Mas a ira da mídia não se voltou só contra as iniciativas guerreiras do governo Bush: ela ataca tudo o que seja favorável ao crescimento do poder americano ou ao fortalecimento da identidade dos EUA.
Olavo de Carvalho - 2/5/2010 - 17h35
Fortemente recomendado à minha leitura por um dos homens mais inteligentes que conheço, e aliás também mencionado em How The World Really Works, de Alan B. Jones, como um dos dez livros fundamentais para a compreensão da nova ordem global, A Century of War: Anglo American Oil Politics and the New World Order, de William Engdahl (Pluto Press, 2004), foi uma decepção desde as primeiras páginas.
Sua tese fundamental é que praticamente tudo o que acontece de mau no mundo é obra da elite financeira americana – os Rockefeller e tutti quanti –, empenhada em expandir ilimitadamente o poderio dos EUA por meio do controle geopolítico de uma fonte essencial de energia: o petróleo. Um lance decisivo dessa guerra de conquista universal, diz o autor, foi a invasão do Iraque, "parte da agenda americana pós-guerra fria, em busca da 'dominação de pleno espectro’."
Um ano após a invasão de Bagdá, afirma Engdahl, "tornou-se claro que a guerra pouco tinha a ver com a ameaça das armas de destruição em massa... ou com o proclamado esforço de levar a democracia ao até então despótico Iraque”.
"Tornou-se claro" para quem? Para quem tem o New York Times e a CNN como suas principais ou únicas fontes de informação, talvez. Para quem lê livros e sabe o que são documentos de fonte primária, não.
(1) A lista oficial das armas de destruição em massa encontradas no Iraque – suficientes, por si, para destruir muitas cidades americanas –, pode ser lida, junto com provas convincentes da existência das armas não encontradas, nas páginas 97-106 do livro Disinformation: 22 Media Myths that Undermine the War on Terror, de Richard Miniter (Regnery, 2005). Praticamente – diz Miniter – nenhum dos críticos da guerra envolvidos nos esforços para encontrar essas armas disse jamais não haver provas de que o Iraque as possuía. Foi a mídia popular que, para fins de propaganda antiguerra, colocou essa afirmação em bocas onde ela nunca esteve. A diferença entre dizer que nem todas as armas foram encontradas e que nenhuma foi encontrada é pelo menos tão decisiva quanto a diferença entre dizer "alguém opinou" e "tornou-se claro". Não é admissível que um estudioso profissional de assuntos militares ignore essas diferenças,
(2) Mesmo os críticos mais ferozes do governo Bush admitem que a democracia prometida ao Iraque foi instalada e está funcionando há cinco anos. Se alguém diz que vai fazer alguma coisa e acaba por fazê-la de fato, só a má vontade psicótica pode insistir em proclamar que ele jamais teve a intenção de fazê-la. Pensem o que quiserem de Bush, mas que ele levou a democracia ao Iraque, levou.
Só por esses parágrafos, já se vê que Engdahl não é sério. Mas ele complica muito sua situação quando atribui à elite dominante dos EUA a autoria de catástrofes inumeráveis, como "a ocupação dos campos petrolíferos do Iraque, a guerra em Kosovo e nos Bálcãs, infindáveis guerras civis na África, crises financeiras ao longo da Ásia, o dramático colapso da União Soviética e a subsequente emergência de uma oligarquia russa".
Linhas adiante, com a maior inocência, reconhece que "um ano após a ocupação americana de Bagdá, os objetivos da única superpotência mundial estavam sendo questionados como nunca desde a guerra do Vietnã. Cenas degradantes de iraquianos torturados lotavam as páginas da mídia mundial. Alegações de corrupção e conspiração, subindo até os mais altos níveis da administração em Washington, tornavam-se lugares-comuns".
Do confronto dessas duas séries de afirmações temos de concluir que uma oligarquia poderosa o bastante para determinar o curso dos acontecimentos em todo o orbe terrestre não teve, coitadinha, os meios de obter para as suas políticas o apoio dos jornais e canais de TV dos quais ela própria tem o controle acionário. Ou acreditamos nessa hipótese imbecil, ou admitimos que Engdahl não é muito honesto na tentativa de impingir ao leitor a crença de que a oligarquia globalista trabalha para a expansão do poderio internacional dos EUA e não de um governo global visceralmente anti-americano.
Oligarquia financeira e oligarquia midiática são a mesma coisa: se os jornais em peso se voltam contra a política militar do governo, é claro que ela perdeu, ou jamais teve, o apoio daquela oligarquia. Mas a ira da grande mídia não se voltou só contra as iniciativas guerreiras do governo Bush: invariavelmente, ela ataca tudo o que seja ou pareça favorável ao crescimento do poder americano ou ao fortalecimento da identidade nacional dos EUA (veja-se o horror ilimitado com que reagiu à nova lei do Arizona contra a imigração ilegal).
Que Engdahl inverte as intenções da oligarquia é algo que nem preciso argumentar – David Rockefeller já o fez por mim na página 405 das suas Memórias: "Alguns acreditam que somos parte de uma cabala secreta que trabalha contra os melhores interesses americanos, caracterizando a mim e à minha família como 'internacionalistas' e acusando-nos de conspirar para construir uma política global mais integrada... Se essa é a acusação, declaro-me culpado – e orgulhoso de sê-lo."
A dúvida, se alguma existe, fica esclarecida quando Engdahl diz a que veio: o que ele propõe é deter ou , pelo menos, desacelerar o crescimento de "um poder que já não é sustentável nem saudável para os EUA nem para o resto do mundo". É o mesmo programa da Rússia, da China e dos potentados árabes, bem como... dos Rockefellers e similares. Foi para realizá-lo, como aliás está sendo realizado, que a oligarquia americana apoiou e continua apoiando Barack Obama quando ele propõe o desarmamento unilateral dos EUA, a dissolução da identidade americana numa pasta "multicultural" ou a completa inação ante a corrida armamentista iraniana, a espionagem chinesa onipresente e a ocupação da América Latina pelas forças do comunochavismo.
Se isso é "expansão do poderio dos EUA", também deve sê-lo a sistemática demolição do parque industrial americano, em que aquela elite se empenha há décadas com uma volúpia destruidora, de fazer inveja ao vírus da Aids.
Não espanta que, com a perspectiva que tem ou finge ter das coisas, Engdahl faça tanto sucesso na televisão russa, onde volta e meia reaparece com ares de expert em geopolítica mundial. Para mim, ele é uma espécie de Emir Sader americano: o homem que descreve "o mundo às avessas".
Olavo de Carvalho é ensaísta, jornalista e professor de Filosofia
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