14/11/2008
Li a crônica do Arnaldo Jabor (“Não de sabe mais o que é um filme bom ou ruim”) e não gostei da abordagem. Eu sei o que é um bom filme, como aliás sei o que é uma grande obra de arte plástica ou um bom romance. Essa negatividade na percepção estética é falsa e confunde o leitor e talvez reflita algo mais largo, um dissabor do Jabor diante da existência. Não dá para saber dos conflitos íntimos existenciais do articulista.
Na verdade, quero tomar para mim o seu mote. O que é um bom filme? Em qualquer gênero é aquele que me agrada, que me diverte, que contem arte. Mas tem um elemento que é constante na grande obra cinematográfica, o que faz de um diretor um grande diretor: tratar o elemento da alma de forma convincente, analisar a dialética ente o Bem e o Mal, do Homem e Deus, do Homem e da Mulher, da Guerra e da Paz, do Crime e do Castigo, do Poder e da fragilidade do Indivíduo isolado diante dele. O filme precisa contar uma boa história, usar os recursos técnicos disponíveis no momento da sua produção, utilizar os recursos específicos da obra cinematográfica: os cortes, a fotografia, a narrativa (que pode ser feita de todas as maneiras, mas tem que ser artística, com argumento sustentável). E ter bom elenco de atores.
Um filme de artes marciais orientais pode ser um bom filme? Quase todos eles são um lixo, mas quando se pega o MATRIX sabe-se que se está diante de um marco formidável do cinema. Esse filme nos conta, nada mais nada menos, que o Mito da Caverna de Platão, em alegorias tecnológicas usadas em lutas marciais, cujos personagens são como anjos. MATRIX ganhou o aplauso e admiração pelo mundo por seus muitos méritos, mas para mim é um grande filme porque faz filosofia.
Peguemos o TROPA DE ELITE. Um grande filme porque tem um grande ator, uma grande história e incorporou as melhores técnicas das ações policiais de Hollywood. Sem esses elementos seria um filme banal. Ou O GRANDE DITADOR, do Chaplin. Podemos não gostar da pieguice que é a marca registrada do diretor, mas a grande história contada, a oportunidade histórica e a atuação belíssima do próprio Chaplin fazem dele um grande filme. Ou CASABLANCA, que comove todo mundo até hoje? Este filme encanta pelo romantismo, pela música, pela história, pelo belo casal de estrelas. Mesmo sendo uma propaganda sutil da causa revolucionária não perde seu charme nunca.
Um roteiro baseado em um best seller pode dar um bom roteiro de filme? Sim. O grande Kubrick adaptou Stephen King em SHINNING e fez uma das peças de terror inesquecível, cujo encanto é enfrentar o desafio da gratuidade do mal na alma humana. O mesmo Kubrick adaptou o livro Um Breve Romance dos Sonhos (EYES WIDE SHUT), praticamente reescrevendo e atualizando no roteiro o belo livro que utilizava a linguagem antiquada dos anos vinte.
E os roteiros de histórias policiais? Dão origem a muita porcaria, mas na mão de um grande diretor, como Coppola, pode fazer surgir obras-primas do porte do THE GODFATHER. Porque um filme policial pode não ser um mero filme policial, pode nos contar a crônica do poder e a ação do mal no mundo. Teremos aqui talvez a maior saga cinematográfica de todos os tempos.
Mesmo o recente OS INFILTRADOS, do Scorsese, uma narrativa sangrenta e chocante pode nos dar uma aula sobre a estupidez humana, agindo no crime e dentro do Estado, que lhe combate. Um observador atento da realidade não irá aqui recusar o profundo realismo dessa peça cinematográfica e o seu profundo teor artístico, relevando seu lado hiperbólico.
Mesmo comédias podem ser coisas muito sérias e Kubrick legou-nos duas peças memoráveis no gênero: LARANJA MECÂNICA e o DR. STRANGELOVE. A paródia por vezes é a melhor maneira de se passar a mensagem.
Ao contrário do Jabor, posso dizer o que é um bom filme. Aí acima tem uma boa lista deles.
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