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segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Resposta ao juiz William Douglas

MÍDIA SEM MÁSCARA
LEONARDO BRUNO | 03 JANEIRO 2011
ARTIGOS - CULTURA

Cavaleiro: o artigo a seguir foi sucedido por diversos comentários (http://www.midiasemmascara.org/artigos/cultura/11733-resposta-ao-juiz-william-douglas.html), achei este fundamental. Como não tenho autorização para postar o nome do autor, cliquem no link acima e procurem, caso queiram, pelo autor. A referência é o dia e hora do mesmo:

"03-01-2011 08:42
Prezados Leonardo Bruno e William Douglas. Acompanhei o artigo mais recentes com especial atenção e as acaloradas discussões no espaço de comentários. Vejo que os dois mais concordam do que discordam, e o desenvolvimento da discussão até chegar a esta conclusão só me faz pensar em quanto é lamentável para o Brasil a sonegação do debate amplo e livre a que somos expostos todos os dias. Especialmente em período de eleições. Como seria bom poder ver programas de TV (porque poucos brasileiros lêem ainda), onde se discutisse abertamente serviço público, livre iniciaiva, estatismo, privatizações, direita, esquerda, capitalismo, comunismo, república, monarquia, parlamento, religião, bem, mal e o que mais achássemos relevante. Ficamos condenados ao tratamento raso e monopolizado do aborto, saúde, benefícios sociais e segurança pública, embora muito relevantes, pouco assunto para um país com tantos problemas de ordem moral - VALORES. Saudações aos dois. Continuem afiados e dispostos ao bom debate. Quem sabe um dia as pessoas acordem com o barulho?"


O Estado sempre deve ser um elemento subsidiário, marginal, cujas funções devem ser limitadas por espaços que a sociedade jamais deve permitir sua intervenção, para a preservação de suas liberdades: espaços da livre iniciativa, da família, da propriedade, da religião, da livre consciência, etc.
O juiz federal e professor de concursos públicos William Douglas pareceu sensibilizado com as críticas que faço ao "sonho" do funcionalismo público, em um artigo publicado no dia 27 de dezembro de 2010, no site Mídia Sem Máscara e também no meu blog. Na verdade, percebo que necessito esclarecer sobre algumas coisas:
1) Primeiramente, não critico a busca de alguém ao funcionalismo público e tampouco a existência dos concursos. Desde a Constituição de 1988, o concurso público tem ajudado a moralizar a coisa pública, quando seus elementos meritocráticos acabaram obstruindo o antigo clientelismo e as nomeações escandalosas, motivados por regalias particulares e parentescos políticos. Pelo contrário, houve uma melhora na seleção dos quadros, uma vez que as avaliações e provas conseguiram catalisar muita gente competente no mercado de trabalho. No entanto, o concurso público não evita a perigosa mentalidade corporativista e patrimonialista arraigada na sociedade brasileira, uma vez que há nessa mentalidade "concurseira" uma espécie de apologia ao agigantamento do Estado. Muitos funcionários públicos, ainda que concursados, pensam que os seus cargos são verdadeiras propriedades pessoais conquistadas pelos seus testes de provas e títulos. O concurso público pode ter moralizado, em parte, a seleção dos quadros dos servidores do Estado. Mas não evita a criação de um corporativismo nefasto, que pode fomentar uma classe altamente hostil às reformas do Estado e, mesmo, hostil à própria democracia, uma vez que este mesmo grupo exige uma verdadeira expansão governamental em todos os aspectos da vida social.
2) William Douglas afirma que o problema dos péssimos serviços do Estado está na classe política e na legislação. Ele está correto, embora não totalmente. Não se pode negar que essa legislação é feita por lobbies políticos, entre os quais, envolve o de várias funções públicas dos servidores, controladas por sindicatos muito poderosos, como a da CUT. O funcionalismo público também tem sua parcela de culpa nisso. Por outro lado, é necessário acrescentar que inúmeras legislações servem justamente para criar mais burocracias e expandir o Estado (ou ao menos, contribuem para isso). Esse é um dado não apenas brasileiro, mas mundial. Quem estudar com mais clareza a chamada ascensão do Estado moderno e, em particular, do Estado democrático, perceberá que essa posição de excelência governalmental está de mãos dadas com a expansão também da burocracia estatal. O Estado cria leis cada vez mais complexas, diminutas e ininteligíveis e cada vez mais contrata mais burocratas e espalha técnicos a granel. Creio que meus amigos advogados e o magistrado William Douglas, estudiosos que são das leis, teriam dificuldade de conhecer toda a legislação de nosso país. São mais de dez mil leis. Só Deus teria tamanho conhecimento jurídico (e olha que Ele nos legou apenas os Dez Mandamentos!). Não se pode mais aplicar aquela velha máxima do direito, a de que ninguém pode se escusar da lei sob pena de não conhecê-la. Não será isso uma anomalia dos tempos modernos? As distorções são tanto políticas, como legislativas e nos quadros do funcionalismo. Nem a monarquia absolutista do Ancien Régime legislava tanto. Não esqueçamos: mais criação de leis e mais criação de burocracias significam, também, mais expansão da coerção estatal.
Acredito que homens como o Sr. Douglas sejam servidores públicos sinceros e mesmo patriotas. O Sr. Juiz demonstra acreditar no senso do dever, o que é benéfico ao país. No entanto, é de se questionar se a expansão da burocracia não é perigosa para as liberdades civis e políticas, uma vez que o Estado usurpa funções antes praticadas pela sociedade civil e cria legislações onde até os causídicos desconhecem.
3) Muitos amigos leitores com fortes convicções liberais e conservadoras foram dominados uma espécie de mea culpa, mea máxima culpa, por serem funcionários públicos, mesmo sabendo das mazelas do Estado brasileiro. O meu recado é a de que não há razão para isso. Serviço público é trabalho como qualquer outro. Muitas das maiores cabeças deste país procuram ou procuraram o funcionalismo público, justamente porque é uma atividade onde exige certo estudo e onde a remuneração, dependendo do cargo, é compensatória. Na verdade, o cargo público pode ser uma fuga dos homens estudados da miséria cultural e intelectual das universidades e da licenciatura em geral. Grandes inteligências como Roberto Campos, José Oswaldo de Meira Penna, José Guilherme Merquior, homens de leituras e críticos do gigantismo estatal brasileiro, foram também funcionários públicos. Isso não quer dizer que essa realidade seja boa. Eu digo que é ruim, justamente porque os cérebros pensantes deveriam produzir conhecimento nos lugares de excelência nas faculdades e escolas e não nas atividades burocráticas e repetitivas da carreira pública.
O problema é que o mercado brasileiro sofre também dessa mentalidade cartorial, onde a papelada tem mais importância do que o conhecimento real. Roberto Campos virou embaixador do Itamaraty, precisamente porque não tinha diploma de segundo grau, salvo o de teologia no seminário, o que não era reconhecido pelo Ministério da Educação de sua época. Os concursos públicos do Instituto Rio Branco não exigiam diplomas. O mesmo se aplica a Mário Henrique Simonsen, outro genial erudito e economista que não existia nas visões burocratizantes dos estúpidos do MEC ou das universidades. Ele mesmo foi impedido de lecionar economia numa faculdade, porque simplesmente não tinha curso superior da matéria. Era engenheiro! As restrições burocráticas estúpidas denunciam a reserva de mercado na educação brasileira e demais setores, o que emburrece e empobrece um país inteiro. Muitos colegas que procuraram o funcionalismo público escaparam da inépcia da licenciatura e mesmo das atividades intelectuais do país.
Acredito que se tivermos servidores públicos com esse pensamento de responsabilidade individual e compromisso com a sociedade, é possível remodelar o Estado de forma também responsável e mais enxuta, evitando os perigos do expansionismo estatal. Quem quiser seguir a carreira pública, siga. Devemos questionar sim, sua ineficiência, mas não acho que sua existência seja totalmente inútil.
4) O Sr. William Douglas acha estranho que as pessoas não sonhem com cargos públicos. Apela a minha "pouca" idade para dizer isso. Posso até admitir que o cargo da magistratura, da polícia federal ou do ministério público seja algo envolvente e estimule o sonho de muita gente. É bem verdade que muitas pessoas sonhem com esses cargos eivados de intenções honestas. No entanto, respondo que o "sonho" do cargo público no grosso do imaginário brasileiro não implica apenas um propósito, mas uma mistificação. Nos EUA, o funcionalismo público seria visto com uma atividade sem muita importância, comparada a uma sociedade de empreendedores. Talvez fosse diferente na Europa, onde o Estado ganha um espaço indevido no velho continente e arruína uma civilização inteira, tornando povos inteiros dependentes dos serviços de proteção social, como aposentados e mendigos. Porém, não vejo a Europa como exemplo. Pelo contrário, a Europa é exemplo daquilo que não devemos ser. Se quisermos viver numa sociedade próspera e rica, devemos sonhar sim, com uma sociedade onde o trabalho livre, a criatividade e o empreendimento sejam regras. Isso, com certeza, não é o ofício do funcionalismo público. Sou ousado em dizer que, no Brasil, muitas pessoas de criatividade estão sendo absorvidas pelo Estado.
5) Por outro lado, tampouco tive a intenção de colocar palavras na boca do juiz, quando afirmei sobre o estreito mundo da burocracia estatal. Nada posso afirmar da mentalidade do magistrado, mas sim de uma boa parte das pessoas que conheci e que buscaram a carreira pública. A mescla tola de corporativismo estatal e voluntarismo governamental corrompera a alma deles. E não me espantaria que o socialismo seja a ideologia por excelência da burocracia estatal, como os "ismos" estatizantes, de cunho nazifascista, também o foram. A idolatria do Estado correlaciona com a idolatria do cargo público. Quem estudar para o concurso público, procure as aulas do Sr. William Douglas. Creio que sejam benéficas e poderão garantir seu ganha-pão na carreira pública. Eu mesmo não sou refratário a fazer concurso público. No entanto, sempre temam os confortos, as promessas e as seduções da expansão governamental. O Estado, que pode ser um pai para poucos, pode ser padrasto para muitos e um verdadeiro estranho para todos.
6) Falei dos maus salários da iniciativa privada. É claro que há empregos e empregos. Há empregos que são melhores do que os cargos públicos. Mas estes são escassos. E o Estado, dependendo de suas funções, paga salários que muitas vezes o mercado, em curto prazo, não pode pagar. Isso se deve, em parte, ao fato de que o Estado detém praticamente metade da renda nacional, se contabilizarmos os impostos diretos e indiretos e as empresas estatais. A febre da carreira pública tem uma explicação econômica bastante racional: a população procura empregos onde há mais dinheiro e segurança em curto prazo. E o concurso público oferece essas facilidades de curto prazo. É, em suma, a lei da oferta e da procura aplicada ao mercado de trabalho. Por isso, não critico quem busque essa opção. Ela é válida, dentro das necessidades de cada um. Todavia, não podemos ignorar que isso poderá ter um preço alto para o país.
O país ainda tem mais dessas estranhezas mercantilistas: o Estado é um trampolim para a iniciativa privada. Muitos dos mais bem sucedidos advogados em Belém do Pará são ou foram servidores públicos. Esse princípio se aplica a uma boa parte da nação e em vários setores da economia. Claro que este fenômeno ocorre em países ricos. Porém, tem menos importância do que no Brasil, nação de tradições estatizantes, legiferança formalista e inútil, burocracias pesadas e clientelismo senil para as mais lúcidas economias liberais.
7) O magistrado fala do quantum de funcionários públicos nos países nórdicos e na Europa, nos EUA, além do Canadá, conforme suas palavras:
"Mesmo nos Estados Unidos, a mais importante economia capitalista, caracterizada pelo seu caráter "privatista" e pelo seu elevado contingente de postos de trabalho no setor privado, o peso do emprego público chega a 15% dos ocupados", aponta o estudo Emprego Público no Brasil: O Brasil tinha em 2005 um total de 10,7% de seus trabalhadores ocupados no setor público. Em 1995, esse percentual era de 11,3%. O Canadá tem um índice de 16,3%, e a Austrália, de 14,4%. O país com maior proporção de funcionários públicos é a Dinamarca: 39,2%."
No entanto, esse trecho negligencia uma questão grave: em termos estritamente econômicos, uma burocracia eficiente não se mede apenas pela porcentagem de servidores ocupados em relação à população ativa, porém, pelo preço que a sociedade paga e pelo retorno prestado desses servidores. E o preço sai muito caro. O Brasil é uma sociedade com burocratas inúteis e caros, em boa parte de seus postos. E a lógica elementar para o Estado não é excesso de burocracias para atender ao público. É justamente o contrário: uma menor burocracia possível, com um máximo de eficiência. Isso revela que o agigantamento da burocracia estatal não é uma anomalia brasileira, mas mundial, como já foi dito. E os países nórdicos, citados com felicidade pelo Sr. Wiliam Douglas, não são exemplos de economia pujante: pelo contrário, sofrem precisamente por conta do estatismo e do tributarismo orçamentívoros, que espantam capitais, encarecem a vida social e afugentam os empreendedores. Sem contar outros tipos de intervencionismos desenvolvidos por essas nações: intervenção na vida privada, na vida sexual, na vida familiar, na educação dos cidadãos, etc.
Se acharmos que a eficiência do serviço público se mede pela porcentagem alta de servidores contratados em relação à população ativa, por que não citar a União Soviética ou qualquer país socialista? Quem sabe a Coréia do Norte não seria um grande exemplo? Precisaríamos de 100% de burocratas para conseguirmos eficiência?
8) Para encerrar, o Sr. William Douglas fala do funcionalismo público eficiente, capacitado, que serve ao país e que, de fato, gera riqueza, uma vez que seus serviços são revertidos para a sociedade. Neste aspecto, mas somente neste aspecto, o funcionalismo público pode ser produtivo para a sociedade. No entanto, sua argumentação se torna incompleta quando não encontra uma explicação apropriada do como poderemos fazer essa burocracia se tornar mais eficiente. Primeiramente, o funcionalismo, pela sua natureza compulsória de autoridade pública que deve ser obedecida, possui natureza antieconômica. Não há uma correlação direta entre a eficiência do funcionalismo e seus serviços, já que seus salários são determinados previamente todo final do mês, muitas vezes, independente dos riscos, e eles são pagos através de impostos, que também são obrigatórios. Ao contrário do empresário ou de qualquer tipo de serviço privado, é o Estado, em último caso, quem decide o que deve ser servido ao contribuinte.
Ademais, os gastos públicos não são necessariamente prejudiciais ao funcionalismo público. Pelo contrário, são bastante benéficos. Em várias repartições públicas da administração pública direta e indireta, o Estado gasta a maior parte de seus tributos em folhas de pagamentos e previdência social para o subsídio dos servidores. Ou seja, quanto maior os gastos do contribuinte e quanto menos econômica for a atividade burocrática, melhor para o funcionalismo, que gasta quase todo o dinheiro público. No final das contas, quando a burocracia se acha dona de si e foge ao controle da sociedade, acaba não somente usurpando as funções desta mesma sociedade, como gerenciando o Estado em causa própria. Por outro lado, o fato de a administração pública estar hierarquicamente acima de qualquer entidade privada em nome do "bem comum" ou do "interesse social", cria prerrogativas monopólicas ao Estado e à burocracia, que não possui concorrência dentro de suas atividades. O voluntarismo da burocracia não resolve o problema. Se resolvesse, a Prússia Imperial da época de Bismarck seria um exemplo de eficiência burocrática. Embora o Estado alemão fosse militarizado e os servidores públicos usassem fardas e coturnos, a economia do país jamais chegou à prosperidade liberal inglesa e norte-americana. Na pior das hipóteses, a burocracia alemã, com sua obsessão por obediência hierárquica, foi uma das classes mais solidárias e leais ao nazismo. Até porque o nazismo também exigia voluntarismos! Olha que nem falei dos países comunistas!
Em outras palavras, para que uma burocracia seja eficiente e servidora da sociedade, a intervenção do Estado deve ser a menos necessária e a menos cara possível. Em outras palavras, Estado limitado, burocracia limitada e mais confiança na própria sociedade privada e nas relações voluntárias. Quanto menos a sociedade precisar de intermediários estranhos e coercitivos (leis, burocratas, juízes), melhor para ela. Tanto melhor eu resolver o problema do meu vizinho diretamente do que procurar o Sr. Wiliam Douglas para resolvê-lo. E se for necessário o juiz William Douglas para resolvê-lo, que o seja com menos custo, menos intermediários, menos leis inúteis e menos burocracias, com mais rapidez e celeridade. O meu caro magistrado falou da "produtividade" do trabalho. Foi por excessos de batidas de martelos nos tribunais? Por calhamaços de processos? Por audiências? Não seria mais simples a ele que houvesse mais facilidades processuais, justamente para que ele tivesse mais eficiência com menos custo, mesmo em seu trabalho? Ao invés de colocar um exército de burocratas para trabalhar, em casos que poderiam ser resolvidos de forma mais simples? Eu, como cidadão, não exijo do Sr. Douglas mais trabalho com os processos, mas apenas a resolução deles.
Alguém poderia achar genéricas minhas opiniões. Elas, de fato, são genéricas, porque falo de princípios, de valores, que são por natureza, "genéricos". O Estado sempre deve ser um elemento subsidiário, marginal, cujas funções devem ser limitadas por espaços que a sociedade jamais deve permitir sua intervenção, para a preservação de suas liberdades: espaços da livre iniciativa, da família, da propriedade, da religião, da livre consciência, etc. O Estado, na melhor das hipóteses, deve intervir somente para preservar, auxiliar e manter essa esfera privada, sem jamais violá-la. Não é o que ocorre, infelizmente, nas democracias do Brasil e de boa parte do mundo ocidental.
Eficiência, seja na área privada, como na pública, significa menos intermediários inúteis para maiores resultados, menos custos possíveis para maiores ganhos à sociedade, no intento de preservar suas liberdades. E com certeza a burocracia brasileira não representa, no geral, nem a eficiência, nem o baixo custo e nem mesmo a garantia das liberdades.

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