Ludwig von Mises é um dos mais notáveis filósofos e economistas do nosso tempo. Inspirado no início de sua carreira pelo trabalho de seus professores - os grandes economistas austríacos Carl Menger e Böhm-Bawerk - Mises, por meio de uma série de pesquisas universitárias, analisou sistematicamente cada problema econômico importante, criticou erros inveterados e substituiu velhos sofismas por idéias sólidas e sadias.
Este é o sexto capítulo originalmente intitulado "The Making of Modern Civilization: Savings, Investment, and Economic Calculation" do livro "Marxism Unmasked: From Delusion to Destruction", publicado pela Foundation for Economic Education. Faz parte de uma série de nove discursos formais de Ludwig Von Mises (1881-1973), pronunciados entre 23 de junho e 3 de julho de 1952, na Biblioteca Pública de São Francisco, São Francisco, Califórnia, num seminário patrocinado pela revista The Freeman.
Sexta parte
A formação da Civilização Moderna: Poupança, Investimento e Cálculo Econômico
O Institucionalismo (1) ridicularizava os economistas clássicos porque eles iniciaram com uma "economia Crusoé” [ação de um indivíduo isolado]. No princípio um pescador teve a idéia de que ele poderia pegar mais peixes do que ele precisava num dia e então ele poderia ter algum tempo livre para fabricar redes de pesca. Estas redes e estoques de peixes são "bens de capital"; eu não os denomino "capital".
Bens de capital são fatores intermediários entre os fatores naturais de produção e os bens de consumo. Recursos advindos da natureza e o trabalho humano são fatores naturais. Mas se eles estão a produzir, eles devem ser orientados. O que foi produzido, fatores intermediários de produção -- bens de capital -- não são apenas as ferramentas; são também todos os outros bens intermediários, produtos semi-acabados e materiais de bens de consumo que são utilizados na manutenção daqueles que estão produzindo com a ajuda de bens de capital. O processo de produção que estamos organizando e operando hoje teve início nas primeiras eras da história, nos tempos remotos da história. Se as crianças gastassem as redes e peixes produzidos pelos seus pais, a acumulação de capital teria que começar novamente. Há um progresso contínuo das condições mais simples às condições mais refinadas. É importante perceber isto porque temos que saber que, desde o início, o primeiro passo em direção a este sistema de produção, com a ajuda de bens de capital, foi poupar, sempre foi poupar.
O conceito de "capital" deve ser distinguido do conceito de "bens de capital". É impossível pensar e lidar com os problemas dos bens de capital sem usar e se referir aos conceitos que nós desenvolvemos no moderno e complicado sistema de cálculo de capital. Bens de capital são algo material; algo que poderia ser descrito em termos físicos e químicos. O conceito de "capital" refere-se à valoração de um conjunto destes bens de capital em termos de dinheiro. Esta valoração de bens de capital em termos de dinheiro é o que marca o início do que pode ser chamado de um novo e mais alto período no empenho humano para melhorar as condições externas da humanidade. O problema é como manter ou preservar a quantidade de capital disponível e como evitar o consumo dos bens de capital disponíveis sem substituí-los. O problema é como não consumir mais, ou se possível, como consumir menos do que a quantidade de produtos recentemente produzidos. É o problema da preservação e manutenção do capital e, evidentemente, o aumento do capital disponível.
Sob algumas circunstâncias, é possível lidar com este problema sem qualquer cálculo especial ou computação. Se um agricultor continua a produzir da mesma maneira e se os métodos de construção e modo de vida não mudam, ele pode estimar seu estado, pois ele pode estabelecer comparações em termos físicos e biológicos; dois celeiros são mais do que um celeiro, um dúzia de cabeças de gado são mais do que duas vacas, e assim por diante. Mas tais métodos simples de cálculo são insuficientes num sistema econômico em que haja mudança e progresso. A substituição poderá não ser da mesma forma como os fatores que estão esgotados. Os motores diesel podem ser substituídos por motores a vapor, etc. Substituição e manutenção de capital sob tais condições exigem um método de cálculo e o cálculo só pode ser efetuado em termos de dinheiro. Os vários fatores físicos e externos da produção não podem ser comparados de qualquer outra forma que não seja a partir do ponto de vista dos serviços que prestam aos homens, calculados em termos de dinheiro.
Este foi um dos erros fundamentais de Aristóteles. Ele acreditava que nas relações de troca as coisas que eram negociadas tinham o mesmo valor. Desde os tempos de Aristóteles, por dois ou três mil anos, o mesmo erro prevaleceu continuamente, levando grandes pensadores, bem como homens simples, ao erro, para longe do que é certo. O mesmo erro aparece nas primeiras páginas de O Capital, de Karl Marx, tornando tudo o que Marx disse sobre estes problemas inútil. Este erro foi repetido até mesmo muito mais tarde nos escritos de Henri Bergson [1859-1941], o eminente filósofo francês.
Não existe equivalência em troca. Pelo contrário, são as diferenças que provocam a troca. Você não pode reduzir os termos de troca e do comércio em equivalência; você só poderá reduzi-los para diferenças de valoração. O comprador valoriza o que ele ganha muito mais do que ele dá; o vendedor valoriza o que ele dá muito menos do que aquilo que ele recebe. Portanto, a equivalência que usamos para determinar a importância dos vários bens de capital têm na nossa vida só pode ser expresso em termos de preços. Usando o cálculo em termos de preços é possível estabelecer um sistema de preços e determinar se um preço aumentou ou diminuiu, ou seja, em termos de dinheiro. Sem um sistema de preços não pode haver qualquer cálculo. No sistema socialista, que não pode ter um sistema de preços como nós o temos no sistema de mercado, não pode existir cálculo e computação.
No sistema de cálculo econômico, temos os conceitos de "capital" e "receitas", termos e conceitos que não podem ser pensados de fora deste sistema. "Capital" é a soma dos preços que podem ser obtidos no mercado para um dado conjunto definido de bens de capital. O empresário emprega o cálculo econômico de uma forma específica; ele não poderá operar sem este sistema de cálculo econômico. No início de sua empresa ele estabelece um valor total de todos os bens de capital à sua disposição e denomina-o "capital", o "capital" de sua empresa ou corporação. Periodicamente, ele compara o valor dos preços de todos os bens de capital disponíveis na empresa com os preços iniciais destes bens de capital. Se houver um aumento, ele chama de "lucro". Se houver um decréscimo, ele chama de "prejuízo". Nenhum outro sistema tornaria possível estabelecer se o que foi feito aumentou ou diminuiu o capital disponível. De outro ponto de vista, o excedente total que ele chama de "lucro" também pode ser chamado de "rendimento", na medida em que torna possível para o proprietário ou indivíduo, consumir esse montante, sem reduzir o montante de capital disponível e sem, conseqüentemente, viver às custas do futuro. Assim os conceitos de "capital" e "renda" só se desenvolveram dentro deste sistema de cálculo econômico.
Se o total da "renda" é consumido, então não há nenhuma mudança na quantia de capital disponível para a empresa. Se uma parte é economizada, ou seja, não consumida mas reinvestida – isto é, se é utilizada para ampliar o estoque de bens de capital disponíveis na empresa – então nós podemos dizer que um capital adicional foi acumulado; a empresa ganhou alguma "renda". Se acontecer o contrário, se a quantia consumida pelo dono excede a renda, então nós temos consumo de capital, ou desacumulação de capital, e haverá menos disponível para a produção de bens de consumo no futuro.
Eu não quero falar sobre quanto conhecimento os antigos Gregos e Romanos tinham destas idéias. Eles tiveram um pouco de conhecimento pelo menos, mas na Idade Média desapareceu completamente. Sob as condições da Idade Média, não havia nenhuma necessidade para tal cálculo. O cálculo se desenvolveu lentamente, passo a passo no fim da Idade Média nos países em que o progresso econômico, naquele momento, era muito melhor que em outros países, na Itália, por exemplo. Como resultado, alguns dos termos fundamentais da contabilidade conservaram sua origem Italiana, por exemplo a própria palavra "capital".
No início os termos da contabilidade não eram muito claros. As pessoas não eram muito boas em aritmética, e nós descobrimos erros grotescos em simples problemas aritméticos mesmo nos livros das grandes empresas do século XV. Gradualmente estas idéias desenvolveram mais e mais até que o sistema de partilhas dobradas de escrituração foi desenvolvido. Todo nosso pensamento agora é influenciado por essas idéias, mesmo as idéias de quem não sabe nada sobre os problemas de contabilidade e que não está em condições de ler e interpretar o balanço de uma corporação. Contabilistas e auditores são apenas os especialistas neste modo fundamental de lidar com todos os problemas materiais e externos. No entanto, esses problemas dizem respeito não apenas a contabilistas e auditores. Goethe, que foi um grande poeta, cientista e um precursor da ciência da evolução, descreveu o sistema de partilhas dobradas dos comerciantes como "uma das mais maravilhosas invenções do espírito humano." Goethe percebeu que essas idéias eram fundamentais para o moderno sistema de produção e ação, e que estes conceitos eram uma espécie de prática matemática e lógica no modo como as pessoas lidam com todos estes problemas.
Em nossa época a opinião pública e a legislação perderam completamente toda a compreensão destes problemas. Isto é devido às modernas legislações de imposto de renda. Antes de qualquer coisa, na legislação de imposto de renda, o legislador denomina os salários de “renda” ou “renda ganha”. Contudo, a principal característica da "renda", no sentido econômico, é que a “renda” é aquele excedente sobre os custos do empresário que podem ser consumidos sem a redução do capital, ou seja, sem viver às custas do futuro. Você não pode consumir a "renda" sem deteriorar suas oportunidades para a produção futura. Os conceitos de "capital" e "renda" só se desenvolveram dentro deste sistema de cálculo econômico.
Estas leis de imposto de renda também lidam com os "lucros" como se eles fossem salários. Os autores que tratam sobre o imposto de renda ficam muito surpresos se uma empresa não tiver um lucro todos os anos. Eles não percebem que há anos bons e anos ruins para um empreendimento. Uma conseqüência foi que, durante a depressão no início dos anos 1930, as pessoas costumavam dizer: "Como é injusto que um homem que possui uma grande fábrica não tenha de pagar nenhum imposto de renda este ano, enquanto um homem que recebe apenas $300 por mês tem que pagar." Não foi injusto do ponto de vista da lei, naquele ano o proprietário da grande fábrica não teve "rendimento".
Os autores que promulgaram essas leis fiscais de renda não tinham a mínima idéia do que "capital" e "rendimento" no sistema econômico realmente significavam. O que eles não perceberam foi que a maior parte dos grandes lucros e dos grandes rendimentos não foram gastos pelos empresários, mas reinvestidos em bens de capital e reaplicados na empresa para aumentar a produção. Esta foi precisamente a forma como o progresso econômico, a melhoria das condições materiais, aconteceu. Felizmente eu não tenho que lidar com as leis fiscais de renda, nem com a mentalidade que conduziu a estas leis. É suficiente dizer que, do ponto de vista do trabalhador individual, seria muito mais razoável taxar só a renda gasta, não a renda poupada e reinvestida.
Em muitos casos, é difícil para um homem ganhar dinheiro no final de sua vida, ou pelo menos ganhar tanto quanto ele ganhava no auge da sua vida. Para tornar isto simples, pense na situação dos cantores cujos anos de grandes ganhos estão definitivamente limitados.
O que eu quero abordar é a idéia de que economizar em geral, ou que poupar em circunstâncias especiais, é supostamente ruim do ponto de vista do bem-estar da comunidade e, portanto, algo deveria ser feito para restringir a poupança ou para direcioná-la para canais especiais. Na verdade, podemos dizer, e ninguém pode negá-lo, que todos os progressos materiais, tudo o que distingue nossas condições das épocas mais antigas, é que mais foi poupado e acumulado como bens de capital. Isto também diferencia os Estados Unidos, digamos, da Índia ou da China. A diferença mais importante é apenas uma diferença no tempo. Não é tarde demais para eles. Nós só começamos a guardar alguns dos excedentes de produção sobre o consumo mais cedo.
O fator institucional mais importante no desenvolvimento das nações foi o estabelecimento de um sistema de governo e legislação que tornassem possíveis a poupança em grande escala. Poupança em grande escala era impossível e ainda hoje é impossível em todos os países em que os governos acreditam que quando um homem tem mais, isto deve ser necessariamente a causa da miséria das outras pessoas. Esta idéia já foi dominante. E esta é hoje a concepção das pessoas em muitos países fora da civilização ocidental. É esta idéia que agora está ameaçando a civilização ocidental através da introdução de diferentes métodos de governo nas constituições que tornaram possível o desenvolvimento da civilização ocidental. Também foi a idéia que prevaleceu na maioria dos países europeus até a ascensão do capitalismo moderno, ou seja, até a época muito inadequadamente chamada de "Revolução Industrial".
Para mostrar o quão forte esta idéia foi, eu cito Immanuel Kant [1724-1804], um dos mais importantes filósofos, mas ele viveu no leste, em Kaliningrado, então chamado Königsberg: "Se um homem tem mais do que o necessário, outro homem tem menos.” Isto é matematicamente uma verdade perfeita, naturalmente, mas matemática e economia são duas coisas diferentes. O fato é que em todos os países em que as pessoas acreditaram nesta máxima e em que os governos acreditavam que a melhor maneira de melhorar as condições era confiscar a riqueza dos empresários bem sucedidos - não era necessário confiscar a riqueza dos que não foram bem sucedidos - em todos esses países, não foi possível poupar e investir.
Se alguém me perguntasse por que os antigos Gregos não tinham ferrovias, eu gostaria de responder: "Porque naqueles dias havia uma tendência para confiscar riqueza. Por que então as pessoas deveriam investir?" O filósofo grego Isócrates [436-438 AC] fez alguns discursos que ainda estão disponíveis para nós. Ele disse que se um cidadão rico fosse julgado em Atenas, ele não tinha chance de ganhar, porque os juízes queriam confiscar sua riqueza, esperando que isso melhorasse a situação deles. Sob tais condições não podia existir qualquer questão de grandes economias.
O desenvolvimento de poupanças em larga escala só ocorreu a partir do século XVIII. E a partir desse momento desenvolveram-se estas instituições que tornaram possíveis a economia e o investimento, não só pelo homem próspero, mas também de pequenas quantias pelo homem pobre. Antigamente o homem pobre podia só economizar acumulando moedas. Mas moedas não têm qualquer interesse, e as vantagens que ele tinha das suas economias não eram muito grandes. Além disso, era perigoso ter essas pequenas reservas em casa; elas poderiam ser facilmente roubadas e eles não ganhariam nada. Desde o início do século XIX tivemos um grande desenvolvimento que tornou a popança possível para as grandes massas.
Um das diferenças características entre um sistema capitalista e um pre-capitalista é que no sistema capitalista mesmo aqueles que não estão muito bem são donos de poupanças e têm investimentos pequenos. Muitas pessoas não reconhecem esta diferença. Ainda hoje, lidando com o problema dos juros, estadistas, ou políticos, bem como a opinião pública, acreditam que os credores são os ricos e os devedores são os pobres. Assim, eles pensam que uma política de dinheiro fácil, uma política de redução das taxas de juro artificialmente pela interferência governamental, é a favor dos pobres e contra os ricos. Na realidade, os depósitos dos pobres e dos menos prósperos em caixas econômicas, têm obrigações, apólices de seguro, e têm direito à pensão. De acordo com a estimativa de um jornal hoje, há 6,5 milhões de donos de obrigações (promessas á pagar) neste país [EUA, 1952]. Não sei se este valor é ou não é exato. Mas, no entanto, estas obrigações são amplamente distribuídas e, portanto, isto significa que a maioria não é devedora, mas credora. Todas estas pessoas são credores. Por outro lado, os proprietários das ações ordinárias de uma empresa que emitiu títulos, ou está em dívida com os bancos, não são credores, mas devedores. Do mesmo modo, o grande empresário de bens imóveis que possua uma grande hipoteca, também é um devedor. Portanto, já não é mais verdadeira a afirmação de que os ricos são credores e os pobres são devedores. As condições sob esse aspecto mudaram consideravelmente.
Um dos grandes slogans de mobilização de Hitler era: "Acabar com a escravidão dos juros. Longa vida ao devedor; pereça o credor.” Mas um jornal alemão reconheceu o erro disto e escreveu um artigo com o título "Você sabia que você é um credor?" Eu não posso dizer que este artigo foi apreciado por Hitler.
Lá se desenvolveu há alguns anos uma hostilidade à poupança e acumulação de capital. Essa oposição à poupança não pode ser atribuída a Marx, porque Marx não compreendeu como capital era acumulado. Karl Marx não previu o desenvolvimento de grandes corporações e da propriedade por muitos pequenos poupadores. Um economista russo que foi influenciado por Marx declarou anos atrás que todo o sistema econômico do capitalismo é auto-contraditório. Ao invés de consumir tudo o que foi produzido, uma grande parte das coisas produzidas são poupadas e acumuladas como capital adicional. Haverá mais e mais para gerações vindouras. Qual é o sentido disso? Para quem eles acumulam tudo isso? É como um avarento que acumula, mas quem vai desfrutar o que a poupança rende? É ridículo; é ruim; algo deveria ser feito sobre isso.
John Maynard Keynes [1883-1946] teve sucesso com seu programa anti-poupança. Segundo ele, há perigo no excesso de poupança. Ele acreditava, e muitas pessoas aceitaram seu ponto de vista, que as oportunidades de investimento eram limitadas. Pode não haver oportunidades suficientes para que os investimentos absorvam toda a renda que é reservada como poupança. Os negócios ficarão ruins porque há muita poupança. Por esta razão foi possível economizar muito.
A mesma doutrina, a partir de outro ponto de vista, prevaleceu durante muito tempo. As pessoas acreditavam que uma nova invenção — um dispositivo que poupava trabalho — produziria o que foi chamado de "desemprego tecnológico". Era esta idéia que levou os primeiros sindicatos a destruir máquinas. Os sindicatos atuais ainda têm a mesma idéia, mas eles não são tão primários para destruir as máquinas. Eles possuem métodos mais refinados.
Até onde nós podemos ver, os desejos humanos são praticamente ilimitados. O que nós precisamos para suprir as necessidades é mais acumulação de bens de capital. A única razão pela qual nós não temos um padrão de vida mais elevado neste país é que nós não temos bens de capital suficientes para produzir todas as coisas que as pessoas gostariam de ter. Não quero dizer que as pessoas sempre fazem o melhor uso das melhorias econômicas. Mas seja lá o que você necessite, isto exige mais investimento e mais força de trabalho para satisfazê-lo. Nós poderíamos melhorar as condições, nós poderíamos pensar em mais modos para empregar capital, até mesmo nas partes mais ricas dos Estados Unidos, até mesmo na Califórnia. Sempre haverá bastante espaço para investimento, contanto que haja escassez dos fatores materiais de produção. Não podemos imaginar um estado de coisas sem essa escassez. Não podemos imaginar uma vida no "País da Cocanha" [paraíso da preguiça e fartura], onde as pessoas só têm de abrir a boca e deixar entrar alimentos e tudo o mais que as pessoas queiram está disponível.
Escassez dos fatores de produção significa escassez de bens de capital. Portanto, toda a idéia de que temos de parar com a poupança e iniciar os gastos é fantástica. Em 1931 ou 1932, Lord Keynes e vários amigos publicaram uma declaração na qual eles afirmavam que só havia um único meio para evitar a catástrofe e melhorar as condições econômicas imediatamente — era gastar, gastar mais, e ainda mais.
Economicamente, temos de perceber que as despesas neste sentido não criam os postos de trabalho que o investimento não teria criado da mesma maneira. Não importa se você usa seu dinheiro para comprar uma máquina nova ou se você gasta numa boate. Segundo a teoria de Keynes, o homem que gasta o dinheiro numa vida melhor, cria postos de trabalho, enquanto o homem que compra uma máquina e melhora a produção está retendo algo do público.
Não é verdade que quando Keynes escreveu seu livro as condições na Grã-Bretanha justificavam a sua teoria das despesas públicas para criação do pleno emprego. Após a I Guerra Mundial as indústrias na Grã-Bretanha não possuiam os meios necessários para melhorar o equipamento material nas suas fábricas e isso criou a situação desfavorável. Por isso, as máquinas britânicas eram ineficientes quando comparadas com as máquinas de alguns outros países, especialmente nos Estados Unidos. Como resultado, a produtividade marginal de trabalho era mais baixa na Inglaterra. Mas como os sindicatos não tolerariam qualquer redução significativa dos salários para tornar a indústria britânica mais competitiva, o resultado foi o desemprego. O que a Grã-Bretanha necessitava era de mais investimento para melhorar a produtividade dos fatores de produção, assim como eles precisam fazer o mesmo hoje.
Lord Keynes era muito peculiar sobre essa idéia. Um amigo americano publicou um artigo que falava da sua amizade pessoal com Lord Keynes. Ele conta uma história sobre a visita de Keynes a um hotel de Washington. Ao lavar as mãos, o amigo foi muito cuidadoso para não sujar mais do que uma toalha. Keynes então amarrotou todas as toalhas e disse que dessa forma ele estava criando mais empregos para as camareiras americanas. Deste ponto de vista, o melhor modo para aumentar o emprego seria destruir o máximo possível. Eu acredito que aquela idéia havia sido demolida de uma vez por todas por Frédéric Bastiat [1801-1850] em sua história da janela quebrada (2). Mas, evidentemente, Keynes não entendeu este conto de Bastiat. (3)
A falácia de que as máquinas que poupam mão-de-obra criam desemprego tecnológico não só foi refutada pelo exame teórico, mas também pelo fato de que toda a história da humanidade consiste precisamente na introdução de mais e mais máquinas que poupam mão-de-obra. Hoje nós produzimos uma maior quantia de várias amenidades com uma quantia menor de trabalho humano. No entanto, existem mais pessoas e mais emprego. Portanto, não é verdade que as pessoas estão privadas dos seus empregos porque algumas máquinas novas são inventadas.
Não passa de uma fábula, e também é uma fábula muito ruim, que a acumulação de capital prejudica os trabalhadores. Quanto mais bens de capital disponíveis, maior a produtividade marginal do trabalho, sendo constantes as outras coisas. Se um empregador considera a contratação ou a demissão de um trabalhador, ele se pergunta o que o emprego deste homem acrescenta ao valor dos seus produtos. Se o emprego de um trabalhador acrescenta algo mais às quantidades produzidas, o problema do empregador é, o emprego dele vale mais do que é recebido pela venda de sua produção? O mesmo problema surge quando o emprego de um montante adicional de bens de capital é considerado. Quanto maior a quantidade de capital disponível por trabalhador, maior a produtividade marginal do trabalhador e, conseqüentemente, maior o salário que o empregador pode pagar. Quanto mais capital acumulado — sendo constantes as outras coisas — mais trabalhadores podem ser empregados às mesmas taxas, ou a taxas salariais mais elevadas.
Dois empresários - J. Howard Pew [1882-1971], da Sunoco, e Irving Olds [1887-1963], da U. S. Steel - tentaram, sem muito sucesso, explicar a outros homens de negócios o efeito da inflação sobre a sua acumulação de capital, inventários, depreciação, e assim por diante. A inflação eleva os preços de venda dos homens de negócios, criando a ilusão de que eles estão lucrando. O governo, em seguida, cobra os impostos e utiliza para despesas correntes estes "lucros" aparentes, que de outra forma teriam sido utilizados para investimento ou reservado para depreciação e reposição.
Se uma pessoa assina um contrato com uma companhia de seguros privados, a companhia de seguros investe esse dinheiro. Depois, naturalmente, quando o seguro tiver que ser pago, o investimento precisa ser desfeito. As pessoas precisam decidir onde devem retirar o investimento, mas as companhias de seguros se expandem de ano a ano, e como existe acumulação de capital ocorrendo em todo o país, as companhias de seguros como um todo não precisam retirar o investimento.
É diferente com o sistema de segurança social. O governo fala sobre estatísticas atuariais, mas isto não tem o mesmo significado para uma companhia de seguros. O que o indivíduo paga, o governo gasta para despesas correntes. O governo, então dá para o "Fundo de Segurança Social" um IOU [documento que reconhece dívida] que ele chama de "título/apólice". Assim, o governo "investe" em títulos do governo. Quando o governo recolhe imposto para a "Segurança Social", ele está dizendo, "me dê o seu dinheiro para gastar e, em contrapartida, prometo que em 30 ou 40 anos, os contribuintes estarão dispostos a pagar as dívidas que estamos fazendo hoje." Portanto o sistema de segurança social é algo muito diferente do seguro privado. Não significa que algo foi poupado. Pelo contrário, a poupança dos indivíduos é coletada pelo governo para a "segurança social", mas são utilizados para despesas correntes. Estou plenamente convencido de que o governo vai pagar, mas a pergunta é, em que tipo de dólares? A coisa toda depende da disposição dos futuros Congressos e do futuro público para pagar em dinheiro real. Se as pessoas não gostarem do papel-moeda, eles não irão usá-lo. Por exemplo, a Califórnia teve problemas com o dinheiro em circulação durante a Guerra Civil, a era das greenbacks. (4)
A idéia de Bismarck sobre a segurança social era que todos recebessem algo do governo. Ele comparou a situação com a dos franceses, muitos dos quais possuíam títulos do governo e recebiam juros. Ele pensava que era por isso que os franceses eram tão patriotas; eles estavam recebendo algo do governo. Bismarck queria que os alemães dependessem do governo também. Então ele começou um bônus adicional do governo no valor de 50 marcos para todos os pensionistas de idade avançada. Isto foi denominado Reichszuschuss [subsídio adicional governamental].
Os problemas de capital são problemas de cálculo econômico. Você não pode aumentar os "bens de capital" pela inflação, embora você possa aumentar o "capital" aparentemente. O resultado é uma discrepância entre os bens de capital e o capital, como é mostrado pelo cálculo econômico.
Notas:
1 [Uma escola de pensamento que realça a importância dos direitos sociais, históricos e fatores institucionais no seio da esfera econômica e não a ação humana individual]
2 [Ver “What Is Seen and What Is Not Seen” (O que se vê e o que não se vê), um excerto do primeiro capítulo de Selected Essays on Political Economy (Ensaios) de Bastiat, traduzido por Seymour Cain e editado por George B. de Huszar (Irvington-on-Hudson, N.Y.: Foundation for Economic Education, 1995 [1964]), reimpresso em The Freeman: Ideas on Liberty, June 2001.—Ed.]
3 ["O que se vê e o que não se vê", que contém a explicação da famosa "falácia da janela quebrada", "O Estado" e "A petição" são alguns dos textos que desmontam as mentiras embutidas nos discursos políticos mais oportunistas dos inimigos do mercado livre. Disponível em:http://www.ordemlivre.org/files/bastiat-ensaios.pdf — N. do T]
4 [No original, "greenbacks". Esta moeda de papel foi emitida pela primeira vez durante a Guerra de Secessão dos Estados Unidos (1861-1865). Receberam esse nome porque uma das faces era de cor verde. Esta expressão refere-se à moeda americana de papel usada principalmente no século XIX, e não a atual, também impressa em verde.—N. do T]