A Receita Federal vinha sendo, desde o governo FHC ao menos, a área mais estável do governo federal, infensa às pressões políticas. E estava claro que essa era uma área que tinha de ser preservada da guerra político-partidária. Até que Guido Mantega, ministro da Fazenda, teve uma grande idéia: meter a mão grande na área. Demitiu Jorge Rachid, que o petismo da pesada considerava “tucano demais” (uma bobagem!) e nomeou Lina Vieira, na esperança de que ela fosse mais, como dizer?, maleável. Deu tudo errado.Reparem: não estou endossando necessariamente o trabalho técnico de Lina, que, para ser franco, desconheço. O que dá para garantir é que ela não foi demitida em razão de seu desempenho. A demissão foi política. Ela entrou em confronto com a direção da Petrobras, que hoje mais decide as leis do Brasil do que a elas se submete.
Demitida, Lina viu sua reputação profissional ser atingida. Teria sido responsável pela queda de arrecadação; não teria demonstrado a competência necessária; seria excessivamente ligada, vejam que coisa!!!, à ala sindical da Receita… Já imaginaram? Petista agora se incomoda com isso! O fato é que, tenha ou não defeitos, a ex-secretária caiu por causa de suas qualidades. E a maior dela foi se negar a pôr a Receita a serviço do projeto político de um partido. Como resta evidente, Mantega e o PT conseguiram com Otacílio Cartaxo o que não conseguiram com Lina.
No depoimento da ex-secretária à Comissão de Constituição e Justiça do Senado, ficou evidente a intenção do governismo de desmoralizá-la. A rede de blogs que faz o serviço sujo encarregou-se de espalhar que ela estaria a serviço dos tucanos, já que o marido, servidor público, foi ministro interino da Integração Nacional do governo FHC por menos de um ano. Para nomeá-la, tal fato não foi impedimento. Resolveram se lembrar disso para justificar a demissão. Em seguida, servidores próximos de Lina perderam os cargos de confiança. O resultado não poderia ser outro.
Doze funcionários da cúpula da Receita, cinco dos quais são superintendentes, pediram dispensa dos cargos de confiança que ocupavam. O motivo exposto por eles não poderia ser mais claro. Numa carta endereçada a Cartaxo, escreveram:
“Senhor secretário:
Tendo em vista os últimos acontecimentos relacionados com a alta administração da RFB, –a começar pela forma como ocorreu a exoneração da ex-secretária Lina Maria Vieira, passando pelos depoimentos realizados no Congresso Nacional, e as recentes notícias veiculadas pela mídia nacional, denotando a clara e evidente intenção do Ministério da Fazenda de afastar outros administradores do comando da Receita Federal,– e considerando que essas medidas revelam, sem dúvida, uma clara ruptura com a orientação e as diretrizes que pautavam a gestão anterior, nós, subsecretário de Fiscalização, superintendentes e coordenadores abaixo relacionados, declaramo-nos impossibilitados de continuar participando da atual administração da RFB.
Em que pese V. Sª ter cumprido um papel importante na administração anterior, os referidos fatos revelam uma ruptura no modelo de gestão, tanto no estilo de administrar, quanto no projeto de atuação do órgão, que nos motivou a compor a equipe da RFB.”
Eis aí. O PT conseguiu desestruturar um serviço público que levou mais de década para ser montado. Segue a íntegra da carta.
“Senhor secretário:
Tendo em vista os últimos acontecimentos relacionados com a alta administração da RFB, –a começar pela forma como ocorreu a exoneração da ex-secretária Lina Maria Vieira, passando pelos depoimentos realizados no Congresso Nacional, e as recentes notícias veiculadas pela mídia nacional, denotando a clara e evidente intenção do Ministério da Fazenda de afastar outros administradores do comando da Receita Federal,– e considerando que essas medidas revelam, sem dúvida, uma clara ruptura com a orientação e as diretrizes que pautavam a gestão anterior, nós, subsecretário de Fiscalização, superintendentes e coordenadores abaixo relacionados, declaramo-nos impossibilitados de continuar participando da atual administração da RFB.
Em que pese V. Sª ter cumprido um papel importante na administração anterior, os referidos fatos revelam uma ruptura no modelo de gestão, tanto no estilo de administrar, quanto no projeto de atuação do órgão, que nos motivou a compor a equipe da RFB.
Somos servidores públicos de Estado e pautamos nossa vida funcional pelos princípios da ética, da impessoalidade, da legalidade e da moralidade. O que nos trouxe para a administração da RFB foi a crença na possibilidade de construção de uma instituição mais republicana, com autonomia técnica e imune às ingerências e pressões de ordem política ou econômica. Nesse sentido, seria desnecessário destacar o nosso desapego a cargos comissionados, pois o nosso compromisso se prende a projetos que privilegiem o interesse público.
Compreendemos que a administração comandada por V. Sª pode e deve assessorar-se de quadros que tenham o perfil técnico e administrativo mais adequado às novas diretrizes que serão implementadas, e a nossa decisão deve ser compreendida como uma contribuição para facilitar a composição de sua equipe, considerando esse perfil.
Reafirmamos, ainda, o nosso compromisso com a instituição, com a Justiça Fiscal e com a sociedade brasileira, e esperamos que a nova gestão:
- mantenha e aprofunde a política de fiscalização que vem sendo implementada com foco nos grandes contribuintes;
- preserve a autonomia técnica da RFB na solução de consultas e de divergências de interpretação;
- não tolere qualquer tipo de ingerência política no órgão;
- apóie as propostas de revisão e alteração de atos normativos e infra-legais que visam promover maior racionalidade administrativa, mediante a descentralização do processo decisório e o resgate da autoridade dos auditores-fiscais, entre os quais destacam-se: (a) revisão de competências na aduana; (b) edição de novo decreto para regulamentar os procedimentos fiscais e a requisição de movimentação financeira; (c) revisão das competências decisórias constantes do Regimento Interno; (d) revisão ou revogação de outros atos normativos (tais como a IN que disciplina a consulta fiscal e a revogação da portaria da “mordaça”);
- dê continuidade ao processo de unificação efetiva dos fiscos fazendário e previdenciário;
- dê continuidade às ações de fortalecimento da cooperação e integração dos fiscos;
- dê continuidade às ações de fortalecimento da Aduana;
- dê respaldo às Superintendências para manter os projetos de mudança em andamento; e
- administre a RFB de forma participativa e descentralizada.
Por fim, sr. secretário, queremos ressaltar que é por lealdade à instituição a que servimos que tomamos esta difícil decisão. Não podemos permanecer administradores, detentores de cargos de confiança, quando sabemos que hoje é diverso o contexto político-institucional que nos motivou a assumirmos os postos de gerência em nossa Casa, e que não mais subsiste, de parte a parte, a necessária sintonia que justificaria a nossa permanência na gestão.
Atenciosamente,
Altamir Dias de Souza, Superintendente da RFB na 4ª Região Fiscal
Dão Real Pereira dos Santos, Superintendente da RFB na 10ª Região Fiscal
Eugênio Celso Gonçalves, Superintendente da RFB na 6ª Região Fiscal
Fátima Maria Gondim Bezerra Farias, Coordenadora-Geral da COCIF
Frederico Augusto Gomes de Alencar, Coordenador-Geral da COCAJ
Henrique Jorge Freitas da Silva, Subsecretário de Fiscalização
José Carlos Sabino Alves, Superintendente-Adjunto da RFB na 7ª Região Fiscal
Luis Gonzaga Medeiros Nóbrega, Superintendente da RFB na 3ª Região Fiscal
Luiz Sérgio Fonseca Soares, Superintendente da RFB na 8ª Região Fiscal
Luiz Tadeu Matosinho Machado, Coordenador-Geral da COSIT
Marcelo Lettieri Siqueira, Coordenador-Geral da COGET
Rogério Geremia, Coodenador-Geral da COFIS”
Concluo
Essa é a primeira reação importante ao escancarado aparelhamento do estado promovido pelo PT. Que os servidores que não estão a serviço do partido reajam.
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