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quarta-feira, 22 de outubro de 2008

ONDE MORA O PERIGO

NIVALDO CORDEIRO
18/10/2008

Em 1953, já no fim de sua vida, Ortega y Gasset escreveu sobre o Estado:

Em la evolución del Estado, la legislación se ha hecho cada vez más fecunda, y en los últimos tiempos se ha convertido en una ametralladora que dispara leyes sin cesar. Esto trae consigo que el individuo no pueda proyectar su vida, y como la función más sustantiva del individuo es precisamente eso: proyectar su propria vida, la legislación incontinente le desencaja de sí mismo, le impede de ser”.

Esta é outra bela maneira – profunda – de dizer que há uma contradição abissal entre o anelo pela liberdade do homem e a forma como o Estado está constituído nos tempos atuais. Ortega completa afirmando o caráter surdo e inexorável das leis. Quero aqui meditar sobre essa constatação do filósofo. Ele acrescenta: “Por su propria forma la ley es inexorabelmente inhumana y anti-natural – buen ejemplo de cómo todo lo social es humanidad deshumanizada, mineralizada”.

Antes, convém lembrar para que o Estado foi criado. Na origem o Estado resultou da visão de homens excepcionais que, diante do perigo, organizaram o Estado para defender a comunidade. Portanto, é o Estado um instrumento da luta dos homens contra os perigos externos à comunidade, sejam estes naturais, sejam (o que é mais freqüente), os perigos oriundos de populações humanas inimigas

O Estado, desde o início, é um projeto de violência latente para a guerra.

No livro A REBELIÃO DAS MASSAS Ortega levanta a tese de que agora o grande perigo contra a humanidade é o Estado. No texto de 1953, a que me refiro (EN EL FONDO, QUERRÍA LO MEJOR), ele não apenas reitera o que escreveu em 1930, depois dos cataclismos do nazismo e da horrenda II Guerra Mundial, sem falar na fatídica Guerra Civil Espanhola, sua querida pátria. Atente-se para a ironia no título do artigo. Então Ortega pôde constatar, incentivando os seus leitores a perceberem o grande perigo que constitui o Estado contemporâneo:

La lucha no será fácil, porque precisamente ahora el Estado rebasa por encima de todo lo que hasta el presente pretendía ser, y aun quiere llegar a ser lo que menos puede ser: se ha convertido en un Estado-beneficencia. Es conmovedora esta ternura que el Estado manifesta hoy como Estado-beneficencia. En el fundo quería el Estado defender desde el principio, de la menor manera, al individuo contra los mayores peligros e querría hacer bien las cosas. Pero el resultado es que amenaza con asfixiar al indivíduo”.

Voltemos ao ponto anterior. Esse caráter inexorável das leis, nos tempos modernos, se converte nas barras da prisão em que o sistema jurídico transformou-se, para a nossa suposta proteção. A gênese desse equívoco tem três vetores. 

Em primeiro lugar, desde o Renascimento que o conceito de lei natural foi abandonado. Caiu-se progressivamente no positivismo jurídico, de sorte que os legisladores e os juristas passaram a acreditar piamente que poderiam criar tantas leis quanto quisessem de sua própria mente, ao arrepio das tradições e do caráter transcendente da fonte da Justiça. O homem é visto pela ótica de Maquiavel e Rousseau: pode-se maquinar qualquer coisa no corpo jurídico e legitimá-la a partir de uma suposta Vontade Geral. Leis assim geradas transformaram-se no terror, no horror como jamais a humanidade experimentou.

Em segundo lugar, a criação da segunda realidade proposta pelo Idealismo. Esses homens sem passado, que miram um futuro perfeito, independentemente do real, foram os autores intelectuais da criação do monstro estatal.

Em terceiro, a visão fantasmagórica do ente estatal, que de instrumento criado pelo homem transformou-se no demiurgo da sociedade perfeita. A grande ilusão da modernidade, a fonte de todos os sofrimentos.

As sociedades contemporâneas tornaram-se o cárcere das multidões, mais das vezes literalmente. Nunca tantos homens foram feitos prisioneiros nas masmorras estatais, sob os pretextos legais os mais banais. Em substituição a essa estúpida rebelião das massas que escravizou a humanidade pelo Estado, é chegado o tempo da rebelião dos homens enquanto pessoas livres, para restaurar a liberdade. Essa rebelião é a revolução liberal, que propõe o Estado Mínimo, o único compatível com a liberdade e a dignidade do homem.

Na verdade, os descendentes de Maquiavel e Rousseau, os socialistas e comunistas e os advogados do Estado Grande em geral, fizeram das leis uma espécie de matemática social. Como sabemos, desde Galileu e sua nova ciência houve uma profunda mudança nos métodos de investigação das ciências da natureza, de sorte que a razão pura, o método matemático, deu aos homens um imenso poder de compreender e colocar a natureza a seus serviços, pela técnica derivada dos novos conhecimentos. Os engenheiros da alma humana, analogamente, quiseram fazer das leis o instrumento, a matemática instrumental para uma nova ciência social, de modo a criar um homem novo.

Não haveria, na visão desses novos homens, mais nenhuma necessidade de se buscar a lei natural e muito menos levar em conta a Revelação. Agora a humanidade teria supostamente os meios para instituir a sociedade perfeita, a utopia tão ansiosamente buscada, rebelando-se contra restrições naturais, como a lei da escassez. Nesse afã o Estado, criado originalmente para eliminar as ameaças e os perigos, tornou-se ele mesmo a única ameaça e o único perigo contra as pessoas. Rouba-as, mata-as, prende-as, suprime sua liberdade, sua criatividade, sua espontaneidade. E, ao incorporar as técnicas modernas à arte da guerra, tornou-se um instrumento industrial de matança. Pior, os governantes descobriram que praticar guerras periódicas, de preferência contra inimigos mais fracos, é um ótimo instrumento de controle social e de legitimação política.

O perigo estatal alcançou proporções apocalípticas. Assim, só tolos de almas herméticas não se apercebem do engodo que é o Mommy State. Ortega, a propósito, encerra seu artigo com uma fábula bastante ilustrativa:

Por esa razón conviene contar la fábula del oso, amigo del hombre: El hombre, tendido, dormía; el oso, amigo del hombre, vigiaba su sueño. Una mosca se posa en la frente del hombre. El oso no puede consentir esta perturbación en el sueño del hombre, sua amigo. Com su garra espanta la mosca, pero con ello aplasta la cabeça del hombre”.

Urso ou ogro? Chamemos o Estado como quisermos, tanto faz. Temos, todavia, que ter em conta que estamos diante de uma Besta e não apenas metafórica. Ela é gigantesca, estúpida, primitiva e devoradora de homens, a última predadora dos filhos de Eva que sobrou, além dos micro-organismos. Na verdade, estamos diante da Besta que é nominada na Bíblia. O Estado é também a imanentização do Mal por antonomásia. Nunca deveremos esquecer-nos desse importantíssimo detalhe.

Escrevo tudo isso para lhe falar, meu caro leitor, da crise financeira mundial. Homens estúpidos, até mesmo ganhadores do Prêmio Nobel de Economia, estão administrando a crise da maneira a mais estúpida. Puseram o urso para velar o sono dos inocentes. A cada ronco dos adormecidos virá a patada fatal daquele que, no fundo, só quer o melhor para todos nós. Temos que pôr esses estúpidos laureados em fuga, longe do poder de Estado, sob pena de perecermos todos.

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