5 de janeiro de 2011
Albert Mohler
3 de janeiro de 2011 (AlbertMohler.com/Notícias Pró-Família) — Em algum momento, antecipado e até temido por alguns pais, toda criança faz a pergunta inevitável: “De onde eu vim?” Essa pergunta é endêmica na raça humana. A pergunta sobre nossas próprias origens biológicas acaba se tornando inescapável. Nossa existência exige uma explicação, e a pergunta assume uma forma ousada. A resposta costumava ser fácil.
Isto é, a resposta era fácil em termos de biologia. De alguma maneira, a resposta tomava a forma de uma estória sobre duas pessoas, um homem e uma mulher, que se uniam e faziam um bebê. A mamãe e o papai faziam um bebê. Essa estória era tanto verdadeira quanto universal. Na maior parte da história humana, não havia uma estória alternativa. A resposta que os pais davam em 1960 era a mesma que eles davam no ano 1060 ou em qualquer ano anterior.
Tudo isso mudou com a revolução biológica e o surgimento de novas tecnologias reprodutivas. O desenvolvimento das tecnologias de Fertilização In Vitro (FIV) ocorreu somente depois que os seres humanos foram se acostumando ao controle reprodutivo por meio da pílula anticoncepcional. Se as tecnologias médicas podiam ser utilizadas para se evitar a gravidez, certamente as novas tecnologias poderiam permitir que casais tivessem filhos que eles aguardaram durante muito tempo, mas que não haviam chegado por meios naturais.
O público havia recebido a garantia de que o uso dessas tecnologias não provocaria uma revolução moral, já que a disponibilidade dessas novas tecnologias ficaria limitada aos casais casados. Mas é claro que essa foi uma promessa falsa, e deveria ter sido vista dessa forma desde o princípio. A pílula anticoncepcional no começo era prescrita apenas aos casais casados, mas o fato claro é que entre os indivíduos que não eram casados existia uma necessidade vastamente maior de anticoncepcionais. No começo da década de 1970, a pílula já estava à disposição de todos.
A mesma estória também foi aplicada ao uso da FIV. Se havia milhares de usuários potenciais entre casais casados, os indivíduos não casados e as duplas não heterossexuais superavam em muito esses usuários. O desenvolvimento da FIV e as revoluções produzidas por meio de doação de óvulos e espermatozoides e barrigas de aluguel fizeram, embora de forma redefinida, com que ser pai e mãe ficasse agora acessível a praticamente qualquer adulto e a qualquer dupla.
Essa revolução é retratada de modo comovente na matéria de capa de 2 de janeiro de 2011 da revista The New York Times. Em “Meet the Twiblings”* (tradução livre: veja os irmãos gêmeos), Melanie Thernstrom fornece um relato de como ela e seu marido se tornaram os pais dos bebês Violet e Kieran, que têm uma aparência adorável na capa da revista. O texto de capa contém esta questão provocadora: “Como quatro mulheres (e um homem) conspiraram para fazer dois bebês”.
Conforme reconhece Thernstrom, essa é uma historia complicada. Os dois bebês nasceram com uma diferença de cinco dias. Eles têm em comum a mesma mulher que doou os óvulos (obtidos de modo comercial) e um homem que doou o esperma (Michael, o marido de Thernstrom). Mas duas diferentes mães de aluguel fizeram a gestação dos bebês. Geneticamente, eles são irmãos, mas nasceram de dois diferentes úteros. Eles nasceram com uma diferença de cinco dias, mas não são na verdade gêmeos. Thernstrom os chama de ““twiblings”*.
Ela escreve de modo comovente acerca de seus esforços, com Michael, de ter um bebê. Depois de seis rodadas de FIV e claros conselhos médicos, o casal tomou a decisão de desenvolver um novo plano, mas o plano exigia muita consideração. A vantagem das novas tecnologias reprodutivas era evidente, assim como foi a revolução que essas tecnologias representam. Ela escreve: “A tecnologia reprodutiva preenche uma necessidade importante — e crescente. As duplas gays estão cada vez mais escolhendo ter famílias. Oito por cento das mulheres entre as idades de 40 e 44 anos se identificam como involuntariamente sem filhos ou esperando ficar grávidas, de acordo com um novo relatório do Pew. A maioria das mulheres nessa faixa etária terá condições de engravidar somente com óvulos de doadoras”.
Melanie e Michael queriam irmãos da mesma idade aproximada que crescessem como companheiros. Os gêmeos de FIV eram mais perigosos, de modo que Michael teve a ideia de usar duas mães de aluguel para ter dois bebês ao mesmo tempo.
O relato de Thernstrom acerca das complexidades do processo de tomada de decisões é fascinante, mas o que muitos leitores talvez não captem é o fato fundamental que virtualmente todas essas decisões eram absolutamente desconhecidas nas gerações passadas da raça humana. Eles quiseram escolher uma doadora de óvulos que se parecesse com Melanie? O casal Thernstrom estava mais interessado em características de personalidade, mesmo se essas fossem difíceis de definir em termos genéticos. Eles acabaram escolhendo uma doadora com uma personalidade “encantadora”.
Eles também escolheram as mães de aluguel com cuidado. Melanie comentou que preocupações acerca da barriga de alguém vieram tanto da parte de esquerdistas quanto de conservadores, mesmo que em diferentes bases. Ela escolheu duas mulheres que, engravidadas com os embriões criados pelos óvulos da doadora e o esperma de Michael, fizeram também a gestação das esperanças reprodutivas de Thernstrom.
Melanie e Michael se referiram a esses bebês como “versões preliminares”. Nas palavras dela, eles fizeram isso para “recordar a nós mesmos de que eles são anotações dos tipos de filhos que queremos, mas se eles morressem, eles eram só o começo como todos os embriões haviam sido, e começaríamos tudo de novo”.
Kieran nasceu primeiro, e Violet chegou cinco dias depois. Ambos são adoráveis e saudáveis. Contudo, os papéis das mães de aluguel não terminaram no nascimento, pois o casal Thernstrom — indo contra todos os conselhos comuns — escolheram manter um relacionamento com as mães de aluguel e com a doadora dos óvulos.
O que é interessante é que Melanie Thernstrom parece ver a complexidade desses nascimentos como de certo modo vantajosa. “Eu queria evitar o que vejo como claustrofobia da família nuclear”, explica ela. Ela se refere à teia de relacionamentos que se exige com esse processo como “um tipo de família estendida”.
Ela também reconhece as ambiguidades criadas por essas novas tecnologias. “A terceirização da reprodução cria todos os tipos de relacionamentos para os quais não existem ainda termos”, explicou ela. “Por exemplo, não há palavra para descrever o relacionamento entre nossos filhos e os filhos das próprias mães de aluguel, mas sinto que eles são, de certo modo, parentes. Eles são irmãos de gestação; eles não têm a mesma mãe, pai ou genes, mas tiveram sua gestação no mesmo corpo e aprenderam sua insondável linguagem química”.
Além disso:
Não há também palavras para descrever o relacionamento de nossos filhos uns com os outros. Nossos filhos nasceram com uma diferença de cinco dias — um fato que não dá para explicar com facilidade. Quando as pessoas me apertam sobre a situação deles (“Mas eles são realmente gêmeos?”), a resposta vai num rumo positivo. A palavra “gêmeos” geralmente se refere a irmãos que estavam no mesmo útero. Mas chamá-los apenas de “irmãos” em vez de “gêmeos” também provoca indagações porque irmãos genéticos plenos normalmente têm uma diferença de pelo menos nove meses de data de nascimento. E nossos filhos poderiam ser considerados da mesma idade porque foram concebidos ao mesmo tempo (no laboratório) e os embriões foram transferidos na mesma época. Se a pessoa continua a fazer objeções sobre se eles realmente têm as qualificações para serem gêmeos (como, de forma surpreendente, as pessoas muitas vezes fazem), em vez de perguntar o motivo por que isso importa, eu anuncio com toda a abertura que eles são “twiblings”*.
Quase uma semana antes, a celebridade da música pop Elton John e seu parceiro, David Furnish, “tiveram” seu bebê do sexo masculino. O jornal The Guardian (de Londres) explicou que o bebê veio “com a ajuda de uma mãe de aluguel anônima da Califórnia e de uma doadora de óvulo”. O nascimento do menino, chamado Zachary Jackson Levon Furnish-John, criou certa agitação na imprensa britânica, mas a principal questão de preocupação parecia ser o fato de que Elton John tem 62 anos e David Furnish tem 48. A questão da homossexualidade foi tão politicamente incorreta que a idade parecia ser o único fator de interesse. Zoe Williams do The Guardian chegou ao ponto de proclamar que o acontecimento inteiro levou à conclusão de que a “homofobia está morrendo”.
É como se agora estivéssemos vivendo num novo planeta — um no qual todos os limites naturais do sexo e reprodução foram deixados para trás. As tecnologias de reprodução estão redefinindo o sexo, os casamento, os relacionamentos, a família e a história humana. A humanidade está se precipitando de cabeça para um mundo em que a resposta para a pergunta “De onde vim?” poder ficar num estado de complicação sem fim. Não temos nenhuma categoria adequada para explicar o relacionamento dos pequenos Kieran e Violet e todos aqueles que “conspiraram” para trazê-los à existência. Lemos o anúncio do nascimento de Zachary Jackson Levon Furnish-John, e sabemos que as questões morais mais importantes já estão fora dos limites.
Uma indústria inteira está agora funcionando com um alcance global, oferecendo essas tecnologias reprodutivas para virtualmente qualquer indivíduo que tenha o dinheiro para pagar. Você pode estar certo de que as tecnologias reprodutivas continuarão se expandindo, pois sua indústria está crescendo.
As implicações teológicas e morais de tudo isso são intermináveis e urgentes, mas as tecnologias estão avançando com muita velocidade. Para os cristãos, a questão mais urgente é a total separação do casamento natural do processo da reprodução humana que essas tecnologias possibilitaram. As complexidades morais envolvendo Kieran e Violet Thernstrom e sua “família estendida” são preocupantes. Naturalmente simpatizamos com um casal casado que deseja desesperadamente um filho, mas o debate das escolhas da vida que leva tantos casais de idade avançada a desejar filhos agora, em vez de anos antes, é culturalmente fora dos limites.
E o nascimento de Zachary Jackson Levon Furnish-John para um idoso cantor pop e seu parceiro de mesmo sexo é só um sinal de coisas que virão. A pergunta “De onde eu vim?” poderá bem surgir como uma das perguntas mais frequentes e inquietantes de nossos tempos.
Este artigo foi reproduzido com a permissão de AlbertMohler.com
* Nota do tradutor: “twiblings” é a união de duas palavras em inglês, “twin” (gêmeo) e “sibling” (irmão).
Traduzido por Julio Severo: www.juliosevero.com
Veja também este artigo original em inglês: http://www.lifesitenews.com/news/where-did-i-come-from-its-no-longer-a-simple-question
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