18/11/2007
Ódio e insulto! Ódio e raiva! Ódio e mais ódio!
Morte ao burguês de giolhos,
cheirando religião e que não crê em Deus!
Ódio vermelho! Ódio fecundo! Ódio cíclico!
Ódio fundamento, sem perdão!
Fora! Fu! Fora o bom burguês!...
Mário de Andrade, poema ODE AO BURGUÊS
Vou tentar aqui fazer um simples esboço para dar uma explicação sustentada dessa realidade confusa. Não é tarefa fácil, pois bem sei que alguns dos termos que usarei aqui não são de uso comum. Não será pedantismo da minha parte, mas uma imposição da necessidade teórica. A teoria não é um enfeite, é a única ferramenta que permite o descortino da realidade, que infelizmente demanda o uso correto dos conceitos que não são de uso corrente.
A começar pela expressão “gnose” ou “gnóstico”. Um dos grandes tentos dos agentes políticos da revolução foi convencer largas parcelas da opinião pública de que não há ligação entre o elemento religioso e a ação política enquanto tal. A religião supostamente se restringiria à vida privada, como se a gnose política não fosse, ela mesma, uma forma satânica de religião. É como se o Estado, sua representação e sua missão fosse um mundo à parte e não se relacionasse com as coisas do Espírito. É nessa mentira fundamental que todo o edifício político da modernidade foi erigido. Aceitar essa premissa é cair nos braços da gnose e negar a verdade enquanto tal. O petismo é um ramo recente desse processo, de somenos importância quando visto de uma perspectiva global e de sua ação na história até o presente momento. Mas quanto ele é colocado no devido contexto, veremos que toma a feição da linha de frente do movimento revolucionário universal e suas realizações no passado são nada diante da eminência dos grandes fatos que estão por vir.
A gnose é um antigo termo religioso que designa os desvios de doutrina que deságuam na mentira espiritual, com implicações diretas sobre a práxis. Talvez o mais antigo e eficaz movimento gnóstico tenha começado no mundo pagão da Grécia e tomou forma na filosofia epicurista, nascida para confrontar nada menos do que Sócrates, Platão e Aristóteles. Epicuro foi contemporâneo desse último e seus seguidores ajudaram a expulsar o estigirta de Atenas, triunfando no meio político que levou o grande Sócrates ao supremo sacrifício em defesa da verdade da alma. Seguiu-se a decadência não apenas política, mas filosófica de toda a Grécia, vez que o gnosticismo é um elemento de elevado poder destrutivo.
Em poucas palavras, Epicuro defendia que o sentido da vida se resume à existência nesse mundo, simplificado no binômio busca do prazer/fuga da dor. Essencialmente o que importa sublinhar é a negação de qualquer realidade transcendente para os seguidores do epicurismo, tornando o homem – mais precisamente o prazer eventualmente obtido por ele – a medida de todas as coisas. Gigantes como Aristóteles e Platão riram dessa idiotia teórica, pois desde Parmênides sabia-se que a explicação do universo manifesto pressupunha a realidade do Além, as Formas ou o Deus único dos filósofos, o limite mais amplo a que puderam chegar os maiores pensadores pagãos antes do Advento.
No universo cristão a gnose emerge com a mesma idéia central, a de que o homem pode ser aperfeiçoado nesta vida e buscar a salvação ainda nesse mundo. Pelágio é o ancestral mais vistoso dessa heresia, derrotada, no campo teórico, teológico e político pelo grande Santo Agostinho. Mas a gnose acompanhou, como sombra, o Cristianismo pelos séculos seguintes até triunfar na modernidade (entendida esta como a cultura que moldou a civilização ocidental a partir do século XIV). Embora não seja um corpo de doutrina único e se manifeste em diferentes teorias e movimentos religiosos e políticos, o gnosticismo moderno tem como denominador comum declarar a imanência da salvação e reduzir a psique do homem à relação binária busca do prazer/fuga da dor. Essa caricatura espiritual gerou a criatura bifronte dada pelos falsos opostos liberalismo ateu e o marxismo revolucionário.
Os grandes restauradores do epicurismo na modernidade foram Locke e Rousseau, autores que geraram as tradições paralelas do liberalismo ateu e do marxismo revolucionário. Veja, meu caro leitor, que dessa árvore frondosa nasceu a falsa verdade filosófica estabelecida por pelo menos três séculos seguidos. Essa gente tomou conta dos Estados nacionais na Europa e nas Américas e, depois, no resto do mundo. Então quando eu falo em modernidade eu falo da linha de pensamento que seguiu seu curso a partir desses nomes. que são familiares a toda a gente. Basta recordar que gigantes como Kant, Hegel, Marx e Nietzsche, sem falar nos autores do ramo britânico do liberalismo, como Smith e Ricardo, são os caudatários diretos dessa nova suposta verdade da alma.
O inimigo dessa gente é um só, a Igreja Católica e o Cristianismo ele mesmo. Na verdade as denominações protestantes são elas próprias uma plena manifestação do gnosticismo usando a roupagem evangélica. Sei que muitos dos seguidores dessas religiões ditas cristãs talvez nem tenham a noção do que se passou, porque não é tarefa fácil encontrar livros de história e menos ainda livros de filosofia política que relatem fielmente o que aconteceu. A decretação de morte de Deus por Nietzsche é o coroamento da modernidade e a síntese de tudo, o corolário da Reforma.
O PT só pode ser compreendido como legatário dessa tradição. Recordemos que ele nasceu da implosão do Partido Comunista Brasileiro – PCB que aconteceu desde os anos sessenta e se consumou plenamente depois da queda do Muro de Berlim. O Partidão fragmentou-se em várias siglas, mas aquela que realmente triunfou e é seu legítimo herdeiro é o PT. Não é à toa que as demais denominações socialistas e comunistas que persistiram estão, todas elas, na base de apoio do governo do PT, tendo tornado-se seus vassalos. Inclusive o PC do B, a sigla mais belicosa e a mais antiga dissidência do Partidão.
A questão teórica a responder é: como o PT e seus aliados esquerdistas tomaram a representação política e se legitimaram enquanto donos do Estado? Em que consiste essa representação? Quais são as suas idéias fundamentais e em que elas colidem com as “boas” idéias políticas?
Na verdade o imaginário socialista e comunista começou a tomar conta das mentes no Brasil muito antes do PT, pela ação do Movimento Comunista Internacional e pela Internacional Socialista, sua ramificação mais branda. Inicialmente essa gente controlou os meios de comunicação e, ato seguinte, fez-se senhora das universidades. Esse processo iniciou-se na primeira metade do século XX, já antes da Intentona Comunista, sendo notável que grandes escritores brasileiros foram militantes da causa, como Mario de Andrade e Graciliano Ramos, bem como o escritor menor e grande divulgador do comunismo, Jorge Amado. Mas foi nos anos Setenta, com a inexplicável omissão dos governos militares, que essa gente tomou de assalto o ensino público, em todos os níveis. O movimento de redemocratização deu-lhe o palanque que precisavam e a nova Constituição de 1988 já será um produto de sua loucura. Daí para Lula chegar ao poder precisou apenas do um governo preparatório presidido por FHC, cujo partido em essência é um aliado ideológico e um sócio no processo político, servindo como dique contra qualquer tentativa de reação das forças conservadoras. O PSDB é o escudo á direita do movimento comunista brasileiro. Gente como o próprio FHC e José Serra poderiam perfeitamente estar no PT sem necessitar de qualquer adaptação ideológica, vez que concordam em tudo e por tudo com o essencial deste partido, divergindo apenas do tom demagógico e populista que o PT usa sem qualquer freio.
Então o PT passou a representar a sociedade brasileira a partir do momento em que teve acesso à formação da juventude e ao aparelho de Estado, no qual entrou como um vírus que usa o organismo sadio como hospedeiro e de lá não mais saiu. Os eleitores do PT de fato se reconhecem naqueles a quem elegem, pois estão enganados desde o berço. Por isso que o PT é ilegítimo, porque é filho da mentira calculada, da dupla linguagem que usa, uma para o grande público, outra para sua própria elite partidária. É fruto também da dupla moral oportunística, que apregoa as virtudes tradicionais tão caras às gentes brasileiras e pratica efetivamente o seu contrário no exercício do poder. Vimos às escâncaras esse fato por ocasião dos numerosos escândalos, principalmente durante a CPI do “mensalão”.
Sua representação, no nível mais essencial, é falsa, pois que produto da mentira maquinada por décadas de propaganda enganosa. Essa é uma das falhas essenciais da equação petista, a Matrix que não tem como evitar a própria destruição, o próprio colapso.
Três são as idéias-chaves que sustentam o discurso petista e lhe dão a unidade:
1- A denúncia do capitalismo como uma ordem econômica supostamente injusta e maligna que precisa ser substituída pelo reino da justiça comunista. Essa idéia esconde o fato real de que a economia capitalista é a forma natural de organização da sociedade humana, forjada ao longo de milênios e que encontrou no meio cristão o ambiente propício para a sua realização na história. Esconde também que essa economia natural está em consonância com a verdade da alma e permite cumprir o que está na Escrituras. A tradição cristã aceita como um dado da vida a lei da escassez e constrói a sua ética a partir dela, afirmando que cada um deve ganhar o pão com o suor do seu rosto. Os incapazes de sobreviver no sistema são objeto da caridade privada, característica eminente de toda a tradição judaico-cristã. O credo petista nega tudo isso e propõe a substituição do livre mercado pelo Estado, ente supostamente capaz de instituir uma esdrúxula “justiça social”. A idéia do Estado Total que pode mediar e remediar toda a vida privada, exorbitando nas leis e na sua aplicação. Fora do Estado não há salvação para a ideologia petista, ele é posto como a alternativa à ordem natural do capitalismo, o que foi feito pelo comunismo desde sempre.
2- A denúncia dos capitalistas, suposta a classe dominante, e a pregação continua da luta de classes até o limite da histeria, como vemos nas cenas freqüentes das catarses públicas de ódio explícito, seja dos movimentos sindicais, seja dos movimentos sociais, como o MST. Aqui se faz a satanização dos indivíduos por sua condição social. De novo, a pregação da igualdade utópica, ignorando que os indivíduos têm características diferentes e talentos diferentes, que não podem ser homogeneizados de forma alguma. Toda a máquina de propaganda foi posta em movimento para tornar verdade auto-evidente que alguém, se for economicamente bem sucedido na vida, pratica atos imorais, ainda que eventualmente lícitos. Sinais de riqueza adquirida honestamente no mercado passaram a ser tratados como uma forma de traição social. De roubo puro e simples. O irônico é que a própria elite econômica assumiu o complexo de culpa por ter riqueza. Ela própria se engaja nos movimentos sociais e financia as ONGs dos que geraram essa propaganda enganosa. A burguesia brasileira tem financiado continuamente aqueles que serão seus algozes, seja no sentido figurado, seja no sentido literal. É claro que a burguesia há muito deixou de ser classe dominante, tornando-se refém da burocracia estatal controlada pelos agentes do PT. Essa gente é chantagedada todos os dias, espoliada de suas riquezas, paga os impostos absurdos e ainda paga as campanhas políticas e o “arrego” (vide o filme Tropa de Elite) dos esbirros partidários. Ainda assim, como vimos no caso recente da Cisco, a burguesia ainda pode ser perseguida judicialmente pelo crime de dar dinheiro a seus algozes, ainda que dentro das formalidades da lei. A verdadeira classe dominante é a burocracia partidária instalada na burocracia do Estado.
3- A pregação supostamente libertária dos novos costumes que nega a moral natural seguida por milênios. Então causas nefandas como o abortismo, o gaysismo, o feminismo, a visão de que os criminosos não são criminosos (exceto sonegadores de impostos burgueses), mas vítimas do capitalismo, a defesa de todas as aberrações comportamentais e supostamente religiosas, ao lado da perseguição das religiões tradicionais, especialmente da Católica, completam a confusão geral. A bandeira da liberação das drogas é partilhada com a tolerância crescente com o consumo e com o tráfico das mesmas. A imprensa noticiou fartamente que dinheiro de traficantes das FARC supostamente financiou a eleição de Lula. Os indivíduos isolados, em meio a esse ruído contra-cultural, ficam indefesos e não têm como ter critério próprio de julgamento diante das aberrações, restando-lhes exclusivamente a luz natural da razão e da moral como guia. Gente fraca sucumbe imediatamente. E aquilo que sempre foi tratado como nefando passa a ser defendido como moral superior consagrada pelo sistema jurídico.
Essas principais idéias-chaves listadas acima resumem o credo gnóstico que deixa implícito o que os gnósticos de todos os tempos sempre defenderam: viva o aqui e agora, os vícios são virtudes, a salvação é nesse mundo, não existe nada no Além, Deus é o Papai-Noel dos adultos e por aí. É o epicurismo redivivo. Esse é o PT, o petismo, o Mal em ação.
Diante dessa realidade, só me resta fazer minhas as palavra de Voegelin em seu monumental livro A NOVA CIÊNCIA DA POLÍTICA:
“Isso significa, concretamente, que um governo tem o dever de preservar a ordem, bem como a verdade que ele representa; quando surge um líder gnóstico proclamando que Deus ou o progresso, a raça ou a dialética determinou que ele se tornasse o soberano existencial, o governo não deve trair a confiança nele depositada. Não ficam excluídos dessa regra os governos que funcionam com base numa constituição democrática e no respeito aos direitos individuais. Jackson, Juiz da Corte Suprema dos Estados Unidos, ao pronunciar a opinião contrária no caso Terminiello, afirmou que a Constituição não é um pacto de suicídio. Um governo democrático não se deve transformar em cúmplice de sua própria derrubada, permitindo que movimentos gnósticos cresçam prodigiosamente à sombra de uma interpretação errônea dos direitos civis; e, se por inadvertência um movimento desse gênero houver atingido o ponto crítico de captura da representação existencial através da famosa ‘legalidade’ das eleições populares, um governo democrático não se deve curvar à ‘vontade do povo’ e sim sufocar o perigo pela força e, se necessário, romper a letra da constituição a fim de preservar seu espírito”.
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