A teoria requer temperatura ambiental muito baixa, inferior a –78°C, que ocorre na estratosfera da Antártica algumas poucas semanas do ano, notadamente no final de setembro e início de outubro. Exige, também, cristais de gelo, que seriam provenientes da formação de nuvens estratosféricas polares, compostas essencialmente de ácido nítrico, ao invés de água como nas nuvens comuns. E, finalmente, exige luz solar, que só está presente após o nascer do Sol na Antártica, tipicamente após dia 20 de setembro. Ocorrendo simultaneamente, essas condições dariam início a uma série de reações que quebrariam as moléculas de CFC, liberando átomos de cloro que, por sua vez, destruiriam as moléculas de ozônio. Sua formulação química é a seguinte:
(1) ClONO2 + HCl → Cl2 + HNO3, em presença de gelo de nuvens estratosféricas ácidas
(2) Cl2 + hν →2Cl , em presença de luz (hν = radiação ultravioleta)
(3) Cl + O3 → ClO + O2
(4) ClO + ClO + M → Cl2O2+ M , em presença de um “terceiro” corpo (M)
(5) Cl2O2 + hν → Cl + ClOO
(6) ClOO+ M → Cl + O2 + M
resultando na conversão de 2 moléculas de ozônio (O3) em 3 moléculas de oxigênio molecular (O2) e, assim, diminuindo a concentração de O3 na estratosfera. Analisando a seqüência de reações acima, percebe-se que o cloro (Cl) não é proveniente de moléculas de CFC, mas sim de outros dois componentes, ClONO2 e HCl . Gelo é necessário para começar a reação (Equação 1) e só é encontrado com temperaturas inferiores a –78°C e em altitudes entre 12 km e 20 km. Em adição, a formação de Cl2O2 requer a presença de uma terceira substância (corpo M) e de radiação ultravioleta (UV), sem os quais o cloro não ficaria livre.
A Equação 5 parece ser crucial para o processo de destruição catalítica de O3. Essa equação mostra que a UV quebraria a molécula de peróxido de cloro (Cl2O2 ou ClOOCl), liberando o átomo de cloro e, em seguida (Equação 6), a colisão do ClOO com um terceiro corpo (M) liberaria mais um átomo de cloro e formaria oxigênio molecular sem destruir M. A questão que se coloca é se esse processo químico teórico ocorreria nas condições naturais da estratosfera polar, já que é difícil de ser verificado em laboratório, devido à dificuldade em se retirarem as contribuições de impurezas sem assinatura espectral, como Cl2, Cl2O, Cl2O3 e O3 que, normalmente, estão presentes quando ClOOCl é gerado. De acordo com Eberstein (1990), a Equação 5 dificilmente ocorreria, pois o caminho mais fácil (de menor energia) da fotodissociação do peróxido de cloro seria formação de dois radicais ClO. Uma segunda possibilidade seria a formação de Cl2O e O, isto é,
(1) Cl2O2+ H → ClO + ClO ou
(2) Cl2O2+ hν → Cl2O + O
Lawrence e colegas (1990) também tentaram reproduzir o processo químico em laboratório sem sucesso e concluíram que, se a fotodissociação realmente existir, sua taxa de produção quântica seria muito pequena, inferior a 5x10-4 s-1, e irrelevante para a destruição do ozônio estratosférico. Recentemente, Pope e colegas (2007) concluíram que, para as condições representativas do vórtice circumpolar (altitude 20km, ângulo zenital solar 86°, e perfis de O3e temperatura medidos em março de 2000), as taxas de fotodissociação do peróxido de cloro foram inferiores, de um fator 6, às publicadas pelo Jet Propulsion Lab (JPL/NASA). Em sua Tabela 4, vê-se que a taxa de fotodissociação é 1,48 x10-4 s-1comparada a 9,17x10-4 s-1do JPL/NASA, para comprimentos de onda em torno de 300 nm. Essa grande discrepância, afirmaram, permite questionar os modelos atuais de destruição do ozônio estratosférico. Os resultados, obtidos por Pope e colaboradores (2007), confirmaram a conclusão de Lawrence e colegas obtida em 1990. Convém notar que os artigos de Eberstein e Lawrence e colaboradores foram publicados dois anos antes da realização da UNCED (ECO 92), no Rio de Janeiro, Brasil, e 5 anos antes de Mário J. Molina e F. Sherwood Rowland terem recebido o Premio Nobel de Química pelo hipotético e não-comprovado mecanismo de destruição do ozônio estratosférico.
Aparentemente, esse mecanismo de fotodissociação parece não explicar a maior parte das perdas de ozônio e, particularmente, a formação do buraco de ozônio na Antártica. Normalmente, a NOAA tem relatado que o buraco começa a se formar antes do nascer do Sol na Antártica, ou seja, na ausência completa de radiação UV, sem a qual a fotodissociação do peróxido de cloro e, portanto, a liberação do cloro no processo de Molina e Molina (1987), não ocorreria. Em 2002, o buraco se fechou no dia 26 de setembro, isto é, logo após o nascer do sol, ou seja, com pouca exposição da estratosfera antártica à UV. Uma possível explicação da formação do buraco seria a dinâmica singular da atmosfera antártica. O ozônio é formado principalmente na região tropical, onde o fluxo de UV é intenso durante o ano, e transportado para latitudes polares pelos ventos estratosféricos. Durante o inverno, forma-se o vórtice circumpolar – um “anel” de ventos fortes em torno do continente - que isola a Antártica e não permite a entrada do ozônio na região e, é claro, impediria, também, a entrada dos CFCs, se estivessem presentes àquela altitude. Por sua vez, a fonte principal de cloro e de flúor parece ser, dentre outros vulcões ativos na Antártica, o Monte Erebus, cujas 3 crateras estão a 4 km de altura e emitem, de acordo com Kyle e colaboradores (1990), cerca de 1.200 toneladas por dia de gás clorídrico (HCl) e cerca de 500 toneladas por dia de gás fluorídrico (HF) na atmosfera antártica isolada pelo vórtice circumpolar. Ou seja, o vórtice, ao isolar o continente, não permitiria a entrada do O3nem a saída dos halogênios, que são provenientes de fontes naturais e não dos CFC produzidos pelo homem. Será que os halogênios, com concentração aumentada, poderiam destruir o O3diretamente, sem a presença de UV?
Lu e colaboradores (2008) parecem ter encontrado um mecanismo mais simples para explicar a formação do buraco, entretanto, sem descartar os CFCs como fonte do cloro. Os halogênios teriam suas moléculas dissociadas por raios cósmicos galácticos (RCG), que são partículas eletricamente carregadas, com intensidade máxima de seu fluxo nos pólos devido ao efeito do campo magnético terrestre, e taxa de ionização máxima em altitudes em que o buraco se localiza. Ora, neste ano (2008), o Sol está no mínimo de sua atividade dos últimos 50 anos, conforme dados obtidos pela sonda espacial Ulysses. O vento solar - um gás carregado de prótons (plasma) que emana do Sol em todas as direções (heliosfera) – está mais frio e sua pressão 20% mais baixa e o campo magnético solar, próximo à sonda, 36% mais fraco (NASA, 2008). O campo magnético solar funciona como um escudo protetor tal que, quando enfraquece, fluxo de RCG , que entra no planeta, se intensifica. Some-se a isso o fato de o fluxo de UV ser menor quando o Sol está em um mínimo de atividade. Uma das conseqüências seria a destruição do O3e a formação do buraco. E Dr. Lu previu, obviamente, que as maiores perdas de ozônio, e, conseqüentemente, os maiores buracos, devam se formar em setembro de 2008 e, posteriormente, em 2019, baseando-se no ciclo de manchas solares, cujo período é 11 anos aproximadamente. Mas, aparentemente, Dr. Lu errou, pois o buraco de 2008 foi menor que o de 2006. Entretanto, o Sol apresenta um outro ciclo de cerca de 90 anos, o Ciclo de Gleissberg, que atingiu um máximo em 1957/58, o Ano Geofísico Internacional, e estará em seu mínimo até 2.030. A partir de 1957/58, a concentração de ozônio começou a diminuir, está atingindo um mínimo agora, mas deverá atingir outro máximo quando ocorrer o novo máximo do Ciclo de Gleissberg, em 2.050/60 aproximadamente.
Portanto, a variabilidade da concentração de O3 e a formação do buraco é natural e não causada pelos CFCs. O único “crime” destes é serem de domínio público, dispensando o pagamento de direitos de propriedade (“royalties”).
Referências Bibliográficas
Eberstein, I. J. (1990). Photodissociation of Cl2O2 in the spring Antarctic lower stratosphere. Geophys. Res. Letters 17 (6):721-724.
Kyle, P.R., K. Meeker and D. Finnegan, 1990. Emission rates of sulfur dioxide, trace gases and metals from Mt. Erebus, Antartica. Geophys. Res. Letters 17 (12):2.125-2.128.
Lawrence, W.G., K.C. Clemitshaw and V.A. Apkarian, 1990. On the relevance of OClO photodissociation to the destruction of stratospheric ozone. J. Geophys. Research 95 (D11):18.591-18.595.
Molina, L.T. and M.J. Molina, 1987. Production of Cl2O2 from self-reaction of the ClO radical. Jour. Phys. Chem. 91: 433-436.
NASA, 2008. Ulysses Reveals Global Solar Wind Plasma Output at 50-Year Low, disponível em http://www.jpl.nasa.gov/news/news.cfm?release=2008-178, acesso em 24 de setembro de 2008.
Pope, F. D., J.C. Hansen, K.D. Bayes, R. R. Friedl, and S. P. Sander, 2007. Ultraviolet absorption spectrum of chlorine peroxide, ClOOCl. J. Phys.Chem. 111 (20): 4.322-4.332.
Qing-Bin Lu, Physical Review Letters, 2008 (submitted). Disponível em www.theozonehole.com/waterloo.htm
O Professor Luiz Carlos Baldicero Molion é doutor em Meteorologia e em Proteção Ambiental pela Universidade de Wisconsin, Madison, EUA, e pós-doutor pelo Instituto de Hidrologia, Wallingford, Inglaterra, em 1982, na área de Hidrologia de Florestas. Foi Diretor de Ciências Espaciais e Atmosféricas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE/MCT) e cientista-chefe nacional de dois experimentos com a NASA sobre a Amazônia.
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