SEG , 29/6/2009
O que dizer de juízes que negam ser crime pagar por sexo com menores? No Brasil, um absurdo desses acontece no século XXI. Logo num país em que a prostituição infantil é epidêmica em regiões carentes. Lemos relatos de crianças que vendem o corpo por um cachorro-quente, por drogas, por um prato de comida. Em vez de punir de forma exemplar os “clientes”, numa tentativa de coibir a prática vergonhosa, o Brasil os absolve em duas instâncias da Justiça.
Os primeiros magistrados a lavar as mãos foram os do tribunal do Mato Grosso do Sul. Os segundos são do Superior Tribunal de Justiça (STJ). E a conseqüência é previsível: o Brasil acaba de ser criticado oficialmente pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância e Juventude (Unicef). “É uma aberração, uma interpretação equivocada e absurda do Estatuto da Criança e do Adolescente”, diz Ariel de Castro Alves, do Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e Adolescentes.
Para lembrar e entender a história: em 2003, José Luiz Barbosa – Zequinha Barbosa (campeão mundial em 1987 na corrida de 800 metros rasos) – e o ex-assessor Luiz Otávio Flores da Anunciação pagaram R$ 80 a duas meninas de 12 e 13 anos, que trabalhavam como prostitutas. E fizeram sexo num motel.
O tribunal do Mato Grosso do Sul absolveu os réus simplesmente porque não foram eles que iniciaram as meninas na prostituição. O juiz estadual afirmou que “as prostitutas já esperam os clientes na rua e não são mais pessoas que gozam de uma boa imagem perante a sociedade”.
Não sei o que dizer de tamanha omissão e deturpação da lei e do bom senso. A Unicef reagiu com estupor em nota divulgada hoje: “Por incrível que possa parecer, o argumento usado é o de que os acusados não cometeram um crime, uma vez que as crianças já haviam sido exploradas sexualmente anteriormente por outras pessoas.”
O Brasil assinou a Convenção sobre os Direitos da Criança, em 1990. Isso quer dizer que o país se compromete há quase 20 anos a proteger suas crianças da exploração sexual. Mas, por decisão de nossos juízes, exploração sexual é legal, desde que seja remunerada?
Segundo a Unicef, é como se a Justiça brasileira se mostrasse insensível à situação de vulnerabilidade à qual as crianças estão submetidas. Como se partisse do pressuposto que as crianças têm o mesmo poder de decidir de adultos. E cria um precedente perigoso, “como se nossas crianças estivessem à venda no mercado perverso de poder dos adultos.”
Para nossos digníssimos magistrados, crianças prostitutas estão fora do Estatuto da Criança e do Adolescente. O STJ só condenou os réus por “portar material pornográfico“. Eles fotografaram as meninas nuas.
Como disse a pedagoga Maria do Rosário Nunes, deputada federal pelo PT gaúcho e relatora da CPI que investigou a exploração sexual de crianças e adolescentes no Brasil, “o caso das crianças de Mato Grosso do Sul choca por sua brutalidade e perversidade”. Ela escreveu há seis dias um belo e triste artigo no jornal A Folha de São Paulo chamado Meninas invisíveis. Maria do Rosário também chama a atenção para o fato de que as meninas teriam sido espancadas: “O cioso tribunal silenciou quanto ao fato de as meninas terem sido agredidas fisicamente, o que, por si só, já agrega traços de sadismo e violência que deveriam agravar a situação dos réus”. As meninas foram assediadas e contratadas num ponto de ônibus.
Seis anos depois do sexo pago com as meninas, com a agilidade e a presteza de nossa Justiça, é isso que conseguimos produzir de sentença. O que nos tornaremos, aos olhos dos brasileiros, e aos olhos do mundo caso essa sentença seja mantida?
Isso é uma vergonha. Penso que, agora, deveriam ser enquadrados os juízes. Não foram divulgados os nomes deles na imprensa. Mas é a 5ª turma do STJ. Que turma.
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