Por Nivaldo Cordeiro em 22 de julho de 2008
A mais famosa frase cunhada por Ortega y Gasset, ele que era um escritor que construía frases memoráveis a cada página escrita, é: “Eu sou eu e a minha circunstância e se não a salvo, não salvo a mim mesmo”, posta no intróito ao livro Meditaciones del Quixote”. Depois da expressão “Penso, logo existo”, cunhada por Descartes, é a mais sensacional síntese filosófica que um pensador tenha conseguido. Ela diz muita coisa em filosofia, é a própria representação da razão vital orteguiana, que veio para superar o unilateralismo idealista e sepultar de vez um eventual resgate do realismo filosófico.
Não tenho o propósito aqui de expor, nas poucas palavras que escreverei, esse verdadeiro duelo da história do pensamento ocidental, que tem em Ortega y Gasset um apogeu. Teria eu que ser um filósofo também, o que não sou, e ter um espaço para, pelo menos, escrever um ensaio. Eu quero apenas fazer um pequeno comentário à expressão, muito a propósito para pensarmos o momento histórico que estamos vivendo.
O que podemos perceber é que a maior parte dos autores gosta de citar a primeira parte da sentença “Eu sou eu e a minha circunstância”, deixando em segundo plano a segunda parte, “e se não a salvo, não salvo a mim mesmo”, tão importante. Certo, a primeira parte é, digamos, a mais contemplativa. Ela demonstra que o Eu é tão fundamental quanto as coisas são, aquelas que encontramos, cada um de nós, na longa jornada que é a vida individual. As pequenas e as grandes coisas por igual. A verdade é resultado desse encontro do olhar humano com as coisas em derredor. “Pensar é olhar”, ensinou Ortega certa vez. E nessa abordagem perspectivista vemos o filósofo espanhol ombrear-se com os grandes filósofos de todos os tempos, de Sócrates a Kant e Hegel e todos os outros. A ingenuidade realista dos antigos e a soberba autonomizada do Eu na modernidade são deixadas para trás enquanto unilateralidades incapazes que darem conta de explicar o real.
O interessante aqui é a segunda parte da sentença. É um olhar do homem de ação, depois da contemplação. Há uma forte ressonância cristã – o apelo à salvação – embora não pretenda ter um elo teológico. É que “salvar-se” tem sempre uma conotação metafísica e a pressuposição de que a transitoriedade da vida humana é aparente. A jornada continua por toda a Eternidade. A responsabilidade diante de Deus está posta ao vivente, mesmo que eventualmente ele a recuse e nem a reconheça. Mas o que estava à vista do filósofo era a coisa mais terrena, mais imediata, mais histórica. Era o contexto social, sua sociologia. Ortega estava vendo, àquela altura dos idos de
É preciso, portanto, salvar a política das mãos do homem-massa para que possamos salvar a todos e a cada um. Mais precisamente, é preciso enquadrar o homem-massa, restabelecer a hierarquia. Salvar aqui, em minha opinião, tem o primeiro de seus sentidos dicionarizados: “Tirar ou livrar a si mesmo de perigo, dificuldades, ruína ou morte”. Há um grande perigo em nosso momento, muito semelhante àquele que Ortega viu a seu tempo. O ponto é que não temos escolha que não agir para salvar-nos a nós mesmos. Ninguém fará isso por nós, que somos os agentes históricos. A omissão não salvará ninguém, muito ao contrário, ela apenas entregará os destinos coletivos nas mãos dos que têm a alma moralmente deformada. Daqueles que não se importarão em causar morte e destruição.
Agir para salvar as nossas circunstâncias é, antes de tudo, tornar-se um líder. É ter o sentido da civilização, é conhecer o legado espiritual do Ocidente. É assumir a responsabilidade. A horda dos decadentes só toma o comando do Estado quando os homens egrégios se apequenam. O momento é de se fazer o movimento inverso, de pôr o homem-massa no seu lugar. A vida convida todos nós à responsabilidade existencial. Salvar-se requer, antes de tudo, ter uma atitude moral consigo mesmo, que fatalmente influenciará o meio. As massas, deixadas por si mesmas, serão enganadas pelos demagogos malignos, no rumo do desastre.
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