NIVALDO CORDEIRO
07/11/2011
Ontem eu vi o programa Manhattan Connection e o diálogo entre Ricardo Amorim e Diogo Mainardi foi ilustrativo e esclarecedor. O argumento de Ricardo é o meu: se políticos não deram solução para a crise em curso não serão tecnocratas desprovidos de voto que terão a solução. Diogo Mainardi deixou de ser um analista político para ser um torcedor apaixonado. É pura ilusão achar que uma personalidade tem a chave para a solução. Auto-engano terrível.
Eu testemunhei momento assim no Brasil quando o presidente João Figueiredo tirou o ministro Delfim Netto da Agricultura e o pôs no Planejamento. A mística de “milagreiro” de Delfim encantava a todos e gerou uma expectativa que não tinha como ser cumprida. A crise é maior do que seus condutores e exige sacrifício. Intuitivamente os que serão chamados a se sacrificar prendem-se irracionalmente ao fio de esperança sobre a ação de uma pessoa que não tem como gerar atalhos. Os sacrificados serão sacrificados do mesmo modo. Delfim Netto acabou por ser o anti-milagreiro, o algoz de toda gente.
A conversa entre Ricardo Amorim e Diogo Mainardi girou em torno do novo primeiro-ministro italiano Mario Monti. Político que jamais recebeu votos, Monti é um tecnocrata completo, apoiado pela burocracia de Bruxelas Esse apoio ajuda, mas pode também atrapalhar, pois o novo primeiro-ministro poderá ser incentivado a fazer os profundos cortes que a Itália terá que fazer nas suas despesas em velocidade mais acelerada. Será no momento dos cortes que a fraqueza congênita de Mario Monti aparecerá a todos: sua não legitimação nas urnas. Toda ação tecnocrática tende a ignorar as sutilezas do processo democrático e atropelar o real com sua racionalidade fria e pseudo. Ocorre que a racionalidade não submete o real. Bem vimos o que tem havido na Grécia. Os perdedores farão barulho e se rebelarão. A cada anúncio de cortes teremos sucessivas rebeliões dos perdedores.
Melhor que a Itália tenha escolhido um nome de consenso com rapidez e que este tenha o apoio internacional necessário. Mas não se pode ter ilusão. A fraqueza do novo governo italiano é mais do que evidente. Na agudização da crise veremos dramas dolorosos. Porque esta crise não é circunstancial e nem de fácil resolução. É uma grande crise, a exigir sacrifícios equivalentes àqueles de tempos de guerra. Será um ajuste geracional, a sacrificar aposentados, funcionários públicos e pagadores de impostos. Teremos a oportunidade de ver a economia política em estágio laboratorial, como em momentos fundadores. A social-democracia morreu e o novo ainda não nasceu. A própria elite não se preparou para a transição.
Esse é o grande pecado da elite européia, que vive a ilusão de que um governo transnacional – eventualmente um governo mundial – seja a solução para a crise. Não é. Governos transnacionais sacrificam a liberdade e a soberania. Terá contra si tenaz resistência. É isso que veremos, a elite tecnocrática remando para alienar a capacidade decisória do Estado italiano e sua população não reconhecendo nela legitimidade para entregar a estrangeiros o poder deliberativo que é inerente aos povos livres. É esse o embate que a guarda a Itália.
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