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quarta-feira, 3 de novembro de 2010

A Lei de Herodes

HEITOR DE PAOLA


A Lei de Herodes

A.C. Portinari Greggio

O título foi tirado dum provérbio usado nos botequins do México para ilustrarsinucas de bico, ou situações ruins e sem saída: Aqui es la ley de Herodes:¡o te chingas, o te jodes!

O dilema da Oposição brasileira nas próximas eleições – refiro-me à oposição de verdade, à Direita das catacumbas, que sobrevive na Internet e nas quebradas da política – está definido na Lei de Herodes. A escolha entre Dilma e Zé Serra é tão ruim que não dá para optar pelo menos pior, como tem sido a regra nas eleições das últimas décadas. Ambos são piores, se é que se pode imaginar algo assim.

Como Dilma representa a continuação cada vez mais abusiva da quadrilha que está no poder, conseguiu polarizar, contra a sua candidatura, vastos setores da esquerda: a “autêntica”, a meia-esquerda, a terço-esquerda, a quarto-esquerda e a centro-esquerda. Preocupadíssimos com o futuro, olham ao redor em busca de socorro e, pela primeira vez, sentem falta duma Direita política que possa contrabalançar o perigo.

Mas a política brasileira virou uma gangorra cheia de gente, todos amontoados do mesmo lado. Como a direita não existe, o único recurso dos meio-esquerdistas assustados é engolir… eu ia dizer orgulho, mas essa gente não o tem. Sei lá: engolir o que seja, e aproximar-se das Forças Armadas.

É patético. Patético, não no sentido do pathos das tragédias gregas, mas dos Três Patetas do cinema. Para gente que desde a juventude se cevou e mais tarde prosperou no ódio aos militares, socorrer-se com os mesmos militares contra o monstro corrupto e raivoso que ajudaram a criar, equivale ao classico haraquiri à brasileira, modalidade de suicídio que consiste em enfiar a própria cabeça no vaso sanitário e acionar a válvula. Cada um tem o fim que merece.

Por isso, de repente, Zé Serra. Vamos para o segundo turno, e todos, numa improvisada frente de oposição, vão trabalhar por ele, só por receio da Dilma.

Sem querer ser do contra ou defender a Dilma – A’udhu billah miin ash-sheitan ir-rajiimi, como dizem os muçulmanos – peço vênia aos leitores do Inconfidênciapara algumas considerações sobre Serra. Faço-o tão somente para sugerir que as mentes lúcidas se mantenham vigilantes e sem ilusões nessa Ley de Herodes que nos impingem como democracia.

Tanto Serra como Dilma têm convivido de mau grado com o problema das Forças Armadas. Não que elas incomodem alguém: seu comportamento tem sido exemplar. Mas é justamente isso que perturba os dois. As pesquisas de opinião pública indicam que o prestígio popular das Forças Armadas é altíssimo, enquanto o dos políticos é baixíssimo. O rancor e o medo dos políticos afastou as FFAA do cenário político, fazendo desaparecer a ligação orgânica entre as Armas e o Poder. Destarte, o Brasil virou uma anomalia histórica, na qual os políticos têm o Poder, mas não dispõem da Força. É óbvio que esse sistema é inerentemente instável, e exige alguma providência.

Dilma e o PT certamente sonham substituir as Forças Armadas por alguma milícia popular semelhante à montada por Chávez na Venezuela. Mas isso poderia ser a gota d’água. Com a oposição civil unida numa frente ampla, como a que está a formar-se nesse momento, o governo do PT que enveredasse por esse caminho poderia provocar a ruptura do pacto político, suscitando crise tão profunda que exigiria a intervenção das Armas. O resto seria imprevisível. Com sorte, seria até possível que o Brasil saísse dessa crise com sistema mais estável, mediante o surgimento duma Direita suficientemente forte para garantir o equilíbrio político e a reinserção das FFAA na política, da qual nunca deveriam ter saído.

E com Serra, qual seria o cenário?

É difícil saber, devido à opacidade do candidato. Tudo o que ele diz são frases feitas, cuidadosamente pasteurizadas para não mexer com nada que possa comprometê-lo perante o eleitorado, não o seu, mas o dos adversários (dá para entender?). Não é nem nunca foi candidato de oposição, simplesmente porque não há oposição no Brasil.

Se Zé Serra fosse oposição de verdade, ficaria à frente dos milhões de brasileiros que trabalham, pagam impostos, não aceitam esmolas nem subornos, têm vergonha na cara e se indignam com a depravação da quadrilha no poder. E não teria medo de encarar os outros milhões de brasileiros que não trabalham, não pagam impostos, vivem de esmolas, favores e sinecuras, não têm vergonha na cara e, sentindo-se vindicados no seu crônico ressentimento, gostam de ver seus caciques metendo a mão no dinheiro do governo que, de qualquer modo, vem dos otários que num gósta di nói i nói num gosta diêlis.

Mas a campanha presidencial de Zé Serra não é contra: é a favor. Seu objetivo não é enfrentar as coortes de milhões de parasitas que votam no petê: é seduzi-los, atraí-lo para o seu curral, tornar-se ele próprio o seu novo Papa Doc.

Quanto aos descontentes e indignados, esses vão votar em Zé Serra porque não têm outra escolha. E ele, sabendo disso, pouco se lixa para os que deveriam ser os seus eleitores naturais. Nem sequer precisa pedir os seus votos: queiram ou não queiram, as elites, a pequena burguesia, a direita, a reação –  ou seja, a população civilizada do Brasil – terão de votar nele, se quiserem escapar de coisa pior.

Serra não fez serviço militar, não sabe manejar armas, e parece ter no sangue aquela coisa herdada de antepassados imigrantes, uma inata desconfiança de paisano com relação a militares e policiais. Tal como Henrique e os camisolões fabianos, ele no fundo talvez ache que as Forças Armadas são desnecessárias num país sem guerra à vista.

Diferente da turma do PT, que adota o comunismo dos cucarachas, com camisas vermelhas e camponeses fajutos desfilando com facões e enxadas – Serra parece ter formação mais chegada ao estalinismo – se não em conteúdo, pelo menos em estilo e método.

Se for assim, sua solução para o incômodo causado pelas FFAA será afastá-las ainda mais do  Poder e substitui-las por uma super-organização policial federal, de universal jurisdição, que subordinará indiretamente as polícias estaduais. Essa organização, semelhante ao KGB, à Stasi ou à Mukhabaraat de Saddam Hussein, seria a Força instrumental do seu governo e, para todos os efeitos práticos, substituiria as Forças Armadas.

Os efeitos dessa política seriam desastrosos para a existência da Nação. Por quê?

Embora o leitor talvez já tenha a resposta, não dá para elaborar neste espaço. Fica para o próximo Inconfidência, que provavelmente só sairá quando o novo, ou a nova, Presidente do Brasil estiver definido, ou definida.

Antes de encerrar: a frase em árabe citada ali acima quer dizer: Em Deus me refugio contra o Demônio. Usa-se para exorcismar o Próprio.

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