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sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Conselhos de um experiente médico de família

CATOLICISMO

O Dr. Valdir Reginato, exercendo a medicina há quase três décadas, transmite sua ampla experiência e ótimas reflexões sobre valores familiares e o bom relacionamento entre pais e filhos

Dr. Valdir Reginato:

“As brigas e separações conjugais freqüentemente provocam desmoronamentos ou verdadeiros cataclismos, principalmente nos caminhos da infância”

Casado há 26 anos, pai de três filhos, o médico Valdir Reginato formou-se pela USP em 1981, adquiriu o título de Doutor em Ciências pela USP em 2005 e é especialista em Bioética pela USP. Atua em Medicina de Família e Terapia de Família. Membro do Centro de História e Filosofia das Ciências da Saúde da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Membro do Comitê de Ética em Pesquisa pela UNIFESP. Professor nas áreas de História da Medicina, Filosofia da Ciência e Bioética na UNIFESP, para os cursos de Biomedicina e Enfermagem. Introduziu em 2007 a disciplina de Espiritualidade e Medicina nos cursos de Medicina e Enfermagem na UNIFESP. Na área de orientação familiar, publicou o livro Aprendendo a ser pai em dez lições (Ed. Paulinas, 3ª edição). É coordenador da Pastoral da Família da igreja Nossa Senhora do Brasil e colunista da revista "Ser Família", com mais de 20 artigos publicados.
Para uma entrevista, a fim de transmitir sua experiência em assuntos relacionadas à instituição da família, que nos dias atuais é tão "bombardeada" por fatores de desagregação, gentilmente atendeu em seu consultório o colaborador de Catolicismo, Sr. Miguel da Costa Carvalho Vidigal.
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Catolicismo — O Sr. é conhecido por suas palestras sobre família, educação e terapia familiar. No que consiste esse trabalho? Como o Sr. chegou à conclusão da importância do assunto?
Dr. Valdir — Acredito que, por ser o quinto de oito irmãos, isto tenha sido um primeiro passo para perceber o valor da família no desenvolvimento pessoal. O processo de educação deve ser sempre considerado na sua forma global, com objetivos claros, ajudando as pessoas a conviver com a diversidade do comportamento humano e com as adversidades das circunstâncias da vida. Muitas vezes essa convivência é causa de doenças, mas ao mesmo tempo fator de colaboração para o tratamento, quando bem empregada. Ao longo da minha carreira de quase trinta anos como médico de família, isto ficou bastante claro, levando-me ao interesse pela terapia familiar.

Catolicismo — Em um mundo em que a família tem passado por um processo de desagregação, o que é ser pai, mãe e filho, sob o seu ponto de vista, para que ela não perca a própria razão de ser?
Dr. Valdir — Nos dias de hoje, tanto como nos de sempre, a relação entre pai, mãe e filho deve estar vinculada não só à origem biológica, sangüínea, mas também e principalmente à afetividade entre os membros da família. Uma variedade enorme de relacionamentos está sendo atualmente apresentada como "novas formas de família". Particularmente, não vejo na maioria desses grupos a proposta de "família", nem que seja respeitada a natureza do seu conceito antropológico. No caso da família, a afetividade está vinculada ao amor de compromisso, com que os pais buscam desenvolver seus filhos para que cresçam como pessoas, não como "meios de satisfação ou realização pessoal dos pais", sejam estes pais biológicos ou por adoção. Os filhos devem corresponder, em conseqüência, ao amor dos pais.


“Negar a Religião na educação é falha grave. Esta educação, como tantos outros hábitos e virtudes, deve ser passada na convivência familiar cotidiana”

Catolicismo — O Sr. pretende dar seqüência ao seu livro Aprendendo a ser pai em dez lições, com algo como "aprendendo a ser filho" ou "aprendendo a ser mãe"?
Dr. Valdir — Estou concluindo um novo livro de crônicas sobre "cenários do cotidiano familiar". Penso que poderá ser uma seqüência ao primeiro.

Catolicismo — Do que trata exatamente a cadeira "Disciplina de Espiritualidade e Medicina", que o Sr. introduziu nos cursos da Unifesp?
Dr. Valdir — A proposta responde a uma formação universitária que tem ocupado os estudantes com fundamentos muito alicerçados na tecnologia. Sem dúvida, o conhecimento técnico-científico é muito necessário para a formação dos profissionais da saúde, mas não se pode jamais esquecer que também eles são seres humano em sua plenitude, dotados portanto de espiritualidade. A própria Organização Mundial de Saúde, a partir de 1998, passou a incluir a questão da espiritualidade como dimensão para a saúde. Nos EUA, há mais de 20 anos este tema ocupa espaço curricular em mais de 100 faculdades de medicina, e aqui no Brasil estamos engatinhando. A receptividade dos alunos de medicina e enfermagem tem sido bastante otimista. Cada vez mais está se confirmando, dentro de metodologia científica, que a espiritualidade interage com a condição de doença-saúde nas pessoas, e quando bem utilizada pode trazer grandes benefícios aos pacientes.

Catolicismo — Qual a importância, para a educação de uma criança e de um adolescente, ter o pai e a mãe sempre juntos? Sob seu ponto de vista, há benefícios? Ou isso é mais ou menos indiferente, segundo apontam alguns?
Dr. Valdir — Costumo dizer que o amor dos pais constrói o "caminho da educação" para os filhos. Quanto melhor o relacionamento dos pais e maior o amor, mais segura será essa estrada. O contrário também é uma realidade, ou seja, as brigas e separações freqüentemente provocam desmoronamentos ou verdadeiros cataclismos nesses caminhos, principalmente na infância. Neste intuito, falamos aos pais que, se querem educar bem os seus filhos, procurem antes de mais nada verificar como está o relacionamento entre ambos. É verdade que casais bem unidos podem apresentar filhos com graves dificuldades; e também ocorre que pessoas bem estruturadas procedam de casais problemáticos. Contudo isto não é a regra, pelo contrário.

Catolicismo — Qual o relevo da religiosidade na formação dos filhos e na união da família?
Dr. Valdir — O homem é por natureza um ser religioso. Assim o verificamos na história da humanidade, em todas as civilizações, ainda que com grande diversidade de crenças. Mas o fato é que noventa por cento do mundo acredita em "um deus". Assim, passar aos filhos a crença dos pais é tão responsável quanto fornecer alimentação, vestuário e habitação. A opção de deixar para depois, conforme a escolha do filho, não me parece justa. Se o alimentamos e o colocamos na escola sem questionamentos, por que esperar que a religião resulte de uma escolha por livre decisão? Negar a religião no processo de educação é falha grave. Esta educação, assim como tantos outros hábitos e virtudes, deve ser passada na convivência familiar cotidiana. Isto se faz em pequenas atitudes desde o despertar — no horário das refeições, nas dificuldades e doenças, nas alegrias conquistadas, nos desafios que se apresentam — até o agradecimento a Deus ao deitar.

Catolicismo — Sabemos que o Sr. atua em uma área na qual muitos tentam afastar os aspectos religiosos. Entretanto vemos que age com predominante espírito católico, inclusive procura se dedicar militantemente a um apostolado no qual medicina, religião e família se confundem e se complementam. O Sr. acredita que as pessoas em geral recebem bem essa posição? Ou ela encontra muita resistência?
Dr. Valdir — O ser humano deve buscar agir com unidade de vida. Isto significa que não podemos ser João na igreja, Joaquim no trabalho e José em casa. A diversidade de circunstâncias exige que o comportamento seja adequado a cada situação e momento, no entanto religião, família e trabalho são parâmetros que não podem alterar o que uma pessoa é. Lembro-me de um paciente português que, embora reconhecendo sua "ignorância escolar", afirmava com enorme sabedoria de vida: "Siga sempre uma hierarquia: primeiro Deus, depois a família, e em terceiro lugar o trabalho. Quando esta ordem estiver trocada, você não estará bem". Viver esta hierarquia com unidade de vida é um desafio a cada dia, mas acredito ser isto o que se deve buscar. Esses elementos se complementam, mas não são equivalentes, pois a participação de uma ou outra é proporcional às condições que se apresentam. Assim, a maior resistência que podemos encontrar, para viver essa unidade de vida, não estará fora de nós, mas dentro de nós. A luta interior é muito maior do que a resistência dos obstáculos externos.


“O Natal é o momento de se recolher na gruta de Belém e contemplar o milagre do nascimento de Cristo. É uma pena que tenham tornado o Natal uma festa de comércio”

Catolicismo — A presidente eleita do Brasil declarou diversas vezes, em seu passado, ser favorável à descriminalização do aborto. Mas durante a campanha eleitoral ela afirmou ser pessoalmente contrária à prática abortiva. No intuito de se explicar perante a sociedade sobre o que poderá fazer a favor do aborto, insistiu que o tema é uma "questão de saúde pública". O que o Sr. espera do novo governo nessa área? Como médico, parece-lhe que o aborto se resume a uma "questão de saúde pública"?
Dr. Valdir — Não vou falar de política, muito menos da futura presidente. Refiro-me somente à questão do aborto. Cientificamente, quanto mais nos aprofundamos no estudo do embrião, mais temos motivos científicos para afirmar que um ser humano se origina no momento da união do espermatozóide com o óvulo, constituindo-se o zigoto. Isto já não pode ser mais considerado questão de opinião ou de gosto, é científico. Assim, o aborto provocado passa a ser um crime. Na busca de justificação para o aborto, encontrou-se nos problemas sociais um forte argumento de caráter psicológico na questão do estupro. Não temos espaço aqui para uma reflexão aprofundada sobre o assunto, mas não posso imaginar que se mate o inocente por causa de alguém que cometeu grave crime de agressão à mulher. Além desse caso, fetos mal formados são seres humanos que precisam cada vez mais ser ajudados pelo desenvolvimento do conhecimento científico, e não eliminados. Assim caminha a medicina desde sempre, buscando meios de tratar os doentes, e não meios de matar os doentes para eliminar a doença. Quanto a ser "questão de saúde pública", eu concordo, só que num âmbito radicalmente oposto ao que se está propondo. Precisamos, isto sim, de uma política que promova uma educação para valorizar a mulher desde a infância; que valorize o compromisso respeitoso do relacionamento entre um homem e uma mulher; que dê uma assistência adequada à gestante; que amplie a reflexão sobre o sentido da vida, desde a sua concepção até a morte natural.

Catolicismo — Estamos em um período natalino, quando normalmente as famílias se reúnem. Em que medida essas reuniões familiares — não apenas no Natal, mas ao longo de todo o ano — influem na constituição de um lar harmônico?
Dr. Valdir — Viver em família deve ser necessariamente uma busca e uma construção para o objetivo da felicidade. Isto é o que toda pessoa deseja: ser feliz! Na família não pode ser diferente. Felicidade não é somente comemoração, mas deve estar presente nas atividades de trabalho, dos afazeres cotidianos do lar, no lazer. Certamente as comemorações são ocasiões muito propícias, e a ocasião do Natal é a mais adequada para a reunião em família. Que outra festa reúne mais o espírito de família que o Natal? É um período que se inicia com o advento, e passo a passo vamos nos preparando para a espera do nascimento de Jesus. É o tempo de contar às crianças a história deste Menino, para que O conheçam e cresçam na sua amizade. É o tempo para que os maiores se esforcem especialmente na prática de virtudes, em preparar o coração mediante o esforço de ações concretas de colaboração no lar ou ajuda aos mais necessitados. É a época em que se deve viver como nunca o perdão e a reconciliação. É o momento de nos recolhermos na gruta de Belém e contemplar o milagre do nascimento de Cristo. É uma pena que tenham tornado o Natal uma festa de comércio. É preciso recuperar o verdadeiro e único sentido do Natal: o nascimento de Jesus para os homens de boa vontade.

Catolicismo — Qual mensagem a Sagrada Família pode trazer neste Natal de 2010?
Dr. Valdir — A Sagrada Família deve ser uma convivência permanente em todos os lares, e não somente uma mensagem durante o Natal. Há alguns anos, sempre que sou convidado para um casamento, presenteio os noivos com uma imagem da Sagrada Família; e nos cursos de noivos, peço que eles a tenham num lugar visível da casa. O espaço destinado a esta entrevista é muito pequeno para se falar amplamente da Sagrada Família. Mas sugiro aos que a leram até aqui, que fechem seus olhos e olhem para os seus corações. Percorram o caminho de vida que os da Sagrada Família fizeram, descrito nas poucas passagens do Evangelho. Vivam as suas dores e as suas alegrias. Percebam a simplicidade do viver. Aprendam a trabalhar com eles no Amor. Enriqueçam-se com o tesouro da sua pobreza. Sejam livres com o exemplo da sua obediência. Orgulhem-se de serem filhos de pais tão humildes. Sintam a imensa felicidade que há na paz do lar de Nazaré. Assim será impossível não querer levar ao mundo a Boa Nova do Natal a todos os homens de boa vontade.

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