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segunda-feira, 3 de maio de 2010

"O mundo às avessas"

DIÁRIO DO COMÉRCIO


Mas a ira da mídia não se voltou só contra as iniciativas guerreiras do governo Bush: ela ataca tudo o que seja favorável ao crescimento do poder americano ou ao fortalecimento da identidade dos EUA.

Olavo de Carvalho
 - 2/5/2010 - 17h35

Fortemente recomendado à minha leitura por um dos homens mais inteligentes que conheço, e aliás também mencionado em 
How The World Really Works, de Alan B. Jones,  como um dos dez livros fundamentais para a compreensão da nova ordem global, A Century of War: Anglo American Oil Politics and the New World Order, de William Engdahl (Pluto Press, 2004), foi uma decepção desde as primeiras páginas.

Sua tese fundamental é que praticamente tudo o que acontece de mau no mundo é obra da elite financeira americana – os Rockefeller e tutti quanti –, empenhada em expandir ilimitadamente o poderio dos EUA por meio do controle geopolítico de uma fonte essencial de energia: o petróleo.  Um lance decisivo dessa guerra de conquista universal, diz o autor, foi a invasão do Iraque, "parte da agenda americana pós-guerra fria, em busca da 'dominação de pleno espectro’."

Um ano após a invasão de Bagdá, afirma Engdahl, "tornou-se claro que a guerra pouco tinha a ver com a ameaça das armas de destruição em massa... ou com o proclamado esforço de levar a democracia ao até então despótico Iraque”.

"Tornou-se claro" para quem? Para quem tem o New York Times e a CNN como suas principais ou únicas fontes de informação, talvez. Para quem lê livros e sabe o que são documentos de fonte primária, não.

(1) A lista oficial das armas de destruição em massa encontradas no Iraque – suficientes, por si, para destruir muitas cidades americanas –, pode ser lida, junto com provas convincentes da existência das armas não encontradas, nas páginas 97-106 do livro Disinformation: 22 Media Myths that Undermine the War on Terror, de Richard Miniter (Regnery, 2005). Praticamente – diz Miniter – nenhum dos críticos da guerra  envolvidos nos esforços para encontrar essas armas disse jamais não haver provas de que o Iraque as possuía. Foi  a mídia popular que, para fins de propaganda antiguerra, colocou essa afirmação em bocas onde ela nunca esteve. A diferença entre dizer que nem todas as armas foram encontradas e que nenhuma foi encontrada é pelo menos tão decisiva quanto a diferença entre dizer "alguém opinou" e "tornou-se claro".  Não é admissível que um estudioso profissional de assuntos militares ignore  essas diferenças,

(2) Mesmo os críticos mais ferozes do governo Bush admitem que a democracia prometida ao Iraque foi instalada e está funcionando há cinco anos. Se alguém diz que vai fazer alguma coisa e acaba por fazê-la de fato, só a má vontade psicótica pode insistir em proclamar que ele jamais teve a intenção de fazê-la. Pensem o que quiserem de Bush, mas que ele levou a democracia ao Iraque, levou.

Só por esses parágrafos, já se vê que Engdahl não é sério. Mas ele complica muito sua situação quando atribui à elite dominante dos EUA a autoria de catástrofes inumeráveis, como "a ocupação dos campos petrolíferos do Iraque, a guerra em Kosovo e nos Bálcãs, infindáveis guerras civis na África, crises financeiras ao longo da Ásia, o dramático colapso da União Soviética e a subsequente emergência de uma oligarquia russa".

Linhas adiante, com a maior inocência, reconhece que "um ano após a ocupação americana de Bagdá, os objetivos da única superpotência mundial estavam sendo questionados como nunca  desde a guerra do Vietnã. Cenas degradantes de iraquianos torturados lotavam as páginas da mídia mundial. Alegações de corrupção e conspiração, subindo até os mais altos níveis da administração em Washington, tornavam-se lugares-comuns".
Do confronto dessas duas séries de afirmações temos de concluir que uma oligarquia poderosa o bastante para determinar o curso dos acontecimentos em todo o orbe terrestre não teve, coitadinha, os meios de obter para as suas políticas o apoio dos jornais e canais de TV dos quais ela própria tem o controle acionário. Ou acreditamos nessa hipótese imbecil, ou admitimos que Engdahl não é muito honesto na  tentativa de impingir ao leitor a crença de que a oligarquia globalista trabalha para a expansão do poderio internacional dos EUA e não de um governo global visceralmente anti-americano.

Oligarquia financeira e oligarquia midiática são a mesma coisa: se os jornais em peso se voltam contra a política militar do governo, é claro que ela perdeu, ou jamais teve, o apoio daquela oligarquia. Mas a ira da grande mídia não se voltou só contra as iniciativas guerreiras do governo Bush: invariavelmente, ela ataca tudo o que seja ou pareça favorável ao crescimento do poder americano ou ao fortalecimento da identidade nacional dos EUA (veja-se o  horror ilimitado com que reagiu à nova lei do Arizona contra a imigração ilegal).

Que Engdahl inverte as intenções da oligarquia é algo que nem preciso argumentar –  David Rockefeller já o fez por mim na página 405 das suas Memórias: "Alguns acreditam que somos parte de uma cabala secreta que trabalha contra os melhores interesses americanos, caracterizando a mim e à minha família como 'internacionalistas'  e acusando-nos de conspirar para construir uma política global mais integrada... Se essa é a acusação, declaro-me culpado – e orgulhoso de sê-lo."

A dúvida, se alguma existe, fica  esclarecida quando Engdahl diz a que veio: o que ele propõe é deter ou , pelo menos, desacelerar o crescimento de "um poder que já não é sustentável nem saudável para os EUA nem para o resto do mundo". É o mesmo programa da Rússia, da China e dos potentados árabes, bem como... dos Rockefellers e similares. Foi para realizá-lo, como aliás está sendo realizado, que a oligarquia americana apoiou e continua apoiando Barack Obama quando ele propõe o desarmamento unilateral dos EUA, a dissolução da identidade americana numa pasta "multicultural" ou a completa inação ante a corrida armamentista iraniana, a espionagem chinesa onipresente e a ocupação da América Latina pelas forças do comunochavismo.

Se isso é "expansão do poderio dos EUA", também deve sê-lo a sistemática demolição do parque industrial americano, em que aquela elite se empenha há décadas com uma volúpia destruidora, de fazer inveja ao vírus da Aids.

Não espanta que, com a perspectiva que tem ou finge ter das coisas, Engdahl faça tanto sucesso na televisão russa, onde volta e meia reaparece com ares de expert em geopolítica mundial. Para mim, ele é uma espécie de Emir Sader americano: o homem que descreve "o mundo às avessas".

Olavo de Carvalho é ensaísta, jornalista e professor de Filosofia

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A teoria marxista da “ideologia de classe” não tem pé nem cabeça. Ou a ideologia do sujeito traduz necessariamente os interesses da classe a que ele pertence, ou ele está livre para tornar-se advogado de alguma outra classe. Na primeira hipótese, jamais surgiria um comunista entre os burgueses e Karl Marx jamais teria sido Karl Marx. Na segunda, não há vínculo entre a ideologia e a condição social do indivíduo e não há portanto ideologia de classe: há apenas a ideologia pessoal que cada um atribui à classe com que simpatiza, construindo depois, por mera inversão dessa fantasia, a suposta ideologia da classe adversária. Uma teoria que pode ser demolida em sete linhas não vale cinco, mas com base nela já se matou tanta gente, já se destruiu tanto patrimônio da humanidade e sobretudo já se gastou tanto dinheiro em subsídios universitários, que é preciso continuar a fingir que se acredita nela, para não admitir o vexame. Olavo de Carvalho, íntegra aqui.
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" Platão já observava que a degradação moral da sociedade não chega ao seu ponto mais abjeto quando as virtudes desapareceram do cenário público, mas quando a própria capacidade de concebê-las se extinguiu nas almas da geração mais nova. " Citação de Olavo de Carvalho em "Virtudes nacionais".