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terça-feira, 19 de outubro de 2010

Espírito Santo em apuros: ISTO SIM É CRIME ORGANIZADO - Operação Naufrágio: TJES não tem isenção para julgar os desembargadores corruptos, afirma o MPF

SÉCULO DIÁRIO
15/10/2010

Entenda a OPERAÇÃO NAUFRÁGIO. Trecho:

"No dia 9 de dezembro de 2008, o Tribunal de Justiça do Estado amanheceu abalado por um escândalo sem precedentes. Três desembargadores, um juiz, dois advogados e uma servidora foram presos acusados de vendas de sentença. O Ministério Público Federal (MPF) foi taxativo ao dizer que os acusados transformaram o TJES em um balcão de negócios.

Mal o Tribunal se recuperara do primeiro baque, uma segunda denúncia estarreceu a sociedade capixaba. Dos 24 desembargadores do Estado, 17 faziam parte de um organograma sobre o nepotismo. Empregavam mais de 70 servidores. A nova denúncia era de que os concursos públicos eram fraudados para o ingresso de familiares e apoiadores de desembargadores, tudo para mascarar a prática de nepotismo, condenada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Os desdobramentos do caso levaram a uma listagem de mais de cem familiares, um esquema que envolve toda a estrutura do Judiciário capixaba. Do pleno do Tribunal aos cartórios, passando pelas comarcas da Grande Vitória e do interior.

O inquérito já chega a 78 volumes e as investigações continuam. A insegurança jurídica que se instalou no Espírito Santo dificilmente será superada, pois o escândalo causou sérios danos à estrutura da Justiça do Estado."


Nerter Samora

À medida que se aproxima o julgamento dos envolvidos na “Operação Naufrágio”, cresce a convicção do autor da denúncia, o subprocurador-geral da República, Carlos Eduardo de Oliveira Vasconcelos, de que falta isenção ao Tribunal de Justiça do Estado (TJES) para julgar seus integrantes flagrados em ações delituosas. Ele pediu que o Supremo Tribunal Federal (STF) julgue a ação sobre a venda de sentenças no Estado, no episódio que o Ministério Público Federal (MPF) classificou como “balcão de negócios”. Com a perda do foro privilegiado dos magistrados implicados, a Justiça estadual deveria ser responsável pelos julgamentos. Entretanto, o subprocurador vê falta de imparcialidade da maioria dos atuais desembargadores, apontando que 15 deles estão diretamente implicados nos fatos investigados.

Na peça entregue à Justiça, o subprocurador da República usa pela primeira vez a expressão “crime organizado” ao se referir ao escândalo no Judiciário capixaba. “Estamos falando aqui de crime organizado na sua acepção mais restrita e isenta das paixões que normalmente acompanham esta expressão”, resumiu ele, ao indicar que não há garantia de julgamento isento e justo no Tribunal de Justiça do Estado (TJES). Ademais, ele aponta que todas as investigações correm o risco de perecer se levada à análise da atual composição do Tribunal Pleno.

Entre os nomes relacionados pelo Ministério Público Federal (MPF), estão os atuais membros da cúpula do TJES, o presidente Manoel Alves Rabelo e o corregedor-geral Sérgio Luiz Teixeira Gama. Além dos ex-presidentes Álvaro Bourguignon, Alemer Ferraz Moulin e Adalto Dias Tristão, e futuros chefes do Judiciário capixaba, Pedro Valls Feu Rosa e Sérgio Bizzotto Pessoa de Mendonça. Todos eles com participação na formação dos clãs que dominam o Judiciário capixaba.

Na manifestação, o representante do MPF explica caso a caso as razões pelas quais os desembargadores estão impedidos, confrontando a realidade do Judiciário capixaba com as apurações feitas pela Polícia Federal. Sobre o envolvimento de Manoel Rabelo, por exemplo, o subprocurador aponta que as duas filhas do desembargador (Emanuelle Zago Rabelo e Roberta Zago Rabelo) figuram como beneficiadas no concurso público suspeito de fraudes – em investigação no Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Ele ainda faz constar que Roberta foi chefe de Gabinete durante a gestão de Frederico Guilherme Pimentel, preso e aposentado em função do Naufrágio, e que teria tido acesso ao gabarito da prova. A peça ainda cita que o clã de Manoel Rabelo também é integrado pela mulher, filho e um genro do magistrado, todos nos cargos de juízes estaduais.

O texto ainda expõe a relação do corregedor-geral, Sérgio Gama, com o ex-presidente Frederico Pimentel, além do fato de ele ser padrinho de casamento dos ex-juizes Frederico Luis Schaider Pimentel e Larissa Pignaton Sarcinelli Pimentel, também presos e afastados da magistratura. Pesam contra o corregedor a presença da mulher, sobrinha, filha e genro exercendo cargos de confiança ou efetivos no Judiciário capixaba, neste caso aprovados no concurso sob suspeita.

Sobre os ex-presidentes Alemer Moulin e Adalto Dias Tristão, a manifestação aponta a existência de parentes na estrutura do Judiciário. No caso de Alemer, ele indica 12 parentes sob suspeita com cargos no TJ e Assembleia Legislativa. Quanto à Adalto, o número de parentes aprovados no concurso sob suspeita é menor, são seis ao todo. Contudo, aparece a relação do filho, o advogado Rodrigo Campana Tristão, com o esquema de venda de sentenças.

Rodrigo Tristão é sócio de Aloízio Faria de Souza Filho, sobrinho do desembargador aposentado Alinaldo Faria de Souza – também denunciado na “Operação Naufrágio”. Eles são mencionados na relação com casos de venda de sentença, sobretudo no relacionamento com os empresários Adriano e Pedro Scopel. O escritório de Rodrigo também patrocinou os interesses de Jorge Góes Coutinho no processo de Euclenia Rufino dos Reis, suposta laranja de Góes na aquisição de um terreno com 900 mil m² na Barra do Jucu, em Vila Velha. A área foi adquirida pelo desembargador por R$ 38 mil, sendo que o valor comercial ultrapassa R$ 8 milhões.

Outra participação contundente de magistrado em episódios do Naufrágio é relacionada ao ex-presidente Álvaro Bourguignon, que assumiu o posto após a prisão de Pimentel. O subprocurador narrou que Bourguignon “liderou o Tribunal no sentido de instaurar procedimentos disciplinares contra integrantes da família Pimentel e os desembargadores presos, mas deixou de verificar outros agentes e irregularidades desvendadas pela investigação”. Fato que motivou um capítulo inteiro na manifestação, sugestivamente intitulada de “punir para preservar”.

O autor da denúncia do Naufrágio municia a manifestação com impedimentos contra os futuros presidente do TJES, caso os ritos do Judiciário sejam preservados. O texto cita o atual presidente do Tribunal Regional Eleitoral (TRE/ES) e provável sucessor de Rabelo, desembargador Pedro Valls Feu Rosa. Todos com parentes integrando a estrutura do Judiciário capixaba.

Sobre Pedro Valls Feu Rosa, a manifestação vai mais longe. O representante do MPF abre com um curto histórico do magistrado, eleito desembargador aos 28 anos de idade. No relatório policial, o nome de irmã do desembargador, Rosa Feu Rosa, aparece em diálogos como interlocutora em negociação de caso de venda de sentença.

Ele aborda ainda as relações políticas de Pedro Valls, que lhe possibilitaram integrar até mesmo o grupo de desembargadores (formado por Jorge Goes e Manoel Rabelo) que fizeram viagem oficial à China, para “visita técnica”, a convite e custeada pelo Grupo chinês Baosteel – até então pretendente a instalar uma grande siderúrgica no Estado.

Outro trecho da biografia do futuro presidente do TJES refere-se às movimentações na época do assassinato do juiz Alexandre Martins de Castro Filho. “Perseguiu juízes substitutos que se animaram a apontar vinculações da magistratura com o crime organizado, inclusive grupos de extermínio e, depois, foi relator do inquérito que apurou a morte violenta de um desses juízes, esforçando-se por eximir de culpa o juiz suspeito de mandante do crime”, narra Carlos Vasconcellos.

A relação de magistrados que considera suspeitos para analisar os envolvidos no Naufrágio ainda inclui os desembargadores Maurílio Abreu de Almeida, Anníbal de Rezende Lima, Carlos Henrique Rios do Amaral, José Luiz Barreto Vivas, Carlos Roberto Mignone e Ronaldo Gonçalves de Souza – todos com parentes entre aprovados em concursos suspeitos de fraudes.

A manifestação ainda atinge os desembargadores Fábio Clem de Oliveira e Namyr Carlos de Souza Filho por se absterem na votação de procedimentos administrativos relacionados ao caso, fato que pode ser explicado pelo fato de eles serem relatores de sindicâncias que não haviam sido julgadas – o que poderia inviabilizar até mesmo o julgamento, pois as denúncias analisadas eram muitas vezes correlatas.

De acordo com Carlos Vasconcelos, o artigo 102 da Constituição Federal confere competência originária ao STF em três situações distintas. Para ele, a hipótese em questão se insere na terceira figura, que se refere à ação em que mais da metade dos membros do tribunal de origem seja constituída, direta ou indiretamente, de interessados, mas também apresenta elementos da segunda situação, qual seja, aquela em que mais da metade dos membros do tribunal de origem esteja impedida de examinar a ação. “Boa parte dos desembargadores que integram o TJES já afirmaram suspeição ou impedimento em procedimentos disciplinares com objeto idêntico ao desta ação penal”, diz.

O subprocurador explica que o preceito visa a garantir a imparcialidade no julgamento da controvérsia, já que os interesses suscetíveis de comprometer mais da metade dos membros do Tribunal referem-se não apenas àqueles previstos na lei processual, mas, por óbvio, aos interesses pessoais, que acarretam suspeição ou impedimento. “No caso específico do Judiciário capixaba, não há garantia de julgamento isento e justo, ainda que seja possível a substituição dos desembargadores impedidos ou suspeitos do Tribunal Pleno, mediante a convocação de juízes de Direito. Por outro lado, seria ingenuidade supor ou esperar que ocorram declarações de impedimento da maioria dos desembargadores competentes para o julgamento da ação penal.”

Ainda segundo Carlos Vasconcelos, a pronta e rigorosa resposta às primeiras notícias públicas de que seus membros e servidores se envolveram em práticas ilícitas poderia sugerir que o TJES atuava com imparcialidade e rigor, se dispunha a livrar-se de magistrados e servidores corruptos e a modificar as práticas ilícitas de favorecimentos, nepotismo, fraudes em concursos públicos e direcionamento na distribuição de processos. “Contudo, é possível também ver nessas medidas uma reforma de mera fachada”, diz.

Atualmente, a questão de ordem suscitada está sendo analisada pela relatora da Ação Penal 623 (que teve origem no inquérito 589), ministra Laurita Vaz, do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Os autos estão conclusos desde a última quinta-feira (14). A manifestação do MPF é datada de dia 9 deste mês, mas foi divulgada apenas no início da noite desta quinta-feira (13).

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