ALERTA TOTAL
SEGUNDA-FEIRA, 3 DE JANEIRO DE 2011
Edição do Alerta Total – www.alertatotal.net
Por Jorge Serrão
A polêmica internacional criada pela decisão do ex-presidente Lula da Silva em não extraditar o cidadão italiano Cesare Battisti, condenado por terrorismo, traz à luz um problema por demais preocupante para nossas relações internacionais: a larga margem de interpretação deixada nos termos utilizados nos acordos de cooperação firmados pelo Brasil com outras nações.
O caso Battisti – que irrita os italianos - não foi a primeira vez em que nossas autoridades tiveram interpretações completamente diferentes sobre pontos de um acordo internacional. O acordo firmado com os Estados Unidos para combater cartéis ainda deixa dúvidas sobre aspectos fundamentais de sua aplicação. Quando falta segurança jurídica, as decisões são tomadas pelas conveniências políticas do momento.
No caso do tratado de extradição firmado com a Itália, a diversidade das interpretações de seus termos pode ser facilmente constatada por dois fatos: Primeiro, a apertada votação que dividiu o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF). Segundo, a demora da Advocacia Geral da União (AGU) em apresentar o parecer – diferente da decisão do STF – no qual se baseou Lula para conceder asilo político a Battisti.
Toda vez que duas nações amigas firmam um acordo de cooperação, espera-se que ambas as partes se empenhem ao máximo em cumpri-lo. Ninguém, em sã consciência, imagina que uma parte vá garimpar brechas deixadas nos termos do acordo para justificar eventuais decisões contrárias ao propósito do acordo. Se os termos não são perfeitamente precisos, para que sejam evitadas interpretações contraditórias, acabam valendo os casuísmos.
Acordo Brasil-Itália
Nada mais perfeito para comprovar a fragilidade desse acordo de extradição que a seguinte hipotética situação. Imagine se fosse preso na Itália um cidadão brasileiro, condenado pela justiça brasileira por ter comandado o hediondo assassinato, com requintes de tortura, de Celso Daniel, ex-prefeito de Santo André, cujos parentes se acham oficialmente exilados politicamente na França, com medo de morrer se pisarem em solo brasileiro?
Logicamente, era de se esperar que, devido à existência do acordo, em atendimento a pedido de nosso governo, o governo italiano extraditaria o criminoso para que ele cumprisse a pena no Brasil. Porém, tal extradição, aparentemente líquida e certa, na realidade não ocorreria, caso o “Lula italiano” entendesse que o ex-assassino-torturador poderia ter sua "situação agravada" caso fosse trazido para o Brasil, a fim de cumprir pena legalmente prevista.
Cesare Battisti, cidadão italiano, condenado pela justiça de seu país por quatro homicídios, entre os quais o assassinato de uma pessoa com vários tiros na nuca, militava no grupo extremista Proletários Armados pelo Comunismo (PAC) que barbarizou a Itália, nas décadas de 60 e 70. Pelos crimes hediondos cometidos entre 1977 e 1979, em março de 1993, Battisti foi condenado à revelia, já que havia fugido para a França.
Em 2004, o governo francês decretou a extradição de Battisti para a Itália. Mas o terrorista já havia fugido da França, vindo parar no Brasil. Usando a fachada de “escritor”, endeusado por lideranças de esquerda tupiniquins, Battisti foi preso em 2007. Aqui, a 2ª Vara Criminal da Justiça Federal do Rio de Janeiro condenou o ex-ativista a dois anos de prisão, em regime aberto. Motivo: ter entrado no Brasil com passaporte falso. Battisti recorreu da condenação e o processo ainda está em andamento. O Ministério da Justiça defende que Battisti pode cumprir a pena no Brasil. O ex-terrorista poderia prestar serviços comunitários e pagar a multa de dez salários mínimos (R$ 5,1 mil) – em vez de pegar prisão perpétua na Itália.
O rolo Battisti se arrasta desde janeiro de 2009, quando o então ministro da Justiça brasileiro, Tarso Genro, anunciou a decisão de conceder refúgio político ao ex-ativista do PAC. Diante das pressões lançadas pelo governo italiano, o caso foi parar no Supremo Tribunal Federal. Em setembro de 2009, o STF autorizou a extradição, mas determinou que a decisão final ficaria a cargo do presidente da República. Finalmente, em 31 de dezembro de 2010, o presidente Lula decidiu não extraditar para a Itália o italiano.
Lula tomou a decisão baseado em parecer da AGU, que considerou atentamente todas as cláusulas do Tratado de Extradição entre o Brasil e a Itália, em particular a disposição expressa na letra "f", do item 1, do artigo 3º do Tratado, que cita, entre as motivações para a não extradição, a condição pessoal do extraditando. Em seu parecer, a AGU alega que Battisti poderia ter sua "situação agravada" caso fosse extraditado. Com essa saída, no entender da AGU, o tratado de extradição entre o Brasil e a Itália não estaria sendo descumprido.
Na interpretação brasileira do artigo 3º do tratado, basta ao presidente ter "razões ponderáveis para supor que a pessoa reclamada será submetida a atos de perseguição e discriminação por motivo de raça, religião, sexo, nacionalidade, língua, opinião política, condição social ou pessoal; ou que sua situação possa ser agravada por um dos elementos antes mencionados".
Diante da soberana decisão de Lula, fica a pergunta: existe confiabilidade para a manutenção do acordo em questão?
Acordo Brasil-EUA
O acordo firmado pelo Brasil com os Estados Unidos para combater cartéis é outro acordo cujos termos deram motivos a interpretações que, praticamente, o inviabilizaram.
Tudo começou quando, em 1999, as autoridades norte-americanas ajudaram as autoridades brasileiras no combate ao cartel das vitaminas (caso Roche-Basf). Essa ajuda teve tanto êxito que motivou os dois países a firmarem um acordo de cooperação objetivando facilitar a troca de informações entre suas autoridades de defesa da concorrência.
Como não poderia deixar de ser, a sistematização da troca de informações entre as partes é a essência do Acordo, que entrou em vigor 2003, após exaustivas negociações. Procurou-se diminuir a burocracia e tornar mais célere a troca de informações entre as partes – que passou a ser obrigatória (exceto “se o fornecimento de tal informação for proibido segundo as leis da Parte detentora da informação, ou se for incompatível com os importantes interesses daquela Parte”).
Acontece que, no início de 2004, as autoridades brasileiras abriram um processo contra o cartel de gases medicinais e industriais. O caso do “Cartel do Oxigênio” parecia ter sido feito sob medida para a troca de informações prevista no Acordo Brasil-EUA. Até porque as mesmas empresas aqui investigadas também dominavam – diretamente, ou por meio de suas controladoras – o mercado norte-americano e já haviam sido processadas na União Européia, Chile e Argentina.
Como o caso do “Cartel do Oxigênio” não foi notificado às autoridades norte-americanas, em novembro de 2004, o engenheiro João Vinhosa denunciou ao representante do Ministério Público Federal junto ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) o fato de o Brasil estar descumprindo deliberadamente o Acordo firmado com os Estados Unidos para combater cartéis. A denúncia gerou o Procedimento Administrativo nº. 1.16.000.002028/2004-06 junto à Procuradoria da República no Distrito Federal.
Ouvida no processo, a Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça (SDE) afirmou que era incabível notificar os EUA. Alegou que não havia indícios que as acusadas atuavam como um cartel também no mercado americano. Em setembro de 2008, o MPF decidiu pelo arquivamento do Procedimento Administrativo.
No Despacho em que decidiu pelo arquivamento, o MPF foi ainda mais rigoroso que a SDE: não só teria que haver indícios que as acusadas atuavam como um cartel também no mercado americano, como tais indícios teriam que ter sido obtidos na própria investigação do cartel.
Em outubro de 2008, João Vinhosa apresentou recurso contra a decisão de arquivamento. Tal recurso foi indeferido, embora tivessem salientados os entendimentos contraditórios das autoridades brasileiras sobre o Acordo. Acabou julgada perfeita a interpretação do MPF segundo a qual a notificação só deveria ser feita se, dentro da própria investigação do “Cartel do Oxigênio” fossem coletados indícios que seus integrantes também praticavam o mesmo crime nos Estados Unidos.
Essa interpretação feita pelas autoridades brasileiras, na prática, inviabiliza o acordo com os Estados Unidos. Esperar que uma estrutura criminosa tão bem montada como um cartel internacional deixará pistas de que atua em outro país é sinal de muita inocência ou desmesurada má-fé.
Ironia do destino: se o Acordo já estivesse em vigor à época da cooperação havida no caso Roche-Basf (cartel das vitaminas), as “exigências” contidas em seus termos teriam inviabilizado a própria troca de informações ocorrida (que foi o embrião do Acordo).
No final das contas, fica clara a fragilidade de acordos internacionais firmados com o Brasil – um País onde reina a mais absoluta insegurança jurídica ou, em síntese, falta de Democracia, atendendo aos interesses da Oligarquia Financeira Transnacional que nos controla porque permitimos.
Vida que segue...
Ave atque Vale!
Fiquem com Deus.
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© Jorge Serrão. Edição do Blog Alerta Total de 3 de Janeiro de 2011.
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