qualquer coisa (psicólogos, psiquiatras, etc) não sabem que existe tal doença, não podendo portanto identificá-la, o que facilitaria imensamente a exposição destes celerados que estão no poder no Ocidente).


Numa discussão com o homem normal, o revolucionário está protegido pela sua própria incapacidade de compreendê-lo. Os antigos retóricos consideravam que o gênero mais difícil de discurso, chamado por isso mesmo genus admirabile, é aquele que se dirige ao interlocutor incapaz. Os melhores argumentos só podem funcionar ante a platéia que os compreenda; eles não têm o dom mágico de infundir capacidade no auditório, nem de curá-lo de um handicap adquirido.


Os sintomas mais graves e constantes da mentalidade revolucionária são, como já expliquei, a inversão do sentido do tempo (o futuro hipotético tomado como garantia da realidade presente), a inversão de sujeito e objeto (camuflar o agente, atribuindo a ação a quem a padece) e a inversão da responsabilidade moral (vivenciar os crimes e crueldades do movimento revolucionário como expressões máximas da virtude e da santidade). Esses traços permanecem constantes na mentalidade revolucionária ao longo de todas as mutações do conteúdo político do seu discurso, e é claro que qualquer alma humana na qual eles tenham se instalado como condutas cognitivas permanentes está gravemente enferma.


Tratá-la como se estivesse normal, admitindo a legitimidade da sua atitude e rejeitando tão-somente este ou aquele conteúdo das suas idéias, é conformar-se em representar um papel numa farsa psicótica da qual os dados da realidade estão excluídos a priori, já não constituindo uma autoridade a que se possa apelar no curso do debate.


Revolucionários são doentes mentais. Os exemplos de sua incapacidade para lidar com a realidade como pessoas maduras e normais são tantos e tão gigantescos que seu mostruário não tem mais fim. Cito um dentre milhares. O sentimento de estar constantemente exposto à violência e à perseguição por parte da "direita" é um dos elementos mais fortes que compõem a auto-imagem e o senso de unidade da militância esquerdista. No entanto, se somarmos todos os ataques sofridos pelos esquerdistas desde a "direita", eles são em número irrisório comparados aos que os esquerdistas sofreram dos regimes e governos que eles próprios criaram. Ninguém no mundo perseguiu, prendeu, torturou e matou tantos comunistas quanto Lenin, Stálin, Mao Tsé Tung, Pol Pot e Fidel Castro. A militância esquerdista sente-se permanentemente cercada de perigos, e nunca, nunca percebe que eles vêm dela própria e não de seus supostos "inimigos de classe". Esse traço é tão evidentemente paranóico que só ele, isolado, já bastaria para mostrar a inviabilidade do debate racional com essas pessoas.


O que separa o democrata do revolucionário não são crenças políticas. É um abismo intransponível, como aquele que isola num mundo à parte o psicótico clinicamente diagnosticado. O que pode nos manter na ilusão de que essas pessoas são normais é aquilo que assinalava o Dr. Paul Serieux: ao contrário dos demais quadros psicóticos, o delírio de interpretação não inclui distúrbios sensoriais. O revolucionário não vê coisas. Ao contrário, sua imaginação é empobrecida e amputada da realidade por um conjunto de esquemas ideais defensivos.


A mentalidade revolucionária é uma incapacidade adquirida, é uma privação de autoconsciência e de percepção. Por isso mesmo, é inútil discutir o "conteúdo" das idéias revolucionárias. Elas estão erradas na própria base perceptiva que as origina. Discutir com esse tipo de doente é reforçar a ilusão psicótica de que ele é normal. Uma doença mental não pode ser curada por um "ataque lógico" aos delírios que a manifestam. Se o debate político nas democracias sempre acaba mais cedo ou mais tarde favorecendo as correntes revolucionárias é porque estas estão imunizadas por uma incapacidade estrutural de perceber a realidade e entram no ringue com a força inexorável de uma paixão cega. E não se pode confundir nem mesmo este fenômeno com o do simples fanatismo. Fanatismo é apenas apego exagerado a idéias que em si mesmas podem ser bastante razoáveis. Em geral, mesmo o mais louco dos revolucionários não é um fanático. É um sujeito que expressa com total serenidade os sintomas da sua deformidade, dando a impressão de normalidade e equilíbrio justamente quando está mais possuído pelo delírio psicótico.


Na peça de Pirandello, Henrique IV, um milionário louco se convence de que é o rei Henrique IV e força todos os seus empregados a vestir-se como membros da corte. No fim eles já não têm mais certeza de que são eles mesmos ou membros da corte de Henrique IV. É este o perigo a que os democratas se expõem quando aceitam discutir respeitosamente as idéias do revolucionário, em vez de denunciar a farsa estrutural da própria situação de debate. A loucura espalha-se como um vírus de computador. A maioria dos democratas que conheço é inteiramente indefesa em face da prepotência psicológica do discurso revolucionário. Daí a hesitação, a pusilanimidade, a debilidade crônica de suas respostas ao desafio revolucionário. Uma doença mental não pode ser "respeitada", aliás nem "desrespeitada". O respeito ou o desrespeito supõem um fundo de convivência normal, que justamente o delírio revolucionário torna impossível.


P. S. Sheila Figlarz, editora do jornal Visão Judaica, avisa que finalmente a devotada estudiosa Sonia Bloomfield terminou seu trabalho de traduzir para o português a página do Memorial do Holocausto. A versão já está no ar em

sábado, 4 de outubro de 2008

Há algo de trágico na história de Portugal

Do portal do OLAVO DE CARVALHO


Bruno Garschagen entrevista Olavo de Carvalho
Revista Atlântico, janeiro de 2008

 

Nos anos 90 do fim do século passado, o filósofo brasileiro Olavo de Carvalho inaugurou uma nova fase na filosofia e no debate intelectual do Brasil. Ao lançar obras filosóficas como Aristóteles em Nova Perspectiva e O Jardim das Aflições: De Epicuro à Ressurreição de César, entre outras, imprimiu no pensamento filosófico brasileiro um rumo completamente diverso da dominação doutrinária impingida pelos autoproclamados pensadores que eram (e são), apenas, professores universitários de esquerda. Na esfera pública, Olavo seguia (e segue), como já declarou, na tentativa de formar uma elite intelectual mediante aulas, cursos e divulgação de ideias pelos jornais, revistas e sites (www.olavodecarvalho.org www.midiasemmascara.org). Aos 60 anos, o filósofo mora com a família desde 2005 em Richmond, Estados Unidos, onde desenvolve os seus estudos, principalmente, sobre a mente revolucionária e a paralaxe cognitiva. 

O que é e há quanto tempo desenvolve os estudos sobre a mente revolucionária? 
É uma longa história. Esse estudo surgiu da confluência mais ou menos acidental de duas investigações independentes que eu vinha desenvolvendo desde os anos 80. A primeira diz respeito às definições de direita e esquerda. Por um lado, havia uma tendência, na mídia e nos debates públicos em geral, de minimizar ou até negar explicitamente a diferença entre direita e esquerda. Essa tendência tornou-se ainda mais forte depois da queda da URSS. Por outro lado, a esquerda assumia cada vez mais orgulhosamente sua identidade, ao mesmo tempo em que a sua influência política se tornava cada vez mais dominante. A direita, por seu lado, se encolhia numa timidez abjecta, negando sua própria existência, escondendo-se sob o rótulo de “centro” e copiando cada vez mais o vocabulário e a forma mentis da esquerda. Era claro que aí havia um problema, principalmente porque os mais obstinados negadores da diferença entre esquerda e direita eram provenientes da direita. O problema colocava-se, portanto, em dois níveis. Primeiro: o empenho de dissolver as diferenças entre dois discursos ideológicos não impedia que pelo menos uma das forças políticas correspondentes continuasse existindo historicamente como força actuante e perfeitamente identificável. Segundo: se a negação da diferença tencionava esvaziar a esquerda, diluindo a força atractiva do comunismo num vago e inofensivo “progressismo”, foi a própria direita que por meio desse artifício acabou se tornando vaga e inofensiva. Se era assim, ficava claro um desnível entre a discussão pública e as reais forças políticas subjacentes. A pergunta que surgia era: em que consistem a direita e a esquerda como forças históricas objectivas, para além de seus respectivos discursos de autodefinição ideológica? Logo, tornou-se impossível definir direita e esquerda em função de seus objectivos proclamados, que não só eram mutáveis, mas intercambiáveis. 

E o que fez para avançar na investigação? 
A ideia que me ocorreu então foi atacar o problema num nível mais profundo, buscando diferenças estruturais de percepção da realidade, das quais os sucessivos discursos historicamente registrados como de direita e esquerda pudessem desenvolver-se com toda a sua variedade interna alucinante, sem prejuízo das estruturas básicas. Se eu conseguisse descobrir essas duas estruturas permanentes, a direita e a esquerda estariam delineadas por diferenças objectivas muito além do horizonte de consciência dos indivíduos e organizações que personificavam essas correntes. Descobri várias dessas diferenças. A principal é a diferença na percepção do tempo histórico. A esquerda – toda a esquerda, sem excepção – enxerga o tempo histórico às avessas: supõe um futuro hipotético e o toma como premissa fundante da compreensão do passado. Em seguida, usa essa inversão como princípio legitimador das suas acções no presente. Como o futuro hipotético permanece sempre futuro, e por isso mesmo sempre hipotético, toda certeza alegada pelo movimento esquerdista num dado momento pode ser mudada ou invertida no momento seguinte, sem prejuízo, seja da continuidade do movimento, seja do sentimento de coerência por baixo das mais alucinantes incoerências. Somando a isso a descoberta de Jules Monnerot de que a cada geração é a esquerda quem aponta e delimita a direita, nomeando como tal aqueles que lhe resistem, a direita aparecia, portanto, como o conjunto daqueles que, por mil motivos variados, resistem à inversão da razão histórica. Podem fazê-lo, por exemplo, por ser cristãos e acreditar que o “fim da história” é uma passagem para a eternidade e não um capítulo da história profana. Mas podem fazê-lo também por ser ateus de mentalidade científica que preferem moldar as hipóteses segundo os factos e não alterar os factos conforme as hipóteses. A segunda investigação foi da “paralaxe cognitiva”.

E a paralaxe cognitiva? 
Denomino paralaxe cognitiva o deslocamento, às vezes radical, entre o eixo da construção teórica de um pensador e o eixo da sua experiência humana real, tal como ele mesmo a relata ou tal como a conhecemos por outras fontes fidedignas. Raro e excepcional na Antiguidade e na Idade Média, esse deslocamento começa a aparecer com frequência cada vez mais notável a partir do século XVI, dando a algumas das filosofias modernas a aparência cómica de gesticulações sonambúlicas totalmente alheias ao ambiente real em que se desenvolvem. Um exemplo claro é a teoria de Kant sobre a incognoscibilidade da “coisa em si”. Se não conhecemos a substância das coisas materiais, mas somente a sua aparência fenoménica, que esperança podemos ter de atingir um dia, a partir de indícios materiais, isto é, letras impressas numa folha de papel, a substância da filosofia de Immanuel Kant? Certamente o filósofo de Koenigsberg não se contentaria se apreendêssemos somente a aparência fenoménica da sua filosofia, a qual filosofia, nesse sentido, é radicalmente incompatível com o acto de escrever livros – e olhem que Kant os escreveu em profusão. Por mais coerente que seja consigo mesma, a filosofia de Kant é incoerente com a sua própria existência de obra publicada. Outro exemplo: Karl Marx diz que só o proletariado pode apreender o movimento real da história, porque as classes que o precedem vivem aprisionadas na fantasia subjectiva das suas respectivas ideologias de classe. Mas, se é assim, por que o primeiro a perceber isso e a apreender o movimento alegadamente real da história foi o próprio Karl Marx, que não era proletário, não tinha nenhuma experiência da vida proletária e até a idade madura só conhecia os proletários por meio de leituras? Ou a ideologia de classe é inerente à posição social real do sujeito, ou é de livre escolha independentemente da posição social, mas neste último caso não é ideologia de classe de maneira alguma e sim apenas ideologia pessoal projetada ex post facto sobre uma classe, também de livre escolha. Os exemplos desse tipo são tantos, mas tantos, que não espero senão recensear uma ínfima amostragem deles. Inevitavelmente, a semelhança estrutural entre a paralaxe cognitiva e a inversão do tempo tinha de se tornar clara um dia, por mais obtusa que fosse a minha cabeça.

Como conseguiu? 
Substituí, no meu estudo, os termos “esquerda” e “direita” pelos de “revolução” e “reacção”. Daí para diante, foi ficando cada vez mais evidente para mim a unidade histórica do movimento revolucionário desde as rebeliões messiânicas estudadas por Norman Cohn em The Pursuit of the Millennium. [Revolutionary messianism in medieval and Reformation Europe and its bearing on modern totalitarian movements (1957-61)] até o Fórum Social Mundial. E aí foi que se tornou também claro, mesmo para o meu cérebro cansado e obscurecido, o centro da confusão entre os termos “direita” e “esquerda” – porque muitos movimentos tidos popularmente como “de direita” operavam, de facto, na clave revolucionária e não reaccionária. De uma maneira ou de outra, esses movimentos acabavam jogando lenha na fogueira da revolução, e trabalhando, portanto, contra seus próprios ideais declarados. Captar e descrever a unidade do movimento revolucionário é desenhar claramente, perante os olhos dos homens “de direita”, a verdadeira natureza do seu inimigo permanente. É desfazer uma infinidade de confusões catastróficas, que determinaram, ao longo do tempo, outras tantas políticas suicidas. Se eu conseguir lançar nesse matagal toda a claridade que pretendo, creio que terei feito alguma coisa de útil, pelo menos para dar a Nosso Senhor Jesus Cristo um pretexto que ele possa alegar em minha defesa no Juízo Final.

Seus estudos mostram como operou a mentalidade revolucionária em Portugal? 
Para responder a essa pergunta seria preciso sondar mais cuidadosamente o antigo regime. O salazarismo foi uma estranha mistura de conservadorismo cristão com elementos extraídos do fascismo, o qual é, sem a menor sombra de dúvida, uma ideologia revolucionária. A característica das ideologias revolucionárias é ter um “projecto de sociedade”, em vez de respeitar a sociedade existente e tentar aperfeiçoá-la na medida modesta das possibilidades humanas e com a cautela que a prudência recomenda. 
Qualquer nação que se tenha infectado profundamente da mentalidade revolucionária e tenha dado aos seus valores conservadores uma formulação política revolucionária corre o risco de estar sempre à mercê de novos projectos revolucionários, pelo simples fato de que perdeu de vista a noção de “ordem espontânea”, que é a essência mesma da democracia e do conservadorismo. Que é ordem espontânea? É o conjunto de soluções aprendidas ao longo do tempo. É uma ordem espontânea porque não foi imposta por ninguém. É ordem porque tem um senso arraigado da própria integridade e rejeita instintivamente toda mudança radical. Mas é também aprendizado, isto é, absorção criativa das situações novas por um conjunto que permanece conscientemente idêntico a si mesmo ao longo dos tempos, por meio de símbolos tradicionais constantemente readaptados para abranger novos significados. Examinem bem e verão que ordem democrática é precisamente isso e nada mais. Se, ao contrário, um grupo imbuído do amor a valores tradicionais tenta deter a mudança, ele está introduzindo na ordem espontânea uma mudança tão radical quanto o grupo revolucionário que deseja virar tudo de pernas para o ar, pois o que esse alegado conservadorismo deseja é imortalizar no ar um momento estático de perfeição hipotética. Se esse momento, na imaginação dele, expressa os valores do passado, isso não vem ao caso, porque na prática política esse ideal será um “projecto de futuro” tanto quanto o ideal revolucionário. Uma sociedade só embarca no projecto revolucionário quando perdeu todo o respeito por si mesma. Um respeito que, entre outras coisas, implica o amor aos valores do passado como instrumentos de compreensão e acção no presente, não como símbolos estereotipados de uma perfeição ideal no céu das utopias.

E onde entra o salazarismo nessa história? 
Não tenho a menor dúvida de que António de Oliveira Salazar foi um homem honesto e um grande administrador. Mas o salazarismo foi infectado da mesma ambição de controlo burocrático total, que é característica do movimento revolucionário. Quatro décadas desse regime, e Portugal não tinha mais conservadores genuínos em número suficiente. Os poucos que havia fizeram um esforço heróico para dar à nação a verdadeira estabilidade democrática, mas a ânsia das soluções totais estava, por assim dizer, no ar — e, dissolvido o salazarismo, só quem podia tirar proveito dela era a esquerda. 
Não desejo dar palpites na política interna de um país que da minha parte só merece aquele amor cheio de reverência que a gente tem por um avô navegante e guerreiro. Não levem a mal essa minha análise, que é só um esboço sem pretensões. Espero um dia poder estudar mais profundamente a história de Portugal e tirar um pouco das minhas dúvidas.

Há alguma particularidade sobre o que aconteceu aqui? 
Há algo de trágico na história de Portugal, pois os filósofos escolásticos portugueses foram os primeiros a compreender a verdadeira natureza do capitalismo, séculos antes de Adam Smith, mas, quando se inaugurou a temporada de caça aos escolásticos, com o iluminismo, ela não trouxe consigo a modernização capitalista, e sim um burocratismo centralizador sufocante. Por uma triste ironia, os adversários do centralismo pombalino eram os jesuítas, eles também revolucionários, que sonhavam com uma república socialista de índios na América do Sul. Posso estar enganado, mas o drama de Portugal é o mesmo de A Montanha Mágica de Thomas Mann: um jovem bom e promissor aprisionado entre dois falsos gurus: um iluminista autoritário com discurso modernizador e um jesuíta comunista.

Você tem sido um crítico do liberalismo e, concomitantemente, um defensor do conservadorismo. Esse conservadorismo que você defende é herança do moderno modelo inglês inaugurado por Edmund Burke? 
Eu não diria só inglês, mas anglo-americano. A Inglaterra e os EUA foram os países do Ocidente que mais profundamente se impregnaram do sentimento de respeito pelas tradições, o qual no fim das contas é respeito pelo povo. É verdade que mesmo nesses dois países os planeadores alucinados de sociedades perfeitas estão tentando, e com frequência conseguindo, destruir esse sentimento. Não sei em que medida os ingleses percebem o mal revolucionário que os vem acometendo nos últimos anos, mas os americanos estão acordadíssimos. Ainda que sem uma clareza suficiente quanto à unidade histórica do movimento revolucionário, os conservadores americanos sabem mais ou menos onde está o mal. E, o que é melhor ainda, pouquíssimos entre eles se deixam levar pela tentação do que poderíamos chamar de “conservadorismo revolucionário”. Eles nunca leram o brasileiro Jackson de Figueiredo, mas se o lessem endossariam com entusiasmo esta fórmula dele: “O de que precisamos não é uma contra-revolução. É o contrário de uma revolução”.

Lembro você ter escrito que, ao dialogar com alguns liberais, ao final da conversa constata que o sujeito é conservador com ideias liberais. Qual o problema essencial do liberalismo? 
Isso nasce de um vício de linguagem. Como a mídia brasileira chama de “conservadores” os grupos de interesses sem nenhuma ideologia própria, o que é totalmente errado, a direita corrigiu um erro com outro erro, dizendo-se “liberal” em vez de conservadora. Da minha parte, uso sempre o termo “liberalismo” no seu sentido histórico de um capítulo do movimento revolucionário. Às vezes, quando critico o liberalismo nesse sentido, alguns conservadores brasileiros acham que estou falando mal deles. O liberalismo, no sentido em que uso o termo, acredita que a liberdade é um princípio fundante da política, mas a liberdade é apenas uma regra formal, que, elevada à condição de princípio, resulta no esvaziamento relativista de todos os valores, fomentando a mutação revolucionária e a extinção da própria liberdade. A diferença entre princípio substantivo e regra formal é que o primeiro pode ter sua aplicação estendida indefinidamente sem levar a contradições, ao passo que a regra formal, se aplicada além de um certo limite, acaba por se negar a si mesma. A liberdade é uma regra formal, porque ela sempre necessita de outras que a definam e não funciona fora delas. Os liberais – no sentido em que uso o termo – não entendem isso.

segunda-feira, 28 de abril de 2008

Psicose iluminista

Do portal do OLAVO DE CARVALHO
Por Olavo de Carvalho no Jornal do Brasil, 24 de abril de 2008

Um dos traços constitutivos da mentalidade revolucionária é a compulsão irresistível de tomar um futuro hipotético – supostamente desejável – como premissa categórica para a explicação do presente e do passado. Nessa perspectiva, a história humana é vista como o trajeto linear – embora entrecortado de abomináveis resistências – em direção ao advento de um estado de coisas no qual o curso total dos acontecimentos encontrará sua consumação e sua razão de ser.

Que haja nisso uma inversão psicótica da ordem das causas é algo que nem de longe rebrilha no horizonte da (in)consciência revolucionária, tão embevecida na contemplação estática das suas próprias lindezas que até a claridade máxima do óbvio se torna a seus olhos treva densa e impenetrável.

Mais cômica ainda, ou tragicômica, torna-se essa inversão quando, à maneira iluminista, o futuro esperado é descrito como o triunfo da racionalidade científica sobre o obscurantismo das crenças bárbaras. Pois a concepção futurocêntrica da História, virando de cabeça para baixo a hierarquia do necessário e do contingente já traz em seu bojo a destruição completa da lógica, do método científico e de toda possibilidade de compreensão racional da realidade. Não foi à toa que Paul Ilie, no seu magistral estudo The Age of Minerva (2 vols., University of Pennsylvania Press, 1995), caracterizou o estilo mental do Século das Luzes como "razão anti-racional".

Não espanta que, mais de 200 anos depois de ter desencadeado a maior e mais duradoura epidemia de revoluções, tiranias e genocídios já registrada desde o início dos tempos, a vaidade iluminista ainda continue a se pavonear de campeã da liberdade e dos direitos humanos, como se fosse lícito a uma filosofia reconhecer-se a si mesma tão somente pelos ideais declarados na sua propaganda e não pelo desenrolar inevitável e previsibilíssimo da realização efetiva das suas premissas.

O ideal de uma sociedade regida pela "razão científica" é o cerne mesmo da proposta iluminista, e a ele deve-se o nascimento das duas tiranias mais sangrentas que o mundo já conheceu, uma fundada na biologia evolucionária, outra na ciência marxista da história e da economia. O mais recente e meticuloso estudo comparativo desses dois regimes, The Dictators: Hitler's Germany, Stalin's Russia, de Richard Overy (New York, W. W. Norton, 2004, especialmente pp. 637 ss.), destaca como primeira e essencial similitude entre eles o "culto da ciência". Auschwitz e o Gulag são a utopia iluminista materializada.

E não me venham com aquela idiotice de que o iluminismo não gerou só ditaduras totalitárias, mas também a democracia americana. De um lado, o iluminismo britânico que influenciou a independência americana nada teve da rebelião voltaireana e enciclopedista contra a religião e as tradições (ver Gertrude Himmelfarb, The Roads to Modernity: The British, French and American Enlightenments, New York, Vintage Books, 2004).

De outro, mesmo essa versão suavizada do discurso iluminista não foi subscrita no todo pelos founding fathers, os quais a modificaram e cristianizaram em tal medida que praticamente não há na declaração da independência, na Constituição americana ou nas constituições dos Estados uma só afirmativa ou dispositivo legal cuja inspiração bíblica não esteja abundantemente documentada.

Nenhum argumento racional foi jamais apresentado contra a massa de provas reunida por Benjamin F. Morris nas mil e tantas páginas de The Christian Life and Character of the Civil Institutions of the United States em 1864. Tudo o que o partido iluminista pôde fazer, para tentar impor como puro constitucionalismo americano uma versão caricatural, "francesa", do Estado leigo compreendido como Estado ateísta militante, foi dar sumiço a esse livro e depois entrar em pânico quando da sua reedição em 2007 pela "american vision".

segunda-feira, 21 de abril de 2008

A Mente Revolucionária por Olavo de Carvalho

Do portal do OLAVO DE CARVALHO

Esta é parte de uma entrevista com Olavo de Carvalho que se encontra na íntegra aqui.

O que é e há quanto tempo desenvolve os estudos sobre a mente revolucionária?
Esse estudo surgiu da confluência mais ou menos acidental de duas investigações independentes que eu vinha desenvolvendo desde os anos 80. A primeira diz respeito às definições de direita e esquerda.

Por um lado, havia uma tendência, na mídia e nos debates públicos em geral, de minimizar ou até negar explicitamente a diferença entre direita e esquerda. Essa tendência tornou-se ainda mais forte depois da queda da URSS. Por outro lado, a esquerda assumia cada vez mais orgulhosamente sua identidade, ao mesmo tempo em que a sua influência política se tornava cada vez mais dominante. A direita, por seu lado, se encolhia numa timidez abjecta, negando sua própria existência, escondendo-se sob o rótulo de “centro” e copiando cada vez mais o vocabulário e a forma mentis da esquerda.

Era claro que aí havia um problema, principalmente porque os mais obstinados negadores da diferença entre esquerda e direita eram provenientes da direita. O problema colocava-se, portanto, em dois níveis. Primeiro: o empenho de dissolver as diferenças entre dois discursos ideológicos não impedia que pelo menos uma das forças políticas correspondentes continuasse existindo historicamente como força actuante e perfeitamente identificável. Segundo: se a negação da diferença tencionava esvaziar a esquerda, diluindo a força atractiva do comunismo num vago e inofensivo “progressismo”, foi a própria direita que por meio desse artifício acabou se tornando vaga e inofensiva.

Se era assim, ficava claro um desnível entre a discussão pública e as reais forças políticas subjacentes. A pergunta que surgia era: em que consistem a direita e a esquerda como forças históricas objectivas, para além de seus respectivos discursos de autodefinição ideológica? Logo, tornou-se impossível definir direita e esquerda em função de seus objectivos proclamados, que não só eram mutáveis, mas intercambiáveis.

E o que fez para avançar na investigação?
A ideia que me ocorreu então foi atacar o problema num nível mais profundo, buscando diferenças estruturais de percepção da realidade, das quais os sucessivos discursos historicamente registrados como de direita e esquerda pudessem desenvolver-se com toda a sua variedade interna alucinante, sem prejuízo das estruturas básicas.

Se eu conseguisse descobrir essas duas estruturas permanentes, a direita e a esquerda estariam delineadas por diferenças objectivas muito além do horizonte de consciência dos indivíduos e organizações que personificavam essas correntes. Descobri várias dessas diferenças. A principal é a diferença na percepção do tempo histórico.

A esquerda – toda a esquerda, sem excepção – enxerga o tempo histórico às avessas: supõe um futuro hipotético e o toma como premissa fundante da compreensão do passado. Em seguida, usa essa inversão como princípio legitimador das suas ações no presente. Como o futuro hipotético permanece sempre futuro, e por isso mesmo sempre hipotético, toda certeza alegada pelo movimento esquerdista num dado momento pode ser mudada ou invertida no momento seguinte, sem prejuízo, seja da continuidade do movimento, seja do sentimento de coerência por baixo das mais alucinantes incoerências. Somando a isso a descoberta de Jules Monnerot de que a cada geração é a esquerda quem aponta e delimita a direita, nomeando como tal aqueles que lhe resistem, a direita aparecia, portanto, como o conjunto daqueles que, por mil motivos variados, resistem à inversão da razão histórica.

Podem fazê-lo, por exemplo, por ser cristãos e acreditar que o “fim da história” é uma passagem para a eternidade e não um capítulo da história profana. Mas podem fazê-lo também por ser ateus de mentalidade científica que preferem moldar as hipóteses segundo os factos e não alterar os factos conforme as hipóteses. A segunda investigação foi da “paralaxe cognitiva”.

...

Como conseguiu?
Substituí, no meu estudo, os termos “esquerda” e “direita” pelos de “revolução” e “reacção”. Daí para diante, foi ficando cada vez mais evidente para mim a unidade histórica do movimento revolucionário desde as rebeliões messiânicas estudadas por Norman Cohn em The Pursuit of the Millennium. [Revolutionary messianism in medieval and Reformation Europe and its bearing on modern totalitarian movements (1957-61)] até o Fórum Social Mundial. E aí foi que se tornou também claro, mesmo para o meu cérebro cansado e obscurecido, o centro da confusão entre os termos “direita” e “esquerda” – porque muitos movimentos tidos popularmente como “de direita” operavam, de facto, na clave revolucionária e não reaccionária.

De uma maneira ou de outra, esses movimentos acabavam jogando lenha na fogueira da revolução, e trabalhando, portanto, contra seus próprios ideais declarados. Captar e descrever a unidade do movimento revolucionário é desenhar claramente, perante os olhos dos homens “de direita”, a verdadeira natureza do seu inimigo permanente. É desfazer uma infinidade de confusões catastróficas, que determinaram, ao longo do tempo, outras tantas políticas suicidas.

Se eu conseguir lançar nesse matagal toda a claridade que pretendo, creio que terei feito alguma coisa de útil, pelo menos para dar a Nosso Senhor Jesus Cristo um pretexto que ele possa alegar em minha defesa no Juízo Final.

domingo, 13 de abril de 2008

Para compreender a revolução mundial

Do portal OLAVO DE CARVALHO
Por OLAVO DE CARVALHO em 14 de maio de 2007

Prometi explicar mais detalhadamente as “teses sobre o movimento revolucionário mundial” (conferência na Academia Militar de West Point) que publiquei aqui semanas atrás. Como essas explicações são longas, vou subdividi-las em vários artigos, voltando ao assunto sempre que haja oportunidade. Começo com o primeiro parágrafo: “O movimento revolucionário é um fenômeno único e contínuo ao longo do tempo, pelo menos desde o século XV. Cada geração de revolucionários tem consciência de ser herdeira e continuadora das anteriores. Isso está abundantemente documentado nos seus escritos. É um fato, não uma interpretação minha.

Qualquer que seja o estado de coisas, não há atitude política consciente sem o conhecimento dos antecedentes históricos que o produziram; e não só dos antecedentes factuais imediatos, mas também e principalmente dos elementos duradouros, de longo prazo, que não exercem sobre a situação atual a influência de estímulos causais diretos mas moldam e determinam de longe o quadro geral onde tudo acontece.

Quando o discurso de um agente político repete o de personagens de dois, três ou quatro séculos atrás, os quais ele não conhece e não poderia citar de propósito, às vezes esse fato pode ser explicado pela simples persistência residual de antigos giros de linguagem, impregnados na cultura geral e assimilados passivamente pelo falante. Mas quando a essa coincidência vocabular se soma a identidade dos valores e objetivos que se expressam através do discurso, então é provável que a ação desse agente dê continuidade a uma seqüência iniciada muito antes dele, à qual ele serve com maior ou menor consciência de sua participação num esforço de muitos séculos. Se, ademais, rastreando as origens do seu linguajar podemos reconstruir uma cadeia de transmissão ininterrupta que de geração em geração veio vindo desde os pioneiros da idéia até seu último repetidor passivo, então é claro que estamos diante de um “movimento histórico” identificável, contínuo e autoconsciente.

Um movimento histórico pode abranger e conter muitos movimentos políticos, culturais e religiosos, que constituem suas versões parciais, locais e temporárias e que podem ser bastante diferentes e até contrastantes entre si sem deixar de contribuir, por isso, para a unidade do conjunto que os arrasta, inexoravelmente, à consecução de um sentido geral já formulado, em essência, desde o início.

Um movimento histórico não age por si, não é uma força mágica nem, como diria Hegel, uma “astúcia da razão” que opere e realize seus objetivos mediante uma lógica invisível, passando por cima das intenções conscientes de indivíduos e gerações. É, ao contrário, a continuidade temporal de um conjunto de símbolos, valores e objetivos que a cada geração são introjetados e subscritos conscientemente pelos indivíduos que se colocam a seu serviço. Apenas, em cada um desses indivíduos, o conhecimento dos valores a que serve não implica uma consciência integral da totalidade do movimento abrangente. Em alguns deles, sim. A cada geração há pelo menos um núcleo de “intelectuais”, que sabe de onde veio e para onde vai o conjunto do movimento a que serve. Mas a maioria dos envolvidos pode ter consciência somente das subcorrentes parciais imediatas. Isto é mais do que suficiente para garantir a inserção perfeita das suas ações no sentido total do movimento histórico.

Ao observador leigo a unidade do movimento pode escapar de todo, principalmente porque ele não sabe distingui-la de três outros tipos de unidade que podem aparecer por trás da multiplicidade dos atos humanos:

(1) A unidade espontânea do desenvolvimento histórico. O crescimento da economia capitalista, por exemplo, não resulta de nenhum plano e não é um processo dirigido por ninguém. Ele resulta, como dizia Ludwig von Mises, da somatória de uma quantidade inumerável de atos individuais, cada um deles racional em si mesmo, mas inconexos no conjunto, praticados pelos agentes econômicos em vista de seus objetivos pessoais e grupais.

(2) A unidade concreta e deliberada de um movimento político, social, religioso ou cultural explícito, dotado de um comando identificável e de uma massa de militantes, fiéis ou adeptos conscientes dessa unidade. O catolicismo ou o comunismo são exemplos característicos. Para distingui-los do movimento histórico em geral, vou chamá-los de “movimentos especiais”.

(3) A unidade invisível do “poder secreto” ou “conspiração”. Neste caso, a unidade existe só para os líderes, os condutores do processo, e seus colaboradores imediatos. A massa dos ajudantes anônimos, aglomerada em unidades menores sem contato umas com as outras, não têm uma idéia clara – e às vezes não têm idéia nenhuma -- da articulação maior nem do propósito de conjunto a que servem.

Embora a unidade de um movimento histórico possa ter elementos colhidos desses três modelos, nenhum deles a explica. Um movimento histórico não é um puro desenvolvimento espontâneo, mas é um esforço consciente e prolongado para levar as coisas numa certa direção. Mas ele distingue-se também dos movimentos especiais no sentido de que não precisa ter uma estrutura hierárquica de comando, ao menos permanente. Distingue-se também da unidade conspiratória porque essa estrutura hierárquica, quando existe, não tem necessariamente de permanecer secreta.

A unidade de um movimento histórico repousa inteiramente no apelo de certos símbolos que condensam e dão corpo a desejos, ideais e objetivos duradouros. Uma vez adotados como bandeira de luta por algum movimento especial, esses símbolos se disseminam e se arraigam tão profundamente na cultura que sua força aglutinadora pode ser renovada a qualquer instante por algum outro movimento especial que se inspire direta ou indiretamente no anterior. Uma sucessão de movimentos especiais inspirados num mesmo núcleo de símbolos e valores, atravessando as épocas sem conexão organizacional uns com os outros, forma por si um movimento histórico, mesmo que a consciência da continuidade se torne bastante tênue ou seja compartilhada somente por uma elite intelectual sem voz de comando direta sobre o conjunto. Se este continua na mesma direção, não se pode dizer que parou nem que foi extinto. Um movimento histórico pode, alternadamente, cristalizar-se como movimento especial em torno de um comando hierárquico conhecido de todos os participantes ou, ao contrário, subdividir-se em tantos núcleos independentes que pareça ter-se dissolvido, não só em tempos adversos, mas até nas épocas em que os ventos lhe são mais favoráveis e ele pode contar com um crescimento vegetativo apoiado no puro desenvolvimento espontâneo dos fatos sociais. Às vezes, aparece uma liderança genial capaz de manter por algum tempo o controle consciente do movimento, às vezes é preciso esperar até que a espontaneidade do acontecer crie as condições para isso, mas em ambas essas duas épocas o movimento revolucionário prossegue, inabalável,

Ninguém compreenderá jamais o movimento revolucionário mundial enquanto continuar a encará-lo apenas pelo prisma dos movimentos especiais que o integram. Como explicar, por exemplo, a ascensão brutal do esquerdismo no mundo depois da queda da URSS que, segundo a expectativa geral, deveria prenunciar o seu fim? A suspresa diante do fenômeno é tão grande que muitos preferem até negá-lo, refugiando-se numa ilusão psicótica. Mas a explicação dele é simples se você entende que o movimento comunista organizado desde os centros de comando em Moscou e Pequim era apenas uma encarnação parcial e temporária do movimento revolucionário, que este continuava se desenvolvendo em outros contextos sob outras formas, latentes e discretas, prontas a subir ao primeiro plano tão logo a versão soviético-chinesa falhasse, como de fato aconteceu. É deprimente, por exemplo, notar como os EUA, nos anos 50, ao mesmo tempo que combatiam de frente o expansionismo comunista e a espionagem soviética, recebiam de braços abertos os filósofos da Escola de Frankfurt, que já traziam consigo o germe da New Left destinada a florescer na década seguinte com uma força, uma virulência e uma amplitude jamais sonhadas pelos partidos comunistas. Combater um movimento especial sem ter em vista suas ligações com o conjunto do movimento revolucionário é arriscar-se a fortalecer este último no instante mesmo em que se imagina derrotá-lo. Na verdade, a própria elite soviética tinha muito mais flexibilidade e um horizonte estratégico incomparavelmente mais vasto do que os profissionais de inteligência e os analistas estratégicos nos EUA podiam imaginar então. Estes, além de enfocar o movimento comunista isoladamente, fora da tradição revolucionária, ainda consideravam esse movimento apenas um pseudópodo do poder soviético, quando na verdade o poder soviético era apenas uma encarnação local e temporária de uma corrente histórica que vinha desde muito antes dele e que sobreviveu perfeitamente bem à dissolução da URSS.

A unidade do movimento histórico tem de ser buscada, antes de tudo o mais, na linguagem. É a recorrência dos motivos condutores (no sentido que esta expressão tem em literatura e em música) que assinala a continuidade do movimento. E, no instante em que essa continuidade não é só a de uma vaga “influência cultural”, mas a de organizações revolucionárias que geram suas sucessoras e nelas se reencarnam após o seu desaparecimento aparente, então a caracterização do movimento histórico é nítida e insofismável, e já não há mais desculpa para não enxergar a sua unidade por baixo da variação aparente, por mais desnorteante que seja.

Para quem conhece a história do movimento revolucionário como conjunto, essa unidade, que o leigo tem tanta dificuldade de enxergar, transparece até em detalhes aparentemente irrisórios. Quando, por exemplo, o sr. Lula se declara católico e no instante seguinte, com a cara mais bisonha do mundo, afirma que está habilitado a comungar sem confessar por ser homem “sem pecados”, quem atribui isso à tolice pessoal do sr. presidente é infinitamente mais tolo do que ele. A frase ecoa um Leitmotiv do movimento revolucionário, circulante pelo menos desde o século XV: a impecância essencial do revolucionário, limpo e santo a priori e incondicionalmente. Ah, é apenas uma coincidência verbal!, dirão os sapientíssimos observadores. Não é não. Toda a mentalidade do sr. Lula foi formada pelo ensinamento direto e persistente do sr. Frei Betto, que é a encarnação mesma da heresia revolucionária, em nada diferente daquela dos cátaros e albigenses. O sr. Lula, no caso, talvez não tenha a menor consciência de que é um boneco de ventríloquo sentado no colo de uma tradição de cinco séculos. Mas o sr. Frei Betto, que pensa com o devido recuo histórico, sabe perfeitamente para que fins treinou o seu discípulo.

Prosseguirei estas explicações na semana que vem.

Absurdo sensato

As escolas infantis inglesas eliminaram do currículo de História a menção ao Holocausto, porque ofendia as delicadas sensibilidades dos alunos muçulmanos, persuadidos de que não aconteceu Holocausto nenhum, de que os judeus inventaram tudo só para tomar dinheiro da ingênua espécie humana.

Parece loucura, mas não é. É cálculo. E vem mais por aí. Quando o herdeiro do trono está sob a influência direta de mestres espirituais muçulmanos, inteligentes o bastante para fazer dele um discípulo dócil e obediente, é natural que a Inglaterra se prepare para ceder seus últimos resíduos de orgulho nacional ante a chantagem moral islâmica. A “Abolition of Britain” que Peter Hitchens anunciou num livro indispensável (San Francisco, Encounter Books, 2000) e a total islamização da Europa segundo o diagnóstico assustador de Bat Ye'or em “Eurabia: The Euro-Arab Axis” (Cranbury, NJ, Associated University Presses, 2005) estão mais perto do que a opinião pública imagina. O príncipe Charles aparece de vez em quando como um simples mecenas, protetor da arte e da cultura islâmicas no seu país, mas, acreditem, isso é só uma fachada. Ele está pessoalmente ligado a uma organização esotérica fundada por Frithjof Schuon, o místico muçulmano, suíço de nascimento, que ao voltar de uma viagem iniciática à Argélia nos anos 50 prometeu islamizar a Europa no prazo de uma geração. Schuon morreu, mas seu trabalho, extremamente bem sucedido, continua através de dedicados sucessores. A influência incalculavelmente vasta e ao mesmo tempo discretíssima que ele logrou obter sobre a elite intelectual e política européia é invisível ao grande público, mas sem ela o mero afluxo de imigrantes não teria o dom de transformar o Islam na única autoridade religiosa que tem o poder de vergar a espinha do governo britânico, e de fazê-lo até mesmo em nome de uma exigência absurda, ofensiva em último grau.

Schuon sempre soube que as grandes transformações históricas vêm de cima, que os movimentos de massa não são senão o efeito remoto da influência espiritual exercida sobre os corações e mentes dos homens mais cultos e capacitados. A abertura da Europa ao Islam não começou com a importação de trabalhadores. Começou com discretos rituais místicos em Oxford e Cambridge, aos quais o prestígio de intelectuais de primeiro plano acabou atraindo membros do Parlamento e até o príncipe herdeiro. Nenhum país pode resistir a uma cultura estrangeira quando a classe pensante local já se rendeu a seus encantos hipnóticos. Pouco importando o que pensemos de seus méritos e deméritos, Schuon não abriu uma fresta na cultura européia: abriu um rombo.

Esse capítulo decisivo da história recente é totalmente desconhecido dos politólogos, dos analistas estratégicos, dos comentaristas de mídia e dos demais “formadores de opinião”.

Denúncia

A propósito do recente indiciamento dos dois pilotos americanos no caso do acidente com a aeronave da Gol, recebi a seguinte mensagem de um ouvinte do meu programa True Outspeak, George Rocha, e acredito dever repassá-la aos leitores desta coluna:

“ Sou piloto de linha aérea e instrutor de vôo (jatos) há 27 anos. Digo-lhes, sem dúvidas, que os pilotos norte-americanos não cometeram qualquer erro durante o fatídico vôo. Provo minha afirmação inclusive diante de qualquer juiz. Desculpem-me por estar endereçando coletivamente esta minha mensagem sobre a realidade do acidente Legacy X GOL 1907. Eu li todos 79 comentários de O Globo online e sinto-me no dever moral, por possuir as informações técnicas corretas, de informar os demais brasileiros, leigos ou não, sobre fatos transitados acerca deste acidente aéreo.

No meu blog “ No Ar” ( http://www.globoonliners.com/icox.php?mdl=pagina&op=listar&usuario=363 ) todos vocês poderão ler o que aconteceu para o desfecho do acidente e ainda as preocupações da Aeronáutica, governo, Infraero, Cindacta, etc. Estejam certos de que a investigação tem sido manipulada politicamente.”

Estrangulamento

O golpe que, segundo comentei no artigo anterior, está sendo armado pela esquerda parlamentar americana para quebrar a resistência conservadora abrigada nas estações de rádio, é só parte de um projeto mais vasto destinado a instaurar de vez a hegemonia esquerdista e calar por completo a voz dos conservadores. Depois do rádio, a arma mais poderosa do conservadorismo americano é a rede de organizações populares (“grassroots”), sustentadas pelas contribuições de milhões de eleitores e criadas para pressionar a Câmara dos Representantes e o Senado por meio de cartas, telegramas, e-mails e telefonemas nos dias que antecedem alguma votação importante. Há tempos o Partido Democrata vem tramando um meio de tomar essa arma dos republicanos. Agora os adeptos de Nancy Pelosi encontraram a fórmula: regulamentar aquelas organizações de modo a que todos os seus membros contribuintes, mesmo os mais pobres e humildes, tenham de ser fichados perante o governo federal. Será, pela primeira vez na história americana, um monstruoso cadastro ideológico, que deixará milhões de eleitores expostos à espionagem oficial e à pressão direta do parlamento esquerdista.

A idéia é tão cínica, tão ostensivamente ditatorial, que não é possível deixar de contrastá-la com as afetações de escândalo com que os democratas, pouco tempo atrás, denunciaram como violação de privacidade a escuta telefônica praticada pelo governo Bush em cima de duzentos e poucos suspeitos de terrorismo, quase todos eles estrangeiros. Não é uma maravilha? Nada no mundo tem a força de auto-superação da hipocrisia esquerdista. Quando imaginamos que ela atingiu seu último limite, ela alça vôo ainda mais ambicioso, sempre com aquele ar de pureza excelsa de quem se considera imune ao pecado.

Crimes do abortismo

Quem quiser mais informações sobre os crimes do movimento abortista, que aqui denunciei em editorial publicado no dia 11 de maio, pode encontrá-las nas seguintes fontes:

Para maiores informações, as fontes são as seguintes.

Livros -- Patrick J. Buchanan, “The Death of the West: How Dying Populations and Immigrant Invasions Imperil Our Country and Civilization” (St. Martin's Press, 2002) e “State of Emergency : The Third World Invasion and Conquest of America” (id., 2006); Ramesh Ponnuru, “The Party of Death: The Democrats, the Media, the Courts and the Disregard for Human Life” (Regnery, 2006).

Vídeos

http://www.youtube.com/watch?v=UgH7bkV0Dm4 , http://www.youtube.com/watch?v=pR5g49NNKHU&mode=related&search , http://www.youtube.com/watch?v=rIzXNJNR2uQ&mode=related&search e http://www.youtube.com/watch?v=Q-UmKGR9NFU&mode=related&search.

Para os membros da comunidade Orkut, coloquei esses vídeos na minha página pessoal.

Artigos meus

http://www.olavodecarvalho.org/semana/051208jb.htm , http://www.olavodecarvalho.org/semana/050822dc.htm , http://www.olavodecarvalho.org/semana/050409globo.htm , http://www.olavodecarvalho.org/semana/050430globo.htm e http://www.olavodecarvalho.org/semana/980122jt.htm .

sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

A mentalidade revolucionária

Do portal do OLAVO DE CARVALHO
Por Olavo de Carvalho em 17 de agosto de 2007

Desde que se espalhou por aí que estou escrevendo um livro chamado “A Mente Revolucionária”, tenho recebido muitos pedidos de uma explicação prévia quanto ao fenômeno designado nesse título.

A mente revolucionária é um fenômeno histórico perfeitamente identificável e contínuo, cujos desenvolvimentos ao longo de cinco séculos podem ser rastreados numa infinidade de documentos. Esse é o assunto da investigação que me ocupa desde há alguns anos. “Livro” não é talvez a expressão certa, porque tenho apresentado alguns resultados desse estudo em aulas, conferências e artigos e já nem sei se algum dia terei forças para reduzir esse material enorme a um formato impresso identificável. “A mente revolucionária” é o nome do assunto e não necessariamente de um livro, ou dois, ou três. Nunca me preocupei muito com a formatação editorial daquilo que tenho a dizer. Investigo os assuntos que me interessam e, quando chego a algumas conclusões que me parecem razoáveis, transmito-as oralmente ou por escrito conforme as oportunidades se apresentam. Transformar isso em “livros” é uma chatice que, se eu pudesse, deixaria por conta de um assistente. Como não tenho nenhum assistente, vou adiando esse trabalho enquanto posso.

A mente revolucionária não é um fenômeno essencialmente político, mas espiritual e psicológico, se bem que seu campo de expressão mais visível e seu instrumento fundamental seja a ação política.

Para facilitar as coisas, uso as expressões “mente revolucionária” e “mentalidade revolucionária” para distinguir entre o fenômeno histórico concreto, com toda a variedade das suas manifestações, e a característica essencial e permanente que permite apreender a sua unidade ao longo do tempo.

“Mentalidade revolucionária” é o estado de espírito, permanente ou transitório, no qual um indivíduo ou grupo se crê habilitado a remoldar o conjunto da sociedade – senão a natureza humana em geral – por meio da ação política; e acredita que, como agente ou portador de um futuro melhor, está acima de todo julgamento pela humanidade presente ou passada, só tendo satisfações a prestar ao “tribunal da História”. Mas o tribunal da História é, por definição, a própria sociedade futura que esse indivíduo ou grupo diz representar no presente; e, como essa sociedade não pode testemunhar ou julgar senão através desse seu mesmo representante, é claro que este se torna assim não apenas o único juiz soberano de seus próprios atos, mas o juiz de toda a humanidade, passada, presente ou futura. Habilitado a acusar e condenar todas as leis, instituições, crenças, valores, costumes, ações e obras de todas as épocas sem poder ser por sua vez julgado por nenhuma delas, ele está tão acima da humanidade histórica que não é inexato chamá-lo de Super-Homem.

Autoglorificação do Super-Homem, a mentalidade revolucionária é totalitária e genocida em si, independentemente dos conteúdos ideológicos de que se preencha em diferentes circunstâncias e ocasiões.

Recusando-se a prestar satisfações senão a um futuro hipotético de sua própria invenção e firmemente disposto a destruir pela astúcia ou pela força todo obstáculo que se oponha à remoldagem do mundo à sua própria imagem e semelhança, o revolucionário é o inimigo máximo da espécie humana, perto do qual os tiranos e conquistadores da antigüidade impressionam pela modéstia das suas pretensões e por uma notável circunspecção no emprego dos meios.

O advento do revolucionário ao primeiro plano do cenário histórico – fenômeno que começa a perfilar-se por volta do século XV e se manifesta com toda a clareza no fim do século XVIII – inaugura a era do totalitarismo, das guerras mundiais e do genocídio permanente. Ao longo de dois séculos, os movimentos revolucionários, as guerras empreendidas por eles e o morticínio de populações civis necessário à consolidação do seu poder mataram muito mais gente do que a totalidade dos conflitos bélicos, epidemias terremotos e catástrofes naturais de qualquer espécie desde o início da história do mundo.

O movimento revolucionário é o flagelo maior que já se abateu sobre a espécie humana desde o seu advento sobre a Terra.

A expansão da violência genocida e a imposição de restrições cada vez mais sufocantes à liberdade humana acompanham pari passu a disseminação da mentalidade revolucionária entre faixas cada vez mais amplas da população, pela qual massas inteiras se imbuem do papel de juízes vingadores nomeados pelo tribunal do futuro e concedem a si próprios o direito à prática de crimes imensuravelmente maiores do que todos aqueles que a promessa revolucionária alega extirpar.

Mesmo se não levarmos em conta as matanças deliberadas e considerarmos apenas a performance revolucionária desde o ponto de vista econômico, nenhuma outra causa social ou natural criou jamais tanta miséria e provocou tantas mortes por desnutrição quanto os regimes revolucionários da Rússia, da China e de vários países africanos.

Qualquer que venha a ser o futuro da espécie humana e quaisquer que sejam as nossas concepções pessoais a respeito, a mentalidade revolucionária tem de ser extirpada radicalmente do repertório das possibilidades sociais e culturais admissíveis antes que, de tanto forçar o nascimento de um mundo supostamente melhor, ela venha a fazer dele um gigantesco aborto e do trajeto milenar da espécie humana sobre a Terra uma história sem sentido coroada por um final sangrento.

Embora as distintas ideologias revolucionárias sejam todas, em maior ou menor medida, ameaçadoras e daninhas, o mal delas não reside tanto no seu conteúdo específico ou nas estratégias de que se servem para realizá-lo, quanto no fato mesmo de serem revolucionárias no sentido aqui definido.

O socialismo e o nazismo são revolucionários não porque propõem respectivamente o predomínio de uma classe ou de uma raça, mas porque fazem dessas bandeiras os princípios de uma remodelagem radical não só da ordem política, mas de toda a vida humana. Os malefícios que prenunciam se tornam universalmente ameaçadores porque não se apresentam como respostas locais a situações momentâneas, mas como mandamentos universais imbuídos da autoridade de refazer o mundo segundo o molde de uma hipotética perfeição futura. A Ku-Klux-Klan é tão racista quanto o nazismo, mas não é revolucionária porque não tem nenhum projeto de alcance mundial. Por essa razão seria ridículo compará-la, em periculosidade, ao movimento nazista. Ela é um problema policial puro e simples.

Por isso mesmo é preciso enfatizar que o sentido aqui atribuído ao termo “revolução” é ao mesmo tempo mais amplo e mais preciso do que a palavra tem em geral na historiografia e nas ciências sociais presentemente existentes. Muitos processos sócio-políticos usualmente denominados “revoluções” não são “revolucionários” de fato, porque não participam da mentalidade revolucionária, não visam à remodelagem integral da sociedade, da cultura e da espécie humana, mas se destinam unicamente à modificação de situações locais e momentâneas, idealmente para melhor. Não é necessariamente revolucionária, por exemplo, a rebelião política destinada apenas a romper os laços entre um país e outro. Nem é revolucionária a simples derrubada de um regime tirânico com o objetivo de nivelar uma nação às liberdades já desfrutadas pelos povos em torno. Mesmo que esses empreendimentos empreguem recursos bélicos de larga escala e provoquem modificações espetaculares, não são revoluções, porque nada ambicionam senão à correção de males imediatos ou mesmo o retorno a uma situação anterior perdida.

O que caracteriza inconfundivelmente o movimento revolucionário é que sobrepõe a autoridade de um futuro hipotético ao julgamento de toda a espécie humana, presente ou passada. A revolução é, por sua própria natureza, totalitária e universalmente expansiva: não há aspecto da vida humana que ela não pretenda submeter ao seu poder, não há região do globo a que ela não pretenda estender os tentáculos da sua influência.

Se, nesse sentido, vários movimentos político-militares de vastas proporções devem ser excluídos do conceito de “revolução”, devem ser incluídos nele, em contrapartida, vários movimentos aparentemente pacíficos e de natureza puramente intelectual e cultural, cuja evolução no tempo os leve a constituir-se em poderes políticos com pretensões de impor universalmente novos padrões de pensamento e conduta por meios burocráticos, judiciais e policiais. A rebelião húngara de 1956 ou a derrubada do presidente brasileiro João Goulart, nesse sentido, não foram revoluções de maneira alguma. Nem o foi a independência americana, um caso especial que terei de explicar num outro artigo. Mas sem dúvida são movimentos revolucionários o darwinismo e o conjunto de fenômenos pseudo-religiosos conhecido como Nova Era. Todas essas distinções terão de ser explicadas depois em separado e estão sendo citadas aqui só a título de amostra.


* * *



Entre outras confusões que este estudo desfaz está aquela que reina nos conceitos de “esquerda”e “direita”. Essa confusão nasce do fato de que essa dupla de vocábulos é usada por sua vez para designar duas ordens de fenômenos totalmente distintos. De um lado, a esquerda é a revolução em geral, e a direita a contra-revolução. Não parecia haver dúvida quanto a isso no tempo em que os termos eram usados para designar as duas alas dos Estados Gerais. A evolução dos acontecimentos, porém, fez com que o próprio movimento revolucionário se apropriasse dos dois termos, passando a usá-los para designar suas subdivisões internas. Os girondinos, que estavam à esquerda do rei, tornaram-se a “direita” da revolução, na mesma medida em que, decapitado o rei, os adeptos do antigo regime foram excluídos da vida pública e já não tinham direito a uma denominação política própria. Esta retração do “direitismo” admissível, mediante a atribuição do rótulo de “direita” a uma das alas da própria esquerda, tornou-se depois um mecanismo rotineiro do processo revolucionário. Ao mesmo tempo, remanescentes contra-revolucionários genuínos foram freqüentemente obrigados a aliar-se à “direita”revolucionária e a confundir-se com ela para poder conservar alguns meios de ação no quadro criado pela vitória da revolução. Para complicar mais as coisas, uma vez excluída a contra-revolução do repertório das idéias politicamente admissíveis, o ressentimento contra-revolucionário continuou existindo como fenômeno psico-social, e muitas vezes foi usado pela esquerda revolucionária como pretexto e apelo retórico para conquistar para a sua causa faixas de população arraigadamente conservadoras e tradicionalistas, revoltadas contra a “direita” revolucionária imperante no momento. O apelo do MST à nostalgia agrária ou a retórica pseudo-tradicionalista adotada aqui e ali pelo fascismo fazem esquecer a índole estritamente revolucionária desses movimentos. O próprio Mao Dzedong foi tomado, durante algum tempo, como um reformador agrário tradicionalista. Também não é preciso dizer que, nas disputas internas do movimento revolucionário, as facções em luta com freqüência se acusam mutuamente de “direitistas” (ou “reacionárias”). À retórica nazista que professava destruir ao mesmo tempo “a reação” e “o comunismo” correspondeu, no lado comunista, o duplo e sucessivo discurso que primeiro tratou os nazistas como revolucionários primitivos e anárquicos e depois como adeptos da “reação” empenhados em “salvar o capitalismo” contra a revolução proletária.

Os termos “esquerda” e “direita” só têm sentido objetivo quando usados na sua acepção originária de revolução e contra-revolução respectivamente. Todas as outras combinações e significados são arranjos ocasionais que não têm alcance descritivo mas apenas uma utilidade oportunística como símbolos da unidade de um movimento político e signos demonizadores de seus objetos de ódio.

Nos EUA, o termo “direita” é usado ao mesmo tempo para designar os conservadores em sentido estrito, contra-revolucionários até à medula, e os globalistas republicanos, “direita” da revolução mundial. Mas a confusão existente no Brasil é muito pior, onde a direita contra-revolucionária não tem nenhuma existência política e o nome que a designa é usado, pelo partido governante, para nomear qualquer oposição que lhe venha desde dentro mesmo dos partidos de esquerda, ao passo que a oposição de esquerda o emprega para rotular o próprio partido governante.

Para mim está claro que só se pode devolver a esses termos algum valor descritivo objetivo tomando como linha de demarcação o movimento revolucionário como um todo e opondo-lhe a direita contra-revolucionária, mesmo onde esta não tenha expressão política e seja apenas um fenômeno cultural.

A essência da mentalidade contra-revolucionária ou conservadora é a aversão a qualquer projeto de transformação abrangente, a recusa obstinada de intervir na sociedade como um todo, o respeito quase religioso pelos processos sociais regionais, espontâneos e de longo prazo, a negação de toda autoridade aos porta-vozes do futuro hipotético.

Nesse sentido, o autor destas linhas é estritamente conservador. Entre outros motivos, porque acredita que só o ponto de vista conservador pode fornecer uma visão realista do processo histórico, já que se baseia na experiência do passado e não em conjeturações de futuro. Toda historiografia revolucionária é fraudulenta na base, porque interpreta e distorce o passado segundo o molde de um futuro hipotético e aliás indefinível. Não é uma coincidência que os maiores historiadores de todas as épocas tenham sido sempre conservadores.

Se, considerada em si mesma e nos valores que defende, a mentalidade contra-revolucionária deve ser chamada propriamente “conservadora”, é evidente que, do ponto de vista das suas relações com o inimigo, ela é estritamente “reacionária”. Ser reacionário é reagir da maneira mais intransigente e hostil à ambição diabólica de mandar no mundo.

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A teoria marxista da “ideologia de classe” não tem pé nem cabeça. Ou a ideologia do sujeito traduz necessariamente os interesses da classe a que ele pertence, ou ele está livre para tornar-se advogado de alguma outra classe. Na primeira hipótese, jamais surgiria um comunista entre os burgueses e Karl Marx jamais teria sido Karl Marx. Na segunda, não há vínculo entre a ideologia e a condição social do indivíduo e não há portanto ideologia de classe: há apenas a ideologia pessoal que cada um atribui à classe com que simpatiza, construindo depois, por mera inversão dessa fantasia, a suposta ideologia da classe adversária. Uma teoria que pode ser demolida em sete linhas não vale cinco, mas com base nela já se matou tanta gente, já se destruiu tanto patrimônio da humanidade e sobretudo já se gastou tanto dinheiro em subsídios universitários, que é preciso continuar a fingir que se acredita nela, para não admitir o vexame. Olavo de Carvalho, íntegra aqui.
"Para conseguir sua maturidade o homem necessita de um certo equilíbrio entre estas três coisas: talento, educação e experiência." (De civ Dei 11,25)
Cuidado com seus pensamentos: eles se transformam em palavras. Cuidado com suas palavras: elas se transformam em ação. Cuidado com suas ações: elas se transformam em hábitos. Cuidado com seus atos: eles moldam seu caráter.
Cuidado com seu caráter: ele controla seu destino.
A perversão da retórica, que falseia a lógica e os fatos para vencer o adversário em luta desleal, denomina-se erística. Se a retórica apenas simplifica e embeleza os argumentos para torná-los atraentes, a erística vai além: embeleza com falsos atrativos a falta de argumentos.
‎"O que me leva ao conservadorismo é a pesquisa e a investigação da realidade. Como eu não gosto de futebol, não gosto de pagode, não gosto de axé music, não gosto de carnaval, não fumo maconha e considero o PT ilegal, posso dizer que não me considero brasileiro - ao contrário da maioria desses estúpidos que conheço, que afirma ter orgulho disso". (José Octavio Dettmann)
" Platão já observava que a degradação moral da sociedade não chega ao seu ponto mais abjeto quando as virtudes desapareceram do cenário público, mas quando a própria capacidade de concebê-las se extinguiu nas almas da geração mais nova. " Citação de Olavo de Carvalho em "Virtudes nacionais".