Leia parecer da OAB de 1979 a favor da anistia ampla
por Daniel Roncaglia
No dia 24 de julho de 1979, o Conselho Federal da OAB se reuniu para votar parecer do então advogado Sepúlveda Pertence sobre a proposta do governo João Figueiredo para a Lei da Anistia. Os conselheiros votaram a favor do parecer que considerou a proposta fraca. Para os advogados, a anistia deveria ser mais ampla. Hoje, a OAB defende justamente o contrário: anistia restrita e a punição dos torturadores.
Em seu parecer em 1979, Sepúlveda Pertence, então futuro ministro do Supremo Tribunal Federal, criticou três pontos. Para ele, o parágrafo 2º do artigo 1º era uma “odiosa e arbitrária discriminação” ao excluir da anistia aqueles que já tinham sido condenados pelos crimes de terrorismo, assalto, seqüestro e atentado pessoal.
O artigo 3º também mereceu critica por condicionar o retorno de servidores públicos à existência de vaga e ao interesse da administração pública. O terceiro problema, segundo Pertence, era excluir da volta ao trabalho aqueles que foram afastados por improbidade (parágrafo 4º do artigo 3º).
Segundo Pertence, o projeto tinha um pecado mortal: “É a sua frontal incompatibilidade com um dado elementar do próprio conceito de anistia, ou seja, o seu caráter objetivo. Em outras palavras, o que o governo está propondo, com o nome de anistia, tem antes o espírito de um indulto coletivo do que uma verdadeira anistia”.
Pertence dizia que o governo queria apenas excluir da anistia os membros da oposição. “A grande maioria dos condenados pelas ações políticas armadas ocorridas há cerca de uma década foi recrutada nos estratos mais jovens do movimento estudantil e levada à prática de tais fatos sobre o clima de terror repressivo do Ato Institucional 5, da empolgação ostensiva do poder pela Junta Militar e de tantos outros episódios de arbítrio e de violência estatal”, afirmou na época.
Para Pertence, a exclusão desses condenados não tinha nada a ver com a apelação universal contra o terrorismo. Ele questionou se essa exclusão dos condenados era uma preocupação de não se ter a anistia das violências do regime militar. “Não há duvida, como acentua a justificação do projeto, que, se tivessem continuidade, os processos contra os não condenados iriam ‘traumatizar a sociedade com o conhecimento de eventos que devem ser sepultados em nome da paz’: entre eles, em primeiro lugar, os relativos à institucionalização da tortura aos presos políticos”, afirmou Pertence.
Segundo o advogado, “nem a repulsa que nos merece a tortura impede reconhecer que toda a amplitude que for emprestada ao esquecimento penal desse período negro de nossa história poderá contribuir para o desarmamento geral, desejável como passo adiante no caminho da democracia”.
A despeito das críticas da OAB, a lei entrou em vigor no mês seguinte. Esse documento de 1979 reveste-se de importância no momento em que a OAB começa campanha pela revisão da lei da anistia, defendendo, por exemplo, a punição dos torturadores.
A Ordem entregou Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental no Supremo Tribunal Federal para saber se crimes praticados por militares e policiais — como a tortura e desaparecimento — durante a ditadura estão cobertos pela lei de anistia. A ação questiona o parágrafo 1º do artigo 1º. Agora, a OAB avalia que a lei de 1979 não isenta militares envolvidos em crimes e deixa em aberto a possibilidade de nova interpretação que permita ao Brasil rever ações praticadas por agentes do Estado.
“A OAB entende que a lei tem por objeto, exclusivamente, anistiar os crimes comuns cometidos pelos mesmos atores de crimes políticos. Ela não abrange os agentes públicos que praticaram, durante o regime militar, crimes comuns contra opositores políticos, presos ou não”, sustenta a ação. A entidade entende que há uma notória controvérsia constitucional nessa lei.
O atual presidente da OAB, Cezar Britto, negou contradição. "O parecer atacava a Lei de Anistia porque ela excluía aqueles acusados de subversão e dava a entender que os torturadores estavam beneficiados”, respondeu.
Clique aqui para ler o parecer de Sepúlveda Pertence.
Revista Consultor Jurídico, 16 de novembro de 2008
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