André F. Falleiro Garcia
Afirmar-se socialista é uma etiqueta da moda ostentada em muitos ambientes. O aplauso midiático costuma gratificar os que, por convicção ou faceirice, assim se exibem. Mas para os ativistas encastelados nas siglas partidárias ou em ONGs ecotribalistas, ser socialista é muito mais do que modismo ideológico: significa a adesão a uma espécie de religião. Tanto socialistas quanto comunistas, em variados graus de adesão ou iniciação, fazem parte de uma única seita revolucionária, atéia, materialista e hegeliana, cuja ação tem uma abrangência universal, voltada para a destruição da Igreja e da civilização cristã.
Teve percepção do caráter sectário do socialismo bolivariano Xavier Legorreta, chefe da Seção da América Latina da associação de direito pontifício Ajuda à Igreja que Sofre. Com efeito, ao analisar o resultado do referendo sobre a reforma da Constituição venezuelana, realizado em fevereiro de 2009, comentou:
"Cabe afirmar que o chavismo se converteu em uma espécie de religião na Venezuela. A linguagem, a forma de se apresentar, as conversas e discussões, tudo gira em torno da sua pessoa [Chávez], sua ideologia e sua estratégia tática. Assim ele consegue o êxito, chamado também de revolução bolivariana. Esta revolução busca criar um modelo similar ao sistema político que esteve implantado na Europa do Leste, e que hoje ainda subsiste em Cuba: uma ditadura socialista encabeçada por uma forte personalidade, um líder. Em Cuba, esse líder é Fidel Castro, e na Venezuela, Hugo Chávez".[1]
A seita comunista espalha os seus membros numa gama variada de partidos, movimentos sociais ou ONGs de colorações que vão do róseo ao rubro, do socialismo dito democrático ao marxismo maoísta, stalinista, trotskista ou gramscista. Por exemplo, o Partido dos Trabalhadores (PT) é uma espécie de tábua de queijos, tal o leque de tendências de esquerda nele concentradas. Mas as eventuais divergências táticas – diversidade é palavra da moda nesses ambientes – não obstruem a fundamental concordância estratégica que as une: a mesma meta revolucionária. Por isso, qualquer que seja o vencedor das eleições presidenciais de 2010 no Brasil – Lula, Dilma, Serra, Aécio, Ciro Gomes, todos de esquerda – as rédeas do poder continuarão nas mãos da seita.
Desde os tempos da extinta União Soviética, designou-se comoNomenklatura o rol dos funcionários graduados da burocracia governamental e membros da elite dirigente do partido.[2] De fato formavam uma verdadeira casta privilegiada, mas não só isso: sobretudo faziam parte de uma seita filosófico-religiosa, na qual as recompensas de ordem econômico-financeira ou os ostracismos eram circunstanciais, e a adesão sectária, o vínculo essencial.
Esses fanáticos sectários constituem minorias disciplinadas e escoladas. Utilizam estruturas verticais ou redes lineares, que servem, em última análise, de linhas auxiliares a serviço da seita.
Espalhados pelo mundo, seus corifeus dominam com perfeição a técnica de reunir em torno da causa uma periferia de incautos, desprevenidos, iludidos, considerados como "companheiros de viagem" ou "inocentes úteis" ("idiotas utiles", dizem os hispanos com mais acerto). Para tanto manuseiam o elenco temático do socialismo utópico – justiça social, solidariedade, igualdade, repartição de riquezas etc. Mas para galgar posições na seita o que conta não é essa cartilha utópica. Será decisiva a facilidade do neófito ou iniciado em se livrar da moral cristã ou burguesa: matar, roubar, fornicar, mentir são recursos úteis e necessários para a vitória da causa.
A opinião pública em geral não distingue bem o que separa o socialismo do comunismo e o que os une. Na verdade ambos possuem a mesma doutrina e a mesma meta.
A diferença é uma questão de método. Enquanto o comunismo marxista – nas versões leninista, stalinista ou maoísta – emprega a violência e a luta armada para alcançar o poder e depois a repressão policial feroz para nele se manter, os socialistas utilizam a via pacífica e eleitoral, agindo num compasso lento, gradual e processivo, para assim realizar a modificação das estruturas sócio-econômicas e do ordenamento jurídico das nações.
O comunismo vermelho tingiu de sangue os lugares onde se implantou. O Livro Negro do Comunismo fez um balanço desse horror: cerca de cem milhões de mortos.
O socialismo proteiforme tem o condão de se mostrar róseo nas nações onde participa do jogo eleitoral democrático, ou de apresentar coloração mais carregada onde as instituições que garantem a liberdade se encontram em situação agônica. Quando se aproxima do rubro, a sua face totalitária adquire mais visibilidade.
O socialismo é uma rampa pela qual as pessoas e as nações resvalam para o comunismo. Lula e Chávez são matizações locais e circunstanciais de uma mesma doutrina e meta político-social. No caso do "Lula light" ou "Lulinha paz e amor", a passagem do socialismo ao comunismo é feita em meio à atonia geral. O presidente sindicalista já confessou ser uma "metamorfose ambulante": nos ambientes mais democráticos mostra-se rosado, quando está junto com os "companheiros" perde o desbotado e revela sua alma vermelha.
Quanto à República Bolivariana da Venezuela e seu ditador, é expressivo o depoimento do escritor peruano Mario Vargas Llosa, reproduzido no jornal El Universal (28/05/2009): "Não há dúvida de que o processo em curso aproxima a Venezuela de uma ditadura comunista e afasta o país de uma democracia liberal". Afirmou ainda Vargas Llosa, durante palestra no auditório do hotel Caracas Palace: "Se este caminho não for interrompido, a Venezuela se transformará na segunda Cuba da América Latina. Não devemos permitir isso, por isso estamos aqui".[3]
Há uma intensificação cromática no arco ideológico que vai do socialismo ao comunismo. Significa que quanto mais a cor é carregada, mais forte é o teor comunista. E há uma mitigação, emdégradé, no itinerário do comunismo ao socialismo. Quer dizer, por estratagema o comunismo rubro evolui para uma coloração desbotada própria ao socialismo. Essa evolução pode ser verificada na análise das três fases da marcha processiva comunista.
Desde o início da fase leninista até o final do período de terror stalinista, a nota comum foi a extrema violência como principal instrumento para a conquista e permanência no poder, presente tanto na violenta repressão interna nos países comunistas quanto na expansão internacional por meio de guerras, golpes de estado, guerrilhas etc. Com o tempo, tornou-se patente o insucesso do comunismo vermelho no convencimento ideológico das massas. A Igreja Católica, duramente perseguida, resistiu heroicamente. A Igreja do Silêncio e a epopéia vivida pelo Cardeal Midzensty são exemplos eloqüentes desse período.
Na fase gramscista, a partir de 1958-1960, o comunismo passou por uma metamorfose ou primeira Perestroika.[4] E o novo déspota do Kremlin, Nikita Khrushchov, encomendou a Pablo Picasso a pintura da pomba da paz, símbolo neocomunista de grande aceitação nos ambientes superficiais do Ocidente. Embora o comunismo rubro não cessasse de atuar, buscou-se de modo preferencial a convergência entre o mundo capitalista e o socialista. A guerra psicológica revolucionária foi muito utilizada para dar credibilidade aos neocomunistas e desprestigiar os anticomunistas autênticos. A partir dos anos 60 e 70 o neocomunismo gramscista empenhou-se na conquista da hegemonia sobre a sociedade civil procurando realizar o consenso de opiniões e a modelagem dos modos de ser e de sentir. Com isso desbotou-se um tanto o vermelho armorial do comunismo primevo.
Enquanto isso, na Igreja deu-se um acontecimento de gravidade apocalíptica. O Concílio Vaticano II (1962-1965), que pretendeu ser apenas pastoral, omitiu-se em condenar o lobo vermelho, a seita comunista. Desde então, a infiltração das idéias comunistas nos meios católicos cresceu de modo assombroso. Socialismo cristão, Teologia da Libertação, "opção preferencial pelos pobres", Comissão Pastoral da Terra, Conselho Indigenista Missionário, exemplificam as numerosas bandeiras sectárias erguidas no próprio seio daquela que outrora foi o maior bastião de oposição espiritual e moral ao socialismo e ao comunismo.
A fase do caos factual inaugurou o ciclo dos fatos consumados impactantes. Os anos 80 e 90 foram marcados pela Perestroika de Gorbatchev (1985), a queda do Muro de Berlim (1989) e a dissolução da URSS (1991). E no início do milênio, dois outros fatos impactantes chocaram a opinião pública.
A derrubada das Torres Gêmeas em Nova York (11/09/2001), num atentado promovido pelas redes do terrorismo muçulmano, abalou o prestígio e a vivência do american dream. Oito anos depois subiu ao poder Barack Hussein Obama, de raízes muçulmanas.
Na Igreja Católica, deu-se a desconcertante revelação do Terceiro Segredo de Fátima em 26 de junho de 2000. O documento divulgado – pesam graves dúvidas sobre sua autenticidade – teve o condão de desmitificar a profecia marial anticomunista. Em termos psicológicos, os protagonistas do ato, hoje Papa Bento XVI e Cardeal Bertone, provocaram na opinião pública católica um choque criteriológico, à vista do conteúdo e da interpretação que propuseram sobre o suposto Terceiro Segredo revelado. Em outras palavras, o significado prático do assunto Fátima passou a ser: o comunismo está morto, a Rússia está em franco processo de conversão e já começou uma nova era, a Civilização do Amor. Nesse contexto, os eventos religiosos autorizados por Putin – tanto os promovidos pela Igreja Católica quanto pela Igreja Ortodoxa – salpicam com água benta a face da nova Rússia. Com isso a edulcoração do comunismo russo no regime de Putin atinge o seu clímax.
Vladímir Putin exerceu o cargo de presidente da Rússia (1999-2008) e agora é o seu primeiro-ministro. Embora represente o controle governamental pelos quadros do KGB, de onde proveio, a mídia o apresenta como continuador do expansionismo dos czares dotado de carisma populista. Putin desempenha o papel de ex-KGB aberto ao mercado capitalista.
O êxito da estratégia da Perestroika pode ser verificado nas entrelinhas das declarações de Mario Vargas Llosa já referidas: "Somente dois países do mundo mantêm a ficção da utopia socialista: a Coreia do Norte e Cuba".[5]
Mirabile dictu! Os "especialistas em América Latina", reunidos noforum realizado no Hotel Caracas Palace retiraram a Rússia do rol dos países sob governo comunista! Conservaram apenas a Coreia do Norte e Cuba. São especialistas renomados cuja voz impressiona o Departamento de Estado norte-americano.
Sem dúvida o dégradé da estratégia do comunismo a longo prazo alcançou inegável sucesso. Conseguiu convencer o Ocidente de que o comunismo russo morreu e tornou-se coisa do passado.
Também a China, embora governada pelo Partido Comunista, não é mais considerada comunista, e sim, uma economia que se agiganta graças à abertura para o capitalismo.
Para a ótica desses e de outros especialistas equivocados, companheiros de viagem" ou "inocentes úteis", a esquerda light – de Lula, Bachelet e Tabaré Vasquez – faz o contraponto ao socialismo rubro de Hugo Chávez. O equívoco só favorece os desígnios da seita.
O caos factual traz em seu bojo o caos criteriológico. Socialismo e comunismo tornaram-se noções de múltiplo sentido que confundem o homem comum. Também os "especialistas" em América Latina, Rússia e China – dos governos republicanos ou democratas norte-americanos – se equivocam quando acreditam nessas metamorfoses policrômicas.
A manifestação unânime dos representantes de 34 países na recente reunião da OEA (03/06/2009), onde foi aprovada uma resolução que anulou a suspensão da participação do governo cubano na entidade imposta em 1962, é indicativa de que o dégradé aplicado no regime castrista também obteve êxito. As cosméticas modificações introduzidas pelo ditador Raúl Castro, salpicadas de água benta na histórica visita do Cardeal Bertone à ilha-prisão, abrem caminho para o retorno da tirania cubana ao sistema interamericano.
Se o estratagema socialista apresenta a utilidade de servir de cavalo de tróia do comunismo, por sua vez o dégradé do comunismo convence seus adversários e vítimas de que ele morreu e assim os desmobiliza e transforma em simpatizantes ou colaboradores. De enorme proveito para a seita e comprovado sucesso são as variações cromáticas do socialismo e do comunismo.
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NOTAS:
[1] Venezuela: chavismo converteu-se em "religião". Agência de notícias Zenit. Roma, 18 de fevereiro de 2009.
[2] Nomenklatura é uma palavra russa derivada do latim nomenclatura que significa lista de nomes. A casta dirigente soviética foi descrita pelo dissidente Mikhail Voslenski em A Nomenklatura - Como Vivem as Classes Privilegiadas na União Soviética (Record, RJ), que se inspirou na obra de Milovan Djilas, intitulada A Nova Classe.
[3] Cf. Para Vargas Llosa, Venezuela será uma 2ª Cuba.
[4] Khrushchov durante o XX Congresso do PCUS (1956) desmitificou o stalinismo genocida e em 1958 tornou-se primeiro-ministro. Pode-se fazer um paralelismo entre as mudanças que ele introduziu, e a reconstrução ou reestruturação (Perestroika) do comunismo que Mikhail Gorbatchev executou a partir de 1985.
[5] Ver acima a nota 3.
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Matérias de interesse sobre o caos factual: