1. SISTEMA FINANCEIRO INTERNACIONAL. Os mercados financeiros não são certamente uma novidade da nossa época: já desde há muito tempo, por várias formas, eles cuidaram de responder à exigência de financiar atividades produtivas. A experiência histórica atesta que, na ausência de sistemas financeiros adequados, não teria havido crescimento econômico. Os investimentos em larga escala, típicos das modernas economias de mercado, não teriam sido possíveis sem o papel fundamental de intermediação exercido pelos mercados financeiros, que permitiu, entre outras coisas, apreciar as funções positivas da poupança para o desenvolvimento integral do sistema econômico e social. Se, por um lado, a criação daquilo que se tem definido como o "mercado global dos capitais" produziu efeitos benéficos, graças ao fato de que a maior mobilidade dos capitais consentiu às atividades produtivas alcançar mais facilmente a disponibilidade de recursos, por outro lado a maior mobilidade também aumentou o risco de crises financeiras. O desenvolvimento da atividade financeira, cujas transações superaram sobejamente, em volume, as transações reais, corre o risco de seguir uma lógica voltada sobre si mesma, sem conexão com a base real da economia.
[...] Uma economia financeira, cujo fim é ela própria, está destinada a contradizer as suas finalidades, pois que se priva das próprias raízes e da própria razão constitutiva, ou seja, do seu papel originário e essencial de serviço à economia real e, ao fim e ao cabo, de desenvolvimento das pessoas e das comunidades humanas.Pontifício Conselho Justiça e Paz, Compendio de Doutrina Social da Igreja, Nos. 368 e 369, Roma, 2004
2. LIVRE MERCADO. O livre mercado é uma instituição socialmente importante para a sua capacidade de garantir resultados eficientes na produção de bens e serviços. Historicamente, o mercado deu provas de saber impulsionar e manter, por longo período, o desenvolvimento econômico. Existem boas razões para acreditar que, em muitas circunstâncias, o livre mercado seja o instrumento mais eficaz para colocar os recursos e responder eficazmente as necessidades. A doutrina social da Igreja aprecia as vantagens seguras que os mecanismos do livre mercado oferecem. Um verdadeiro mercado concorrencial é um instrumento eficaz para alcançar importantes objetivos de justiça: moderar os excessos de lucros das empresas singulares; responder às exigências dos consumidores; realizar uma melhor utilização e economia dos recursos; premiar os esforços empresariais e a habilidade de inovação; fazer circular a informação, em modo que seja verdadeiramente possível confrontar e adquirir os produtos em um contexto de saudável concorrência.
[...] O livre mercado não pode ser julgado prescindindo dos fins que persegue e doa valores que transmite em nível social. O mercado, de fato, não pode encontrar em si mesmo o princípio da própria legitimação. Cabe à consciência individual e à responsabilidade pública estabelecer uma justa relação entre meios e fim. O benefício individual do operador econômico, se bem que legítimo, jamais deve tornar-se o único objetivo. Ao lado deste, existe um outro, também fundamental e superior, aquele da utilidade social, que deve encontrar realização não em contraste, mas em coerência com a lógica de mercado.
[...] A doutrina social da Igreja, ainda que reconhecendo ao mercado a função de instrumento insubstituível de regulação no interior do sistema econômico, coloca em evidência a necessidade de ancorá-lo à finalidade moral, que assegurem e, ao mesmo tempo, circunscrevam adequadamente o espaço de sua autonomia. A idéia de que se possa confiar tão-somente ao mercado o fornecimento de todas as categorias de bens não é admissível, porque baseada numa visão redutiva da pessoa e da sociedade.
Pontifício Conselho Justiça e Paz, Compendio de Doutrina Social da Igreja, Nos. 347-349, Roma, 2004
3. O PAPEL DO ESTADO. A ação do estado e dos outros poderes públicos deve conformar-se com o princípio da subsidiariedade para criar situações favoráveis ao livre exercício da atividade econômica; esta deve inspirar-se também no princípio de solidariedade e estabelecer os limites da autonomia das partes para defender a parte mais frágeis... O Estado tem o dever de secundar a atividades das empresas, criando as condições que garantam ocasiões de trabalho, estimulando-a onde for insuficiente e apoiando-a nos momentos de crise. O Estado tem também o direito de intervir quando situações particulares de monopólio criem atrasos ou obstáculos ao desenvolvimento. Mas, além destas tarefas de harmonização e condução do progresso, pode desempenhar funções de suplência em situações excepcionais.
[...] A tarefa fundamental do Estado em âmbito econômico é o de definir um quadro jurídico apto a regular as relações econômicas, com a finalidade de salvaguardar ... as condições primárias de uma livre economia, que pressupõe uma certa igualdade entre as partes, de modo que uma delas não seja de tal maneira mais poderosa que a outra que praticamente a possa reduzir à escravidão. A atividade econômica, sobretudo num contexto de livre mercado, não pode desenrolar-se num vazio institucional, jurídico e político: Pelo contrário, supõe segurança no referente às garantias da liberdade individual e da propriedade, além de uma moeda estável e serviços públicos eficientes. Para cumprir a sua tarefa, o Estado deve elaborar uma legislação apropriada, mas também orientar cuidadosamente as políticas econômicas, de modo a não se tornar prevaricador nas várias atividades de mercado, cuja atuação deve permanecer livre de superestruturas e coerções autoritárias ou, pior, totalitárias.
[...] É necessário que mercado e Estado ajam de concerto um com o outro e se tornem complementares. O livre mercado pode produzir efeitos benéficos para a coletividade somente em presença de uma organização do Estado que defina e oriente a direção do desenvolvimento econômico, que faça respeitar regras eqüitativas e transparentes, que intervenha também de modo direto, pelo tempo estritamente necessário, nos casos em que o mercado não consegue obter os resultados de eficiência desejados e quando se trata de traduzir em ato o princípio redistributivo. Na realidade, em alguns âmbitos, o mercado, apoiando-se nos próprios mecanismos, não é capaz de garantir uma distribuição eqüitativa de alguns bens e serviços essenciais ao crescimento humano dos cidadãos: neste caso a complementaridade entre Estado e mercado é sobremaneira necessária.
Pontifício Conselho Justiça e Paz, Compendio de Doutrina Social da Igreja, Nos. 351-353, Roma, 2004
4. CAPITALISMO. Se por “capitalismo” se indica um sistema econômico que reconhece o papel fundamental e positivo da empresa, do mercado, da propriedade privada e da conseqüente responsabilidade pelos meios de produção, da livre criatividade humana no sector da economia, a resposta é certamente positiva, embora talvez fosse mais apropriado falar de “economia de empresa”, ou de “economia de mercado”, ou simplesmente de “economia livre”. Mas se por “capitalismo” se entende um sistema onde a liberdade no setor da economia não está enquadrada num sólido contexto jurídico que a coloque ao serviço da liberdade humana integral e a considere como uma particular dimensão desta liberdade, cujo centro seja ético e religioso, então a resposta é sem dúvida negativa.
Papa João Paulo II, Encíclica Centesimus annus, no. 42, Roma, 1991
5. ECONOMIA E MORAL. Ainda que a economia e a moral se regulam, cada uma no seu âmbito, por princípios próprios, é erro julgar a ordem econômica e a moral tão encontradas e alheias entre si, que de modo nenhum aquela dependa desta. Com efeito, as chamadas leis econômicas, deduzidas da própria natureza das coisas e da índole do corpo e da alma, determinam os fins que a atividade humana se não pode propor, e os que pode procurar com todos os meios no campo econômico; e a razão mostra claramente, da mesma natureza das coisas e da natureza individual e social do homem, o fim imposto pelo Criador a toda a ordem econômica. Por sua parte, a lei moral manda-nos prosseguir tanto o fim supremo e último em todo o exercício da nossa atividade, como, nos diferentes domínios por onde ela se reparte, os fins particulares impostos pela natureza, ou melhor, por Deus autor da mesma; subordinando sempre estes fins àquele, como pede a boa ordem.
Papa Pio XI, Encíclica Quadragésimo anno, no. 23, Roma, 1931
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