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sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Como diria Creonte

ESTADÃO - OPINIÃO
Quinta-Feira, 04 de Dezembro de 2008

Eugênio Bucci

Ontem, em audiência pública na Câmara dos Deputados, a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, admoestou os que criticaram o empréstimo de R$ 2 bilhões que a Caixa Econômica Federal concedeu à Petrobrás. O dinheiro, conforme disse a ministra, serviu para o pagamento de Imposto de Renda, numa operação "normal". Quanto a isso, ela até pode ter razão. Embora não seja corriqueiro, o expediente não constitui propriamente um escândalo. Ao menos à primeira vista. Como demonstrou o jornalista Elio Gaspari, em sua coluna dominical, publicada no Globo e na Folha de S.Paulo, o montante não é nenhuma fortuna diante do porte da Petrobrás: "Se uma empresa que tem R$ 11 bilhões em caixa e gira em torno de R$ 4 bilhões por mês decide fazer um papagaio de R$ 2 bilhões, nada há de estranho nisso. Grosseiramente, é como se um cidadão que tem R$ 5.000 aplicados e ganha R$ 2.000 mensais resolve pedir ao banco um empréstimo de R$ 1.000." Diante de uma necessidade de caixa, a estatal buscou recursos no mercado a juros que lhe pareceram razoáveis. Até aí, portanto, tudo bem.

O que chamou a atenção na fala da ministra, no entanto, não é o apelo que ela fez à serenidade e à sensatez - o que, de resto, seria o seu melhor papel -, mas o tom de advertência com que ela se dirigiu aos críticos - e, aí, em lugar de rebater os argumentos de modo didático e tranqüilizador, passou a desqualificar os que divergem. Dilma Rousseff passou um pito em quem vê problemas onde ela só vê solução e afirmou que a controvérsia em torno do episódio é "um caso estarrecedor".

"Não é correto expor a Petrobrás a uma situação dessas", ela argumentou, destacando o clima de tensão que domina o mercado financeiro no momento. "Não é possível levantar uma coisa dessas de que a Petrobrás está quebrando." Por isso, segundo a chefe da Casa Civil, criticar a estatal "é dar um tiro no próprio pé".

A expressão "tiro no pé" é bem reveladora. No pé de quem? Elementar: no pé do Brasil. De acordo com a lógica ministerial, no tempo de crise financeira em que nos encontramos, a discordância se converte numa artilharia contra nós mesmos. A conduta ideal, enfim, seria não falar nada, não criticar nada, não "levantar a lebre" - para usar aqui outra expressão da mesma família. Se a operação financeira foi "normal", ainda que surpreendente, o "normal" diante dela seria apenas o silêncio.

Curiosa essa visão de normalidade e de democracia. Curiosa e sintomática. Ela reflete, mesmo que inadvertidamente, uma convivência conflituosa com a vigilância e a discordância. E são elas, justamente, a vigilância e a discordância, que dão o tônus do ambiente democrático. O embate das idéias - umas fundamentadas, outras nem tanto - dá o melhor alicerce a uma sociedade fundada na liberdade de expressão.

Infelizmente, reações exacerbadas a críticas não têm sido uma raridade na política nacional. Vez por outra, ministros e outras autoridades demonstram uma indignação artificial, um tanto acima da clave, quando confrontadas por vozes insatisfeitas ou ácidas. É uma pena. 

O papel da autoridade democrática não é repreender quem diverge, mas estimular e fortalecer o debate com argumentos sólidos e esclarecedores, enunciados com calma. A supressão do debate não é a saída. 

Aliás, a saída reside justo no oposto: na qualificação do debate, o que se consegue com posturas abertas ao diálogo, marcadas pela constância e pelo acolhimento. Na democracia, a legitimidade do poder não depende de aplausos e de obediência, mas da boa vontade com que as críticas - mesmo as improcedentes - são recebidas, discutidas e superadas. Se o regime democrático é saudável e maduro, os que proferem julgamentos apressados e tecnicamente despreparados se desautorizam por si mesmos, no curso do debate. Assim é que a vida institucional se aperfeiçoa e evolui.

Incrível como até hoje muitas das nossas autoridades não aprenderam a lição. Registre-se que é uma lição que vem de muito tempo. Numa palavra, é uma lição antiga. Há 2.500 anos, os diálogos escritos por Sófocles em sua tragédia Antígona já tratavam disso com maestria. Na peça, o tirano Creonte, rei de Tebas, cobra de seus governados a obediência cega e o apoio incondicional a todas as suas determinações. Tudo em nome de não expor fissuras de seu reino aos inimigos que o espreitam. É aí que Antígona, rebelada contra o rei, sentencia: "A eterna ameaça: a desunião enfraquecerá a pátria e ela cairá nas mãos de forças estrangeiras. Assim o governante obriga o cidadão a curvar a cabeça a qualquer prepotência."

Os brasileiros, estejam eles certos ou errados, não precisam mais curvar a cabeça a nada nem a ninguém. Não vivemos mais sob o manto do autoritarismo, que, este, sim, só se estrutura sobre a anuência humilhada dos cidadãos. 

As discordâncias postas em público, que no autoritarismo representam um problema mortal, são para a democracia a seiva vital. 

O critério que separa os bons argumentos das acusações levianas não vem do que pontificam as autoridades sapientes, mas do padrão de diálogo que um povo é capaz de cultivar e fazer prosperar. Quanto melhor o funcionamento das instituições, quanto mais transparente é a gestão pública, maior será o esclarecimento sobre a qualidade e a pertinência de cada um dos lados.

Se não há nada de errado com o empréstimo da Caixa Econômica Federal à Petrobrás, há muito menos de errado no fato de que alguns o questionem. Ao contrário, quanto mais questionamento, melhor. Melhor para a Petrobrás, para a Caixa, para o Brasil e para os pés de todos nós.

Eugênio Bucci, jornalista, professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da mesma universidade, foi presidente da Radiobrás no primeiro governo Lula

Um comentário:

  1. off post:

    seu blog está com um link em

    www.desdecuba.com/generaciony_pt

    abraços

    humberto sisley

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