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terça-feira, 14 de outubro de 2008

Marta pisoteia biografia de Marta e desce à ‘sarjeta’

JOSIAS DE SOUZA

O desespero, quando é muito, costuma produzir uma nudez pior do que a nudez. Veja-se o caso de Marta Suplicy.

Foi criada para viver num mundo de donzelas burguesas, matriarcas austeras e machos opressivos.

Traçaram-lhe um destino de horizontes curtos: estudaria em colégio de freiras, entregaria seus olhos azuis a um marido de boa cepa, teria filhos e administraria o lar.

Aproveitando-se das brechas que sua época abriu, Marta saltou da armadilha. Teve a ventura de estudar nos EUA na fase em que jovens como ela se faziam notar queimando sutiãs em praça pública.

Depois, quando as saias já se insinuavam no mercado de trabalho brasileiro, Marta ganhou fama na telinha da Globo, entre 1980 e 1986.

Ela invadia os lares, no matinal "TV Mulher", falando em masturbação, orgasmo e homossexualismo. Para a época, um espanto!

Pois bem, às voltas com uma desvantagem de 17 pontos percentuais na pesquisa, essa Marta de mostruário saiu de cena.

Tomou o lugar dela uma Marta toscamente preconceituosa. Uma candidata capaz de levar à propaganda eleitoral eletrônica insinuações acerca da sexualidade de seu rival.

A sordidez foi à TV na voz do locutor: "Você sabe mesmo quem é o Kassab? Sabe de onde ele veio? Qual a história do seu partido?...”

Nesse ponto, surge no vídeo a foto de Kassab. E o locutor: "Sabe se ele é casado? Tem filhos?"

Noutro comercial, uma pitada extra de vileza: “Será que ele esconde mais coisas?"

Deve a conduta sexual de alguém ser considerada no momento da escolha de um gestor público?

Pensando melhor, adie-se a pergunta. Prossiga-se de outro modo: informações de alcova sempre se imiscuíram no cotidiano da política.

Nos EUA, Clinton viu-se enredado numa crise que nasceu de um suposto caso com uma ex-estagiária da Casa Branca.

Antes, houve Kennedy, que se dividia entre Jacqueline e Marilyn. Houve também Roosevelt, que oscilava entre Eleanor e uma secretária.

Na França, só à beira da morte Mitterrand trouxe à luz a amante Anne Pingeot, reconhecendo-lhe a filha.

Entre nós, histórias de alcova são injetadas na biografia de homens públicos desde o Império. Dom Pedro 1º impôs à imperatriz Leopoldina a marquesa de Santos, sua amante.

Livro de João Pinheiro Neto menciona o amor secreto de Juscelino por Maria Lúcia Pedroso. Os diários de Getúlio Vargas falam de uma "bem-amada."

Em 89, Collor trouxe para o centro da arena eleitoral Lurian, filha de uma aventura de Lula.

Logo se descobriria que Collor recusava-se, ele próprio, a emprestar o nome a um filho gerado fora do casamento.

Volte-se à pergunta: deve a conduta sexual ser levada em conta na hora da escolha de um candidato a cargo público? A resposta é um sonoro não.

O político, como o advogado, o jornalista, o operário ou qualquer outro, não está livre de seus impulsos biológicos.

É tolice associar a pulsão sexual ao desempenho funcional. Em São Paulo, busca-se um prefeito, não um santo. Ou uma santa.

O curioso é que a própria Marta, quando trocou o senador Suplicy pelo argentino Favre, foi vítima de odiosas insinuações.

Pena que o desespero momentâneo a tenha desnudado. Lamentável que o flerte com a derrota a tenha conduzido para a sarjeta eleitoral.

Escrito por Josias de Souza às 15h46

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