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terça-feira, 19 de outubro de 2010

Multiculturalismo

DEXTRA
MONDAY, OCTOBER 18, 2010

Victor Davis Hanson, 27 de setembro de 2010
Artigo original AQUI.

O multiculturalismo agora é o árbitro final de toda a sensibilitade esquerdista. Deixe eu explicar.

O esquerdismo professa uma igualdade radical. Mais recentemente, ele extendeu esta idéia para a cultura em geral. Do mesmo jeito que devemos ter assegurada a igualdade aqui, da mesma forma, também os que estão no estrangeiro devem ser vistos como nossos iguais, do ponto de vista da cultura coletiva.

Mas com uma equivalência moral destas, surgem problemas lógicos: ao passo em que ela ataca violentamente quaisquer supostos inimigos da tolerância em casa, ela estranhamente acha isso tudo muito inconveniente quando olha para o exterior.

Veja a idéia da diversidade. Este conceito postula que a sociedade é enriquecida por um mosaico de diferentes religiões, raças e grupos étnicos - todos corretamente iguais perante a lei, todos um tanto diferentes uns dos outros.

A maioria das nações do mundo, entretanto, não são muito diversas racialmente. Muitas vêem a unidade racial como uma vantagem - não um prejuízo. E na medida em que são diversas, a maioria tende a promover uma casta sobre outra. Nenhum saudita quer uma salada de inter-matrimônios com cristãos e judeus. Poucos coreanos parecem querer mais cidadãos nipo-coreanos ou cabojano-coreanos para enriquecer sua cultura. Os chineses não anseiam por honrar seus poucos milhões de irmãos muçulmanos. 

E se, por exemplo, um americano branco, pardo ou negro emigrasse para a China, ele nunca seria completamente aceito na sociedade chinesa - mesmo se obtivesse cidadania plena, dado que ser genuinamente chinês implica numa aparência particular chinesa.

Se fosse para 12 milhões de Smiths e Joneses cruzarem a fronteira sul para dentro do México e obterem anistia por sua entrada ilegal, eles nunca seriam vistos como cidadãos totalmente "mexicanos." A auto-identificação dos mexicanos inclui o conceito racial de "La Raza," no qual a aparência também é imprescindível para a filiação ao corpo político - talvez do modo que a Alemanha um dia definiu a germanidade, como sendo parecer com a parte do "Volk".

Em resumo, a nação mais racial e etnicamente diversa na face da Terra muitas vezes condena a si mesma por suas supostas falhas internas. E no entanto, não estamos interessados em aplicar critérios igualmente severos no exterior, onde o estimado conceito de diversidade ou não existe ou é abertamente rechaçado.

O multiculturalismo tudo vence.

A sugestão de que há racistas vietnamitas, palestinos sexistas ou chineses intolerantes nos fazem parar um instante: estaríamos julgando injustamente ou pelo menos sendo desnecessariamente insensíveis ou intrusivos demais nos assuntos alheios? Entretanto, se fosse para charmarmos os holandeses, alemães ou britânicos de intolerantes - os quais são muito mais liberais em seu tratamento de mulheres, gays e minorias do que seus colegas globais - nos sentiríamos menos ofensivos? Os que praticassem esta ofensa, afinal de contas, poderiam ser estereotipados como representativos de uma cultura branca, ocidental e (anteriormente) cristã.

Nossas idéias sobre igualdade são igualmente esquizofrênicas. Considere a paridade de gênero. Só na Europa e em algumas áreas ocidentalizadas do mundo asiático as mulheres de fato alcançam o mesmo tipo de igualdade legal e social que se julga natural nos Estados Unidos. Entretanto, em discussões sobre, digamos, o Oriente Médio árabe, a maioria de nós silencia em relação a um apartheid de gênero que é praticado por todo o mundo muçulmano.

Este abismo entre o fervor esquerdista com o qual insistimos em um vocabulário neutro do ponto de vista do gênero em casa e a relutância pouco liberal em criticar a circuncisão feminina forçada e os casamentos arranjados de noivas menores de idade no exterior é simplesmente inexplicável. Nos preocuparmos em pôr nossa própria casa em ordem enquanto somos polidos o bastante para não julgar os outros é uma coisa; outra muito diferente é amplificar nossos delitos menores enquanto minimizamos os crimes graves dos outros.

De algum modo, este paradoxo se faz aumentar quando examinamos Israel e seus vizinhos. Em face deles, Israel é uma utopia social: as mulheres gozam de completa igualdade. Os gays vão bem. Há um milhão de cidadãos árabes de um país supostamente judaico que votam em eleições livres que são raras em outras partes do Oriente Médio.

Em Israel, uma mulher árabe goza de mais direitos, como definidos pela lei no Ocidente, do que em um país árabe, onde, aliás, ser uma moradora judia envolveria perigo físico.

A diversidade racial é visivel na rua, em Israel. Contrastando com isto, novamente, a vida na Cisjordânia ou na Faixa de Gaza, por qualquer critério esquerdista, está, em comparação, no máximo, no século XVIII: as mulheres muitas vezes estão cobertas de véu e carreiras fora do lar rotineiramente lhes são negadas. O cristianismo é praticado principalmente em enclaves. A apostasia do Islã é quase um suicídio. Em outras palavras, em matéria de raça, gênero ou tolerância religiosa, a maioria dos inimigos de Israel deveria receber a condenação da esquerda ocidental, enquanto Israel deveria receber elogios.

Na verdade, pegue os pontos de discussão de um líder do Hamas e ponha na boca de um pregador com terno engomadinho em um programa de TV no domingo de manhã e ele seria expulso do púlpito como um fanático e sextista retrógrado e perigoso

O problema para Israel, é claro, é que, pela doutrina do multiculturalismo, o seu único pecado de ser ocidental  supera os muitos pecados de seus vizinhos não-ocidentais. E nos assuntos mesmos é que a hipocrisia é mais evidente: os cipriotas são invadidos e divididos pelos turcos; sua capital, Nicósia, continua dividida. O Tibete está ocupado pelos chineses. Os iraquianos, egípcios e a maior parte do Mundo Árabe limparam etnicamente os judeus de suas cidades depois das guerras modernas do Oriente Médio, nos anos 60 e 70. Os sírios usaram força 'desproporcional' ao arrasarem a cidade árabe de Hama. Entretanto, estes fatos são todos ignorados, dado que as auto-denominadas vítimas é que estão vitimando, agora.

O que está acontecendo aqui? Multiculturalismo.

Nos últimos trinta anos, o multiculturalismo - nenhuma cultura pode ser pior em nada do que o Ocidente - superou todos os aspectos do liberalismo clássico. O multiculturalismo empena de uma só vez nosso senso de julgamento, no exterior, enquanto nos impede de apreciar a natureza de tolerância única de uns Estados Unidos multi-étnicos, em casa.

Em termos reducionistas, o que se espalhou foi o seguinte: em reação a um inegável preconceito racial e discriminação sexual em nosso passado, os homens cristãos brancos do Ocidente foram vistos quase que exclusivamente como traficantes de privilégios baseados em exploração de classe. Portanto, na medida em que a pessoa se distanciava daquele perfil - tanto em termos físicos quanto culturais - considerava-se, igualmente, que ela ficava mais livre de suas patologias e, portanto, isenta da crítica ocidental. Para muitas elites privilegiadas, uma advocacia espalhafatosa do multiculturalismo é a quadratura do círculo de desfrutar da boa vida que provem de uns 234 anos de liberdade e capitalismo americano com ser libertado dos supostos fardos do racismo, sexismo, colonialismo e imperialismo americanos passados - e todos os outros 'ismos' que supostamente deram aos homens brancos um privilégio singular. 

Entretanto, nesta narrativa vitimista de raça/classe e gênero da última década, não se acha em parte alguma qualquer reconhecimento de que tais preconceitos são da natureza de todos os humanos. Os muçulmanos do Oriente Médio importaram tantos escravos quanto os norte-americanos.

A discriminação religiosa e de classe na Índia ou na Arábia Saudita, hoje, supera qualquer coisa no passado recente da América. Os japoneses e chineses se mostram extremamente xenofóbos, muitas vezes em termos ostensivamente raciais. Entretanto, só no Ocidente e nos Estados Unidos é que as tradições da auto-crítica trabalham para suprimir estas paixões tribais humanas infelizes e inatas.

Por outro lado, demonizando o homem branco proverbial e a cultura que ele gerou, nós outorgamos uma isenção imerecida à sua antítese superficial: quanto maior a suposta distância deste estereótipo, mais abrangente o perdão.

Funciona assim: as assim chamadas "pessoas de cor" no estrangeiro frequentemente têm pego carona nas narrativas vitimistas das mulheres, gays, minorias e não-cristãos americanos. Este novo "outro" estrangeiro, então - mesmo que não tenha sofrido nenhuma opressão dos Estados Unidos - goza de um status proverbial de vítima entre muitos americanos influentes. Um jovem Barack Obama, de ancestralidade queniana e branca, pode desfrutar de uma ação afirmativa federal, aparentemente baseando-se  na teoria de que sua aparência lembra a daqueles afro-americanos cujos pais foram um dia escravos e ainda sofrem as consequências de tal servidão e discriminação posterior. Um alien ilegal pode cruzar a fronteira de Oaxaca e imediatamente se qualificar para apreciação como um "latino," aparentemente baseando-se  na lógica de que ele lembra os que citam décadas de preconceito racial. E é claro, tal consideração funciona para eximir os outros de  críticas sobre até a pior intolerância religiosa, racial e sexual. Um Rev. Wright não pode ser realmente um racista, apesar de zombar dos judeus, italianos e brancos em geral - dado que a situação de seus ancestrais e sua própria aparência o puseram errôneamente no balcão das vítimas.

Qual é o salário desta nova tirania do multiculturalismo?

Primeiro, a duplicidade de critérios é insustentável. Depois que divinizamos o multiculturalismo, tudo o mais se torna subordinado. Não há razão por que as feministas deveriam se opor a que imigrantes muçulmanos arrangem casamentos ou pratiquem circuncisão feminina dentro dos EUA. Em resumo, o multiculturalismo vai por fim desacreditar o feminismo liberal e toda a idéia de tolerâcia religiosa e racial universal.

Segundo, a intolerância só vai crescer, quando os outros sentirem que os Estados Unidos carecem da confiança em seus próprios valores para estender seus princípios auto-críticos pelo estrangeiro. Já agora, os países não só sorriem diante da idéia de que uns Estados Unidos esquerdistas auto-declarados não se mostrem tão bravos em suas críticas no exterior, mas também acreditam, mesmo que de forma condescendente, que os não-ocidentais gozam do mesmo tipo de alta base moral que lhes blinda de um exame moral. 

Terceiro: as contradições levam à caricatura. Isto teve sua melhor demonstração no último verão, no Cairo, quando o presidente Obama sustentou falsamente certas realizações históricas por parte do Islã - desde ajudar a fomentar o Renascimento e o Iluminismo europeu até a oposição à Inquisição cristã em Córdoba - tudo enquanto sublinhava os defeitos do Ocidente. O problema não foi só que nem a platéia dócil do presidente Obama acreditou em tudo aquilo, mas que eles também extraíram certo prazer de sua estranha avidez em dobrar a verdade a seu favor. Aqui em casa, os apoiadores não se importaram com seu presidente ter inventado e distorcido os fatos; era sua intenção de estender a mão ao outro que importava.

O multiculturalismo é um bom lembrete de que quando os parâmetros são relativos, não há parâmetro nenhum.

Tradução e links do blog DEXTRA.

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