08/07/2006
Parece mais uma brincadeira da internet, mas não é. O site do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) traz em sua página oficial uma cartilha completa ensinando como ser prostituta. O jornal "Diário de S. Paulo" acessou o site www.mte.gov.br e encontrou uma ampla lista de atividades profissionais, na seção Classificação Brasileira de Ocupações (CBO). Entre elas, o item 5.198 é particularmente curioso: descreve o passo-a-passo da prostituição, desde a abordagem ao cliente até a satisfação dele. No final do dia, após o MTE ter sido procurado pelo jornal, o site foi tirado do ar.
Por e-mail, o MTE informou que "não cria profissão, nem regulamenta, nem incentiva atividades (de prostituição)". Segundo o MTE, a classificação foi elaborada pelo governo anterior e publicada em 2002. O objetivo da lista é descrever as ocupações existentes no país. Segundo o ministério, "a CBO é o documento que reconhece, nomeia e codifica os títulos e descreve as características das ocupações do mercado de trabalho brasileiro".
A cartilha é bem didática e traz conselhos para as prostitutas fazerem um pé de meia, como aplicar dinheiro na poupança e recolher a contribuição ao INSS. Há dicas diretas de como atender o cliente: "seduzir com apelidos carinhosos", "envolver com perfume", "respeitar o silêncio do cliente" e até comportamentos específicos da atividade no garimpo, como "lavar roupas dos garimpeiros". A cartilha também aborda o tema da ética ao explicar que a prostituta deve evitar "envolvimento com colegas de trabalho".
Ignorando as propagandas contra a exploração do turismo sexual, a cartilha fala em "fazer companhia ao turista" e "acompanhar o cliente em viagens", no item intitulado "Acompanhar Clientes". Outro capítulo lista todas as ferramentas necessárias para fazer o trabalho, entre elas: guarda-roupa de batalha, gel lubrificante à base de água e até mesmo cartões de visita.
A cartilha está dividida em sete áreas de atividade: batalhar programa, minimizar as vulnerabilidades, atender clientes, acompanhar clientes, administrar orçamentos, promover a organização da categoria e realizar ações educativas no campo da sexualidade.
Alertando sobre os cuidados com a saúde, o item atendimento do cliente aconselha a prostituta a "preparar o kit de trabalho (preservativo, acessórios, maquilagem)", "fazer streap-tease" e "dar conselhos a clientes com carências afetivas". Segundo o texto, "o acesso à profissão é livre aos maiores de 18 anos; a escolaridade média está na faixa de quarta a sétima séries do ensino fundamental. O pleno desempenho das atividades ocorre após dois anos de experiência."
A presidente da Rede Brasileira de Prostituição, da ONG Davida e idealizadora da grife Daspu, Gabriela Leite, foi uma das convidadas pelo MTE em 2002 para descrever as atribuições das prostitutas no Cadastro Brasileiro de Ocupações. Prostituta há 28 anos, Gabriela diz que fazer parte do CBO é importante por dois motivos: o direito à aposentadoria, já que o código permite o recolhimento do INSS, e a inclusão nas estatísticas do censo do IBGE.
Gabriela diz não entender a polêmica em relação à cartilha.
- Assim como todas as profissões, a nossa, tem características próprias. O problema é a hipocrisia da sociedade, que usufrui dos nossos serviços mas tem vergonha de reconhecer nossa profissão - diz.
Cleide Almeida, coordenadora de projetos da Associação de Vila Mimosa-reduto de prostituição carioca-diz que o importante é que a inclusão no CBO colabora para a regularizar a profissão, que está aí "antes de Jesus Cristo".
- Se não há outras alternativas de trabalho, por que não legalizar esta? - pergunta, ressaltando que, mesmo que isso aconteça, muitas prostitutas não vão querer sua profissão estampada na carteira de trabalho.
A ex-prostituta e autora do livro "O Doce Veneno do Escorpião" Bruna Surfistinha diz que não tinha conhecimento do conteúdo do site, mas acha importante regularizar a profissão.
- Já trabalhei com cafetões por muito tempo e sei como é difícil ser explorada - afirma, frisando que só não acharia legal o nome da profissão estar na carteira.
Procurados pelo "Diário de S. Paulo", o Ministério da Justiça, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) e Superior Tribunal de Justiça (STJ) não quiseram se pronunciar sobre o assunto.
Prostituição não é considerada crime no país.
- A pessoa que se prostitui não está cometendo nenhum crime - explica o advogado criminalista e conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Sergei Cobra Arbex. Ele diz que a punição é para quem induz ou atrai alguém a se prostituir. Neste caso, o artigo 228 do Código Penal prevê punição com prisão de dois a cinco anos.
O advogado criminalista Eduardo Leite afirma que nos casos das prostitutas que são presas na rua, o motivo da detenção é "por vadiagem". Já os locais onde a prostituição é estimulada, como casas de shows, continuam em funcionamento porque usam como argumento o fato de não terem local para a prática da prostituição ser realizada.
- Os donos desses estabelecimentos alegam que não oferecem camas - acrescenta Arbex.
As casas de prostituição também alegam que muitas pessoas vão a danceterias para se prostituir. Dessa forma, dizem, já que essas boates não são fechadas, não há sentido em puní-los. Ou seja, dizem que não são responsáveis pelas intenções de quem freqüenta o local. Para Arbex, o Ministério do Trabalho deveria orientar sobre os riscos da profissão.
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