HEITOR DE PAOLA
TORNE-SE DENSO I
Robert Bryce
Está na hora de pararmos de desperdiçar espaço e recursos em nome do ambientalismo.
Inverno de 2012
Mais de três décadas atrás, o economista britânico E.F. Schumacher afirmou que a essência da proteção ambiental estava em três palavras: “small is beautiful”, ou seja, o pequeno é belo. Schumacher defendeu num famoso livro que levava esse título que os distúrbios da ordem natural causados pelo homem – fazendas, por exemplo, ou usinas hidrelétricas – deveriam ser organizadas de modo a permitir o menor impacto possível no meio-ambiente.
Mas como esse ideal pode ser realizado num que tem que produzir mais e mais comida energia para uma população crescente? A resposta, em apenas uma palavra agora, é densidade. No curso do último século, os seres humanos encontraram meios de concentrar as plantações a produção de energia em áreas cada vez menores, conservando espaço ao mesmo tempo em que em atendia a crescente demanda por calorias e watts. Essa abordagem vai de encontro às crenças de muitos ambientalistas e políticos, cujas diretrizes “orgânicas” e “renováveis”, não obstante soarem amigáveis à natureza, desperdiçam espaço e recursos. O princípio real de organização para um futuro verde é densidade, produz não apenas os bens de que precisamos para sobreviver e prosperar, mas também alcança o objetivo da preservação de espaço e recursos naturais dos ambientalistas.
O cultivo de alimentos é um exemplo excelente das virtudes da densidade. Durante a segunda metade do século XX, sementes híbridas e fertilizantes sintéticos junto a métodos de plantio e colheita aperfeiçoados, produziram um aumento surpreendente da produtividade agrícola. Entre 1968 e 2005, a produção global de cereais dobrou, apesar do número de acres cultivados ter permanecido praticamente a mesma. Indur Goklany, um analista de políticas publicas do ministério da fazenda dos EUA estimou que se a agricultura tivesse permanecido no seu nível de produtividade do início dos anos 60, para alimentarmos a população de 1998 precisaríamos de aproximadamente 8 bilhões de acres de terra cultivada. Onde no mundo – literalmente – iríamos encontrar extras 4.3 bilhões de acres de terra, uma área só um pouco menor que a América do Sul?
Há uma importante exceção para a tendência histórica da crescente densidade agrícola, todavia: a produção de comida orgânica, que não utiliza muitos fertilizantes e pesticidas. Estudos recentes têm descoberto que a terra voltada à produção orgânica produz 50% menos trigo, 55% menos aspargos e alfaces, e 23% menos milho que nas terras cultivadas de modo convencional.
Uma transição de larga escala para produção orgânica, assim, não faz muito sentido. Em um ensaio escrito em 2011 na Revista Slate, James McWilliams, um professor de historia da Universidade do Estado do Texas e um crítico corajoso de toda a publicidade ao redor da comida orgânica, argumentou que a população global deverá crescer provavelmente em cerca de 2.3 bilhões de pessoas nos próximo quarenta anos. Tantas pessoas, combinando com o surgimento de uma classe média em países em desenvolvimento como China e Índia, irá requerer que os fazendeiros no mundo produzam “pelo menos 70% mais comida do que produzimos agora.” As últimas estatísticas da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, que demonstrou que o mundo possuía pouca terra arável não usada, nos leva a uma conclusão óbvia, McWilliams escreveu: “O crescimento alarmante da demanda por alimentos terá que ser saciado por um crescimento da produção da terra atualmente cultivada... 90% das calorias adicionais requeridas pelo meio do século terá que vir de uma maior produtividade por acre.” Ou seja, a agricultura precisa se tornar ainda mais densa, produzindo mais comida a partir da terra arável disponível. A produção orgânica faria justamente o reverso.
A produção orgânica ineficiente também, certamente, aumentaria o custo da comida. Essa é uma preocupação essencial num tempo em que o preço do alimento em nível global está em seus níveis mais altos: Este último mês de Fevereiro, a ONUAA anunciou no seu Índice de Preço dos Alimentos, que uma cesta com os produtos básicos que servem para indicar as mudanças de custo dos alimentos em nível global chegou ao seu preço mais alto desde que esta organização começou a documentar preços em 1990. Apesar do preço dos alimentos terem caído um pouco desde então, O Índice de Preço dos Alimentos durante todo o ano de 2011 foi aproximadamente 60% mais alto que no ano de 2007. A adoção de técnicas de agricultura de baixa densidade poderia também aumentar a desflorestamento, já que fazendeiros iriam desesperadamente procurar mais terra arável – um resultado que deveria perturbar ambientalistas legítimos.
Todavia, nós continuamos sendo bombardeados com argumentos em favor da agricultura orgânica. Em 2010, Maria Rodale – Chairman e CEO do Instituto Rodale, uma organização que atua em prol da agricultura orgânica – escreveu um artigo afirmando que o cultivo orgânico era o meio “mais eficiente de alimentar o mundo e diminuir o aquecimento global.” Revendedores de produtos orgânicos, como oWhole Foods Market, tem visto um aumento enorme nas suas fatias de mercado, um grupo industrial como a Associação do Comércio de Produtos Orgânicos (Organic Trade Association) apontou que as vendas globais de comidas e bebidas orgânicas mais que duplicou, entre 2003 e 2008.
Uma cruzada similar contra a densidade é a demanda por bicombustíveis que deveriam ajudar a reduzir a emissão do dióxido de carbono mas que irão utilizar espaços aráveis imensos para produzir montantes relativamente pequenos de combustíveis ao invés de comida. O principal bicombustível do momento é o etanol, cuja “densidade energética” – a quantidade de energia que pode ser produzida a partir de uma determinada área plantada – é absurdamente pequena. Alguns especialistas afirmam que tal densidade energética é tão baixa quanto 0.05 watts por metro quadrado de terra plantada. Em comparação, um poço de gás natural relativamente pequeno produz cerca de 1700 metros cúbicos[i] de gás por dia possui uma densidade energética de 28 watts por metro quadrado a densidade energética de estações nucleares é ainda maior.
A densidade energética do etanol é tão baixo que em 2011, pra produzir a quantidade de combustível para motores cuja equivalência em energia seria apenas 0.6% do consumo global de petróleo, o setor americano de milho-etanol teve que converter uma quantidade alucinante de grãos – 178 206 802 quilolitros[ii] – isso equivale a mais milho do que toda a produção combinada da União Européia, México, Argentina e índia. Isto representa 40% de todo o milho produzido nos EUA – cerca de 15% da produção global de milho e 5% da produção de grãos em todo o mundo. A União Européia, também, está incentivando a produção de bicombustíveis em terras aráveis.
Esses esforços têm, obviamente, aumentado os preços globais de alimentos. Em Junho de 2011, Tim Searchinger – um pesquisador associado da Woodrow Wilson School em Princeton – publicou um artigo no Scientific American observando que “desde 2004 bicombustíveis gerados a partir de alimentos quase que duplicaram o ritmo de crescimento da demanda global por grãos e açúcar e também aumentaram o crescimento da demanda anual por óleos vegetais em cerca de 40%.” Nós precisamos considerar o impacto moral de nossas ações, Searchinger argumentou: “Nossa obrigação primordial é alimentar os famintos. Bicombustíveis estão diminuindo nossa habilidade de atender essa obrigação.” Cada ano, o congresso gasta irresponsavelmente cerca de 7 bilhões de dólares em subsídios para a indústria do etanol, e no seus discurso anual sobre o Estado da União em 2011, o Presidente Obama declarou que “Nós podemos quebrar nossa dependência em relação ao petróleo com os bicombustíveis.”
[i] Originalmente 60.000 pés cúbicos. N do T
[ii] Originalmente 4.9 bilhões de celemins. A conversão em quilolitros se faz necessária devido ao número verdadeiramente gigantesco que o autor aponta. Vale salientar que cada quilolitro equivale a mil litros. N do T
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TORNE-SE DENSO II
Os entusiastas do bicombustível, reconhecendo o dilema moral de converter comida em alimentos, têm há muito promovido o etanol celulósico, que é derivado de biomassa não-comestível, como alguns tipos de capim e árvores. Em 1976, Amory Lovins, co-fundadora do Rocky Mountain Institute e uma queridinha das Esquerdas Verdes, escreveu no Foreign Affairs que “avanços animadores na conversão de resíduos agrícolas, florestais e urbanos em etanol e outros combustíveis líquidos e gasosos atualmente oferecem uma tecnologia prática e economicamente viável para manter um eficiente setor de transportes nos EUA.” Três décadas depois, não há uma única companhia nos EUA que produza quantidades significantes de etanol celulósico – mesmo assim, em 2004, Lovins e diversos co-autores, escreveram Winning the Oil Endgame, ainda defendendo o etanol celulósico e até mesmo argumentando que tal combustível “fortaleceria a América rural, aumentaria em dezenas de bilhões de dólares a renda das fazendas e ainda criaria mais de 750,000 novos empregos.”
Mas será verdade? A densidade energética do etanol celulósico, ainda que maior que do etanol a base de grãos, é, todavia, muito baixa. Mesmo as mais bem administradas plantações de árvores alcançam densidades energéticas de apenas 1 watt por metro quadrado de área cultivada. Isso significa que você precisa de quantidades verdadeiramente gigantescas de biomassa para produzir volumes significativos de combustível para motores. Vamos supor que você gostaria de substituir apenas undécimo do consumo Americano de petróleo com o etanol derivado de serragem. Isso iria requerer que você produzisse cerca de 425 milhões de toneladas de serragem por ano, o que implicaria em cultivar cerca de 36.9 milhões de acres de terra, uma área aproximadamente equivalente ao tamanho do estado de Illinois. Ou seja, para substituir 10% das demandas do país por etanol celulósico, você precisaria plantar serragem equivalente a 8% de toda área agrária cultivada atualmente nos EUA.
Todavia, em Maio de 2008, a Presidente da Câmara dos Representantes dos EUA, Nancy Pelosi, ajudou a passar um pacote de subsídios no valor de 307 bilhões de dólares, declarando que isso seria um “investimento em independência energética” porque iria prover “suporte para a transição para o etanol celulósico.” Sob a liderança de Pelosi, o Congresso também designou que os produtores de combustíveis nos EUA, misturem pelo menos 21 bilhões de galões de etanol celulósico na gasolina produzida nos EUA até 2022. Para alcançar esse patamar o Congresso estabeleceu metas de produção: em 2011, por exemplo, a destilarias domésticas teriam que produzir pelo menos 250 milhões de galões de etanol celulósico. Mas a produção comercial de etanol celulósico se mantém tão insignificante que a Agência de proteção Ambiental, que administra as regras de combustível-renováveis do governo, foi forçada a cortar a meta de produção para apenas 6.6 milhões de galões.
Na última década, o consume global de energia aumentou cerca de 28%. Hoje, os habitantes do mundo estão consumindo o equivalente a 240 milhões de barris de petróleo por dia. Nós não podemos depender das terras produtivas do planeta para nos prover essa quantidade enorme de energia necessária em países como a China, Índia, Indonésia e Brasil já que milhões de seus habitantes movem-se agora em direção a uma economia moderna. Nós precisamos depender de formas de energia que possuem uma alta densidade e, por conseguinte, um baixo impacto no meio-ambiente.
Bicombustíveis não são as únicas fontes renováveis de energia cuja baixa densidade as tornam impraticáveis. Turbinas eólicas possuem uma densidade energética de cerca de 1 watt por metro quadrado. Comparando isto com os dois reatores nucleares de Indian Point no condado de Wetchester, que provê até 30% da energia elétrica de Nova York. Mesmo se você incluir toda área ocupada do projeto Indian Point – cerca de 250 acres – a sua densidade energética excede 2,000 watts por metro quadrado. Para gerar uma quantidade de energia elétrica equivalente a de Indian Point, você precisaria preencher pelo menos 1995 quilômetros quadrados com turbinas eólicas, uma área um pouco menor que o estado de Rhode Island. Também, menos pessoas poderiam viver naquele área enorme porque os sons de baixa frenquência emitidos pelas turbinas eólicas podem causar problemas de saúde.
Até agora, nós temos examinado a densidade relativa à ocupação geográfica: quanta comida ou energia pode ser produzida numa certa quantidade de terra. Mas projetos eólicos definem densidade de uma outra forma, consumindo não apenas enormes partições de terra em relação à sua baixa desempenho, mas também quantidades imensas de aço. Para instalar uma simples turbina eólica, é necessário cerca de 200 toneladas de aço. As novas turbinas possuem uma capacidade de 4 megawatts. Divida 4 por 200 e você verá que tais turbinas podem produzir cerca de 0.02 megawatts de eletricidade por tonelada de aço. Compare isso com uma turbina convencional de gás natural, por exemplo, a LM6000 daGeneral Eletric. A LM 6000 pesa nove toneladas e pode gerar cerca de 43 megawatts, ou seja, ela produz cerca de 4.7 megawatts por tonelada de aço, pelo menos 230 vezes mais que uma turbina eólica.
Esses números são apenas estatísticas aproximadas, é claro, e eles não levam em conta os outros recursos necessários para produzir eletricidade. Por exemplo, turbinas eólicas tendem a se localizar distantes das áreas urbanas e requerem a construção de milhares de quilômetros de linhas de transmissão de alta voltagem, enquanto turbinas a gás podem ser alimentadas por longos canos de aço, trazendo metano de fontes distantes. Mas mesmo se os cálculos estiverem extremamente errados – supondo que geradores a gás sejam apenas 23 vezes mais eficientes que turbinas eólicas – ainda está óbvio que a produção de energia eólica é um processo que consume enormes recursos naturais.
Felizmente, oposição a projetos eólicos tem crescido rapidamente. Os Estados Unidos presenciaram o surgimento de cerca de 170 grupos anti-eólicos nos últimos anos. Ontário, no Canadá apenas, possui mais de 50, a Plataforma Européia Contra Fazendas Eólicas possui 505 organizações signatárias de 23 países e no Reino Unido, cerca de 250 grupos anti-eólicos se formaram pra combater os projetos eólicos no País de Gales, Escócia e outras regiões. A resistência é fácil de entender: As pessoas não querem ter de olhar para turbinas industriais de mais de cem metros todo o dia para luzes vermelhas piscando toda a noite ou para horríveis linhas de transmissão.
Ambientalistas começam a reconhecer a ineficiência de turbinas eólicas. Em 2009, o Nature Conservancy, um dos grupos ambientais mais conservadores da América, publicaram um relatório condenando a “expansão desordenada[1]” que acompanha grandes projetos de energia eólica. Até mesmo os grupos ambientais mais radicais como o Earth First! começaram a agir. Em Novembro de 2010, cinco pessoas, várias delas do Earth First!, foram presas por bloquearem uma estrada que levava ao canteiro de obras de um projeto eólicos de 60-megawatts no estado do Maine. De acordo com o Portland Press Herald, um dos indivíduos que protestavam carregava um cartaz que dizia “Parem de estuprar o interior do Maine.” Mas políticos têm sido lentos em combater essa expansão. Em março de 2010, governadores de 29 estados imploraram ao Congresso e Casa Branca para instalar mais turbinas eólicas em seus territórios, argumentando que energia eólica iria “reduzir a emissão no setor elétrico de gases geradores do efeito estufa em cerca de 25%”.
As virtudes da densidade energética podem ser vista no lixo nuclear. A indústria nuclear americana, em toda sua história, produziu cerca de 60.000 toneladas de resíduos nucleares. Enterrados numa profundidade de cerca de 5 metros, isso iria ocupar uma área do tamanho de um campo de futebol. Usinas de carvão nos EUA, em contraste, geram cerca de 130 milhões de toneladas de resíduos, a maior parte deles contaminada por metais pesados num único ano. Sim, resíduos nucleares são altamente tóxicos e duram por um longo período, mas podem ser guardados de forma segura. A França produz cerca de 80% de sua energia elétrica através geradores nucleares e todos seus resíduos radioativos são guardados num único edifício do tamanho de um campo de futebol.
Talvez o exemplo mais familiar de densidade amigável ao meio-ambiente, todavia, seja a forma como a humanidade tem se concentrado, movendo do campo para as cidades, um processo que ocorre rapidamente especialmente nos países em desenvolvimento. O processo oposto, suburbanização, requer muito mais espaço para cada residente – e assim mais quilômetros de ruas, cabos elétricos e sistemas de esgoto[2]. Em um ensaio para a revista Atlantic, o arquiteto e autor Witold Rybczynski escreveu que “ser realmente verde significa retornar para os tipos de cidades densas que foram construídas na América na primeira metade do século XX”.
As duas densidades mais verdes nos levam a duas conclusões. Primeiro, aqueles que fazem as leis ambientais deveriam considerar densidade como um objetivo desejável em quase todos os problemas que confrontam. E em segundo lugar, os ambientalistas legítimos não são ativistas em busca de manchetes nos jornais e grupos de lobistas eles são fazendeiros, urbanistas, agrônomos, e, sim, até mesmo engenheiros nucleares e usineiros de gás.
Robert Bryce é um membro sênior do Center for Energy Policy and the Environment no Manhattan Institute.
Tradução: João Costa
Publicado no City Journal
[1] Do original “Energy Sprawl.” O termo sprawl refere-se à ocupação desorganizada de espaços e não possui uma palavra similar no português, especialmente no novo contexto energético em que é usado. N.doT.
[2] “Green Cities, Brown Suburbs,” (Winter 2009).
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