Valor Econômico, 7/01/2008
O número de brasileiros assassinados entre 1996 e 2006 chega a quase meio milhão. O "Mapa da Violência", divulgado e discutido na imprensa na semana passada, revela uma escalada do crime nas cidades do Brasil onde a violência era relativamente baixa antes de meados de 1990 (Florianópolis, por exemplo). Onde era mais alta, houve uma pequena redução da taxa de homicídios depois de 1999.
O número de brasileiros assassinados entre 1996 e 2006 chega a quase meio milhão. O "Mapa da Violência", divulgado e discutido na imprensa na semana passada, revela uma escalada do crime nas cidades do Brasil onde a violência era relativamente baixa antes de meados de 1990 (Florianópolis, por exemplo). Onde era mais alta, houve uma pequena redução da taxa de homicídios depois de 1999.
Mesmo em São Paulo, onde a redução do crime foi mais acentuada, há pouco a comemorar. Sua taxa de 31 homicídios em 100 mil habitantes ainda é maior do que a de Bogotá – cidade que se tornou notória pela violência gerada pelo tráfico de drogas e alimentada pela guerrilha que a cocaína financia. A taxa de homicídios em Bogotá chegou a 80 em 100 mil habitantes em 1993, mas já em 2004 havia caído para 21. Hoje se caminha nas ruas de Bogotá com mais segurança do que em São Paulo.
As taxas de Recife e Vitória – 90 e 87 homicídios em 100 mil habitantes, respectivamente – estão entre as mais altas do mundo e se comparam às de países devastados por guerras civis. Além das vidas desperdiçadas e da insegurança da população, a criminalidade tem um custo econômico que é um múltiplo do que se gasta com agentes de segurança e muros em volta das fábricas, lojas e condomínios.
O custo da segurança se multiplica, porque o desvio do investimento em estradas e tratores para o investimento em prisões e carros blindados transfere a atividade econômica de obras produtivas para outras não produtivas. Em conseqüência, a produtividade e o crescimento sustentado despencam. Essa história está documentada no trabalho de Maurício Cárdenas e Sandra Rozo sobre o crime na Colômbia (http://www.fedesarrollo.org.co/).
Entre 1950 e 1980, a Colômbia (como o Brasil) gozou de altas taxas de crescimento. Nas décadas de 80 e 90, o crescimento desapareceu. O aumento da violência, ligada à expansão do tráfico de drogas, explica o colapso do crescimento da produtividade. A evidência coletada por Cárdenas e Rozo mostra a precedência do aumento da violência sobre a queda da produtividade. Em seguida, a redução do crescimento acarreta mais um aumento da violência. O país entra no círculo vicioso da violência com baixo crescimento.
Criam-se descontentamento e pressão social.
A resposta na Colômbia (como no Brasil) foi uma nova Constituição, que amarrou receitas a despesas e tornou a política fiscal rígida e procíclica. Criaram-se impostos ineficientes, enquanto o desaparecimento do investimento em infra-estrutura ajudava a solapar a base do crescimento sustentado.
Na Colômbia (ao contrário do Brasil), a sociedade deu um basta à escalada da violência. O estudo de Cárdenas e Rozo indica que a recuperação econômica e a redução da violência vêm caminhando juntas desde 2002. Na segunda-feira, o lema "um milhão de vozes contra as Farc" levou os colombianos à rua para exigir a libertação dos reféns da guerrilha. Suas camisetas brancas traziam os dizeres: "A Colômbia sou eu" no peito e nas costas: "Chega de seqüestros. Chega de mentiras. Chega de mortes. Chega de Farc".
O Brasil voltou a crescer a partir de 2004 graças a um contexto internacional favorável. Mas a rigidez orçamentária e os interesses políticos impediram que se tirasse partido dessa circunstância para reduzir a violência, que continua a prejudicar o crescimento potencial. O que fazer?
Se o tráfico está por trás da violência urbana, o Brasil terá de discutir a legalização das drogas no âmbito internacional. Mas esse é um remédio que pode demorar 20 anos para ficar pronto. Antes disso é possível continuar o trabalho feito em São Paulo: melhorar a urbanização das favelas e fortalecer o Estatuto do Desarmamento. Mas sem a moralização da polícia, seria simplista reivindicar mais prisões, com base no discurso que nos chega de Chicago em "Freakonomics".
É melhor criar incentivos fiscais para que empresas montem suas fábricas nas áreas mais pobres. Tal medida, aliada a programas municipais de recuperação dos espaços públicos, à legalização do aborto e ao planejamento familiar, traria benefícios imediatos às regiões mais violentas.
Como financiar esse programa? O governo federal tem 53 mil órgãos cadastrados com quase 50 mil titulares (incluindo 23 ministros e quatro secretários especiais, além do chefe da Sealopra e outros 23 conselhos). Elimine-se metade dos ministérios, dos secretários especiais e dos conselhos para reduzir gastos e liberar recursos.
A política de redução da violência terá sucesso se seu foco for a juventude. A evidência empírica sugere que a criminalidade está ligada à desigualdade de renda e que a educação ainda é a variável de maior poder explicativo para a desigualdade no Brasil. Se o país quiser reduzi- la, precisa manter o jovem na escola.
Em tese apresentada na PUC-Rio, Yvo Chermont de Vasconcellos enfatiza uma espécie de efeito manada no tocante à freqüência escolar. Com base na “Pesquisa socioeconômica das comunidades de baixa renda” (realizada em 51 comunidades carentes e cobrindo 68.500 domicílios do Rio de Janeiro entre 1998 e 2000), Yvo mostra a influência dos amigos na decisão de um jovem de freqüentar ou não a escola. O aluno que abandona os estudos ou cabula as aulas acarreta um efeito multiplicador entre os companheiros do bairro. Por isso, ONGs e líderes comunitários capazes de afastar os jovens de situações de risco e mantê- los na escola têm um papel central na redução da criminalidade.
Chega de mentiras. Chega de mortes. Em 2008, ao escolher o prefeito da cidade, será preciso perguntar qual dos candidatos tem de fato um plano para reduzir a violência e como pretende financiá- lo.
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