JUVENTUDE CONSERVADORA DA UNB
terça-feira, 3 de julho de 2012
O Partido dos Trabalhadores governa oficialmente o Brasil desde 2003, quando Lula foi eleito presidente. Em dez anos, nunca antes da história deste país viu-se tanto desmando, tanto desbunde, tanto desbrio, tanto descalabro, tantos desvios de verbas e de caráter. O PT teve a proeza de destronar da vida pública de modo praticamente definitivo todas aquelas características que eram vistas, desde os idos da Grécia clássica, como essenciais para o exercício da política: verdade, hombridade, maturidade, honra e honestidade. Se antes aqueles que se desviavam dessa linha-mestra eram vistos como incidências abjetas na vida política brasileira, hoje o próprio desvio é que se transformou em linha-mestra.
Por mais que se repise essa constatação, há grande resistência por parte de uma multidão (para não dizer manada) de gente bem-intencionada, excessivamente ingênua e facilmente enganável, em admitir que, na última década, o nosso país piorou sob todos os aspectos – político, econômico, social, jurídico e cultural. O PT ainda é diuturnamente tratado como a grande vítima das próprias impropriedades que cometeu, como se os planos meticulosamente traçados para se obter e manter o poder no Brasil fossem ora apenas deslizes cometidos por uma minoria aloprada, ora métodos tortos cujo objetivo era apenas garantir o bem do povo ao se buscar a perpetuação do partido no governo.
Há um sem-número de documentos emitidos pelo próprio PT que indica de maneira incontestável o projeto de poder do partido. O radicalismo socialista troglodítico foi substituído por um radicalismo socialista sofisticado, cheio de finesse e com ares de alta intelectualidade, mas o objetivo continua sendo um e o mesmo: enredar a nação em seus tentáculos pegajosos indefinidamente. Esse afã pelo poder não é um “privilégio” apenas do Partido dos Trabalhadores aqui no Brasil: diversos outros partidos, organizações, institutos e que tais, aqui e lá fora, possuem o mesmo objetivo, e, ao contrário do que a insistência extraordinariamente estúpida de um exército de analistas e experts garante, esse objetivo é perseguido de modo muito bem articulado a nível internacional. A própria existência de uma organização como o Foro de São Paulo é, de per si, prova cabal desse fato.
Aliás, o próprio documento preparado pelo PT para o XVIII Encontro do Foro de São Paulo, que ocorre em Caracas ao longo dessa semana, é mais uma peça que explicita, naquela típica linguagem melifluamente “progressista e de esquerda”, os objetivos do PT. Todas as citações que aqui farei são traduções livres de trechos do documento do partido, que foi divulgado em língua hispânica.
O primeiro grande destaque do documento é a defesa da necessidade de se instrumentalizar organizações variadas da sociedade civil para que o PT continue no comando da nação. Nesse sentido, o documento afirma que “o PT terá de dedicar-se com mais empenho a organizar as camadas populares, em particular os trabalhadores assalariados, em sindicatos, movimentos populares urbanos e rurais, associações femininas, movimentos de juventude, instituições desportivas e culturais, e em um sem-número de formas criadas por iniciativa das classes e camadas populares.” Quem aponta isso é o próprio presidente nacional do partido, Rui Falcão, que complementa:
Somente com a participação ativa dessas camadas populares, o PT e o governo poderão vencer as resistências que os setores conservadores, na sociedade, no Congresso e inclusive em setores do aparato do Estado, interpõem às reformas indispensáveis ao plano de desenvolvimento econômico e social que façam do Brasil um país verdadeiramente soberano, independente, e com um povo material e culturalmente avançado.
Rui Falcão, presidente nacional do PT.
Notem que “PT” e “governo” são utilizados como se fossem a mesma coisa, partes indissociáveis do mesmo organismo. Esse tom é mantido ao longo de todo o documento: o Partido dos Trabalhadores é visto indisfarçavelmente como o único membro legítimo do governo – ou seja, o PT é o governo. Essa visão é acompanhada sempre e em toda parte pela defesa da superioriedade moral do partido, uma vez que ele é o único que pode tornar o Brasil “culturalmente avançado”.
O PT – que, à guisa de personagem orwelliana, será doravante denominado apenas por Partido, com maiúscula – não objetiva, entretanto, o governo, e quem lembra isso muito bem é Iole Ilíada, secretária de relações internacionais do Partido. A conquista do governo não garante a conquista do poder – algo que, segundo Gramsci, dependia da correlação de forças (rapporti di forze) entre burguesia e proletariado. O objetivo do Partido no governo seria, portanto, atuar na alteração da correlação de forças, ou seja, “deslocar a burguesia como classe hegemônica e dominante” e “transferir poder (em suas várias formas: político, econômico, cultural etc.) às classes trabalhadoras”. O Partido, como já se desconfiava, não está no governo para melhorar a vida da população e trabalhar efetivamente para o desenvolvimento nacional: “vale a pena ser governo quando a esquerda é capaz de usar sua presença como um fator de deslocamento da correlação de forças a favor dos trabalhadores”. E Iole é enfática: “Não se trata aqui de pensar em uma alteração da correlação de forças que gradualmente nos conduza do capitalismo ao socialismo, mas em um processo de acumulação de forças que, em algum momento, pode tornar possível a ruptura desejada.”
Há um nome que define muito bem a “ruptura desejada” que o Partido tanto almeja: revolução. Não falamos aqui daquela revolução tradicional, com sublevação armada e derramamento de sangue, ao modo das revoluções francesa e russa, mas de revolução cultural, estrutural, gramsciana. Continua Iole:
O reconhecimento dessa falta de transferência efetiva de poder aos trabalhadores é importante porque a presença da esquerda no governo pela via eleitoral, por mais que a queiramos duradoura, pode ser transitória. Isso faz com que seja necessário que as mudanças se convertam em transformações estruturais, de difícil reversão por parte de governos de direita que nos possam suceder. Mais ainda, tal reconhecimento é importante para ampliar a consciência e a capacidade de organização, intervenção social e luta dos trabalhadores, de modo que a acumulação de forças possa apontar para a necessidade de conquistar não apenas o governo, mas também o poder.
Extrapolando o contexto nacional, o Partido reafirma em quase todos os parágrafos do documento ao XVIII Encontro do Foro de São Paulo seu compromisso com a integração regional – não de países, não de nações, mas de organizações “progressistas e de esquerda”, de modo a formarem uma plataforma comum com engrenagens bem azeitadas que girem na sincronia necessária para tingir de rubro todo o subcontinente. Renato Simões, secretário de movimentos sociais do Partido, explica como isso é visto (e quisto) pelo Partido:
Em sua grande maioria, os partidos progressistas e de esquerda da América Latina se organizam no Foro de São Paulo, cuja influência política vem crescendo, ano após ano, para suas responsabilidades partidárias, seja como membros de governos eleitos, seja como as principais forças de oposição a governos neoliberais. [...]
Em vários países, os movimentos sociais buscam avançar em sua organização, superando fragmentações e pulverizações marcadamente impostas pela hegemonia neoliberal. Eles buscam eixos políticos mais nítidos e unificados para incidir na correlação de forças na sociedade e frente aos governos nacionais. No Brasil, há um importante esforço no sentido de consolidar a CMS – Coordenação dos Movimentos Sociais, que hoje integra os movimentos sociais mais representativos do país. [...]
A recente instalação de uma Comissão de Movimentos Sociais junto ao Grupo de Trabalho do Foro de São Paulo mostra que estamos atentos aos desafios de consolidar estruturas próprias para o diálogo partidário com os governos e movimentos sociais. Como disse a companheira Dilma Rousseff em seu discurso ao Diretório Nacional do PT, antes de assumir a presidência da República, em um terceiro período de governo é essencial aceitar as relações entre o Partido, o Governo e os Movimentos Sociais, trincheiras de uma mesma luta, espaços estratégicos para um mesmo projeto, essencial para a transformação de nossa sociedade.
Uma vez mais, tocamos aqui na simbiose orgânica necessária para a conquista do poder no Partido e sua manutenção: comandar o governo e cooptar os movimentos sociais. O que se busca é a pura instrumentalização ideológica de todos os meios disponíveis para que o Partido tenha controle total e irrestrito sobre a nação. Essa conclusão não é fruto de um delírio que brota de uma mente conservadora (e, portanto, patologicamente perturbada), mas apenas de simples interpretação de texto: é isso o que está escrito, e de modo claro e cristalino.
Gramsci: o segredo do sucesso do Partido.
No entanto, a conquista da hegemonia, dentro da visão gramsciana que permeia o Partido integralmente, só se pode dar de modo seguro e duradouro através da atuação de intelectuais orgânicos – “intelectuais que, além de especialistas na sua profissão, que os vincula profundamente ao modo de produção do seu tempo, elaboram uma concepção ético-política que os habilita a exercer funções culturais, educativas e organizativas para assegurar a hegemonia social e o domínio estatal da classe que representam (Gramsci, 1975, p. 1.518). Conscientes de seus vínculos de classe, manifestam sua atividade intelectual de diversas formas: no trabalho, como técnicos e especialistas dos conhecimentos mais avançados; no interior da sociedade civil, para construir o consenso em torno do projeto da classe que defendem; na sociedade política, para garantir as funções jurídico-administrativas e a manutenção do poder do seu grupo social” (SEMERARO, 2006).
Como garantir, então, que haja tais intelectuais orgânicos que, ao longo das décadas, atuem para a conquista e a manutenção do poder por parte do Foro de São Paulo? Carlos Henrique Árabe, secretário de formação do Partido, relembra que, durante o XV Encontro do Foro de São Paulo, no México, ocorreu a primeira reunião de escolas e fundações do FSP, que apontou para a necessidade de “abordagem, vinculação, intercâmbio e cooperação entre as fundações, universidades, escolas de formação e outras entidades educacionais e de treinamento dos partidos integrantes do Foro de São Paulo, nas áreas de investigação, formação e divulgação.” O objetivo central eleito pelas organizações que participaram dessa reunião foi a criação da Escola Latinoamericana de Formação Política, uma universidade internacional do Foro de São Paulo para a formação de quadros partidários, lideranças de ONGS e movimentos sociais e, de modo particularmente especial, intelectuais orgânicos.
O Foro de São Paulo tem avançado em praticamente todos os campos em que se dispôs a atuar e, com exceção de algumas incansáveis iniciativas ainda isoladas (e constantemente ignoradas pelos veículos de informação e o público geral), sua própria existência tem passado despercebida. O assessor especial da Presidência da República para assuntos internacionais, Marco Aurélio Garcia, um dos artífices do documento do Partido para o encontro do FSP, faz questão de lembrar: “As mudanças profundas que vêm experimentando nossos países há anos, sobretudo onde as esquerdas estão no governo, são resultado de dinâmicas internas, evidentemente. No entanto, elas também são consequências de um processo político coletivo que teve no Foro um lugar privilegiado.”
UNASUL, filha dileta do Foro de São Paulo.
A UNASUL (União das Nações Sul-Americanas), a CELAC (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos), a Telesur, a ALBA (Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América), todas essas iniciativas foram gestadas no ventre do Foro de São Paulo. Todas as ações desses grupos são unívocas e convergem para o mesmo objetivo: o controle total do subcontinente americano por uma verdadeira camarilha de genocidas em potencial. Quando se atam os elos soltos, que aparentemente nada tem a ver uns com os outros, vê-se com clareza quão bem se encaixam e como a corrente que formam é coesa e aprumada. E é justamente a ausência de qualquer esforço em larga escala para divulgar os planos do Foro de São Paulo que faz do (ingrato) trabalho daqueles que se propõem a monitorar os passos desse grupo algo tão precioso e necessário. E é um trabalho que precisa melhorar: devemos aumentar a capilaridade do fluxo de informações sobre o Foro de São Paulo e estimular outras iniciativas (dentro e fora do Brasil) que objetivem ao desmascaramento do grupo.
Já escrevi em outros textos e volto a afirmar: estamos em guerra. Cedo ou tarde, ela baterá com força à nossa porta, e, aí, já não poderemos fazer mais nada.
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