por Jeffrey Nyquist em 01 de abril de 2008
Resumo: Há uma diferença entre Atenas e a América que não devemos esquecer. Os inimigos de Atenas eram misericordiosos e razoáveis. Eles não buscavam derrubar ou subverter a ordem social existente. Ao invés de revolucionários, eles eram reacionários que acreditavam na sabedoria do passado.
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“Portanto, homens da Lacedemônia, decretem a guerra, como convém à dignidade de Esparta; e não permitam que os atenienses se tornem ainda maiores...” – Sthenelaidas, éforo[1] espartano.
Há mais de vinte e cinco séculos atrás, um livro começava com estas palavras famosas[2]: “Tucídides, um ateniense, escreveu a história da guerra entre os peloponésios e os atenienses...”. Eis aqui uma história de arrogância, império e violência. No século V a.C., Atenas tinha se tornado a mais poderosa cidade no mundo grego, energizada por uma nova forma de liberdade. Toda grande potência faz inimigos, e Atenas fez muitos. Sua riqueza era invejada. Sua política de liberdade e de poder compartilhado entre os cidadãos homens era temida pelos líderes conservadores em Corinto, Tebas e Esparta. Um famoso pensador político inglês do século XVII, Thomas Hobbes, traduziu a história de Tucídides e ofereceu as seguintes palavras de louvor: “Já foi ressaltado que, Homero na poesia, Aristóteles na filosofia, Demóstenes na eloqüência e outros antigos em outras áreas do conhecimento, ainda mantêm sua primazia; não sendo nenhum deles superado e alguns nem sequer aproximados por qualquer outro em épocas posteriores. E entre eles também está, com justiça, nosso Tucídides; um artífice não menos perfeito em sua obra do que qualquer um dos citados anteriormente; nele, a faculdade de escrever história está em seu mais alto ponto”. Hobbes argumentava que a história de Tucídides continha lições valiosas. Durante o século XVII, a Inglaterra estava agitada pelas discussões sobre democracia e republicanismo, aprendidas do estudo da história greco-romana. Hobbes estava amedrontado quanto aos rumos que essa discussão poderia tomar e, com ela, a Inglaterra. Naturalmente, a agitação levou a uma guerra civil que custou a vida de mais de cem mil pessoas. O que tornou Tucídides relevante para Hobbes no século XVII e o que o torna relevante hoje, é a probabilidade de que o desestabilizado mundo grego da antiga Atenas seja um modelo de desestabilização futura. Tal como os atenienses do século V a.C., estamos à beira da maior comoção que jamais aconteceu. “Ouvir a história repetida”, explicava Tucídides, “será, talvez, desagradável”. Não obstante, esta história ganha imortalidade porque instrui os povos que a sucederem quanto ao que podem esperar da liberdade descontrolada. Há momentos na história em que o mundo mergulha na loucura. Tudo muda para sempre e muito se perde. Ao descrever o seu tempo, Tucídides escreveu: “Pois nem jamais houve tantas cidades expungidas e desoladas... nem tantos banimentos e matanças, alguns pela guerra e outros pela sedição...”. Quando a própria sociedade é rompida, até mesmo a natureza parece rebelar-se. Ocorreram terremotos junto com um número incomum de eclipses; e houve terríveis surtos de peste. “Todos esses males vieram junto com a guerra”, declarou Tucídides. Guerras desse tipo podem acontecer novamente? Sim. Guerras assim acontecerão, de novo e de novo, até que a história mesma chegue a um fim. No limiar das grandes tribulações, raramente suspeitamos do horrível caminho que tomamos. Raramente vemos o perigo e o abismo que se abre sob nossos pés. Em Atenas, havia um político notável chamado Péricles. Sua famosa oração fúnebre em honra aos heróis atenienses mortos em combate soa quase americana em sua lógica: “Temos uma forma de governo que, por ter em sua administração respeito não a poucos, mas a uma multidão, é chamada de democracia. E, deste modo, há uma igualdade entre todos os homens diante da lei na solução de suas controvérsias particulares. A liberdade que desfrutamos em nosso governo estende-se também à nossa vida comum. Assim, longe de exercermos ciumenta vigilância de uns sobre os outros, não nos sentimos ofendidos porque cada um faz o que lhe aprouver. Mas isto não faz de nós cidadãos sem lei. Ao conversarmos uns com os outros, sem ofensa, mantemo-nos receosos de transgredir a coisa pública e somos sempre obedientes àqueles que governam e às leis, principalmente às leis tais como aquelas escritas para proteger contra a injúria”. De acordo com Péricles, os atenienses eram o maior povo do mundo. Eram os primeiros na guerra, os primeiros na liberdade, os primeiros na descoberta de novas idéias. Os atenienses tinham descoberto uma nova maneira de se governar. Era um modo de vida melhor, assim acreditavam. Os povos de outras cidades gregas, de outras nações, poderiam apreciar este modo de vida melhor. Porém, para muitas cidades gregas, os atenienses pareciam arrogantes. Seu império apresentava uma ameaça. Atenas e a América não são iguais. Mas lições que se aplicam a uma podem ser aplicadas a outra. Quando os homens rompem com a tradição, aventurando-se num colossal experimento político, eles perdem sua habilidade de navegar. Eles perdem seu senso de proporções, seu senso de certo e errado. É sempre perigoso se enganar quanto à posição em que se está e é perigoso perder os meios de reconhecer um erro; é perigoso acreditar que o sucesso imediato – ou que os sucessos obtidos até o momento – indique algum recém-descoberto caminho para a felicidade coletiva. A verdade pode ser a de que um experimento político, até agora bem-sucedido, esteja, não obstante, fadado ao desastre. Talvez haja algo de inerentemente instável nos materiais, no povo e na situação de poder e sucesso sem precedentes dos Estados Unidos. Talvez o vitorioso tenha sido estragado e corrompido por suas vitórias; uma nação que inove tanto talvez não possa abarcar e compreender as conseqüências de tantas inovações empilhadas umas sobre as outras. Os Estados Unidos desfrutaram da supremacia por quase o mesmo tempo que Atenas desfrutou da sua supremacia. Os Estados Unidos, tal como Atenas, acreditam que o seu modo de vida tem a chave para a prosperidade e a liberdade de outras nações. E os Estados Unidos, assim como Atenas, são odiados por seu poder. É questionável se os americanos agiram de forma tão injusta e brutal quanto os atenienses. Mas uma coisa é certa, dada a marcha do tempo: o povo dos Estados Unidos perdeu seu centro moral e corre o risco de cair num tipo de caos. Este caos se revela em nosso comportamento econômico – em nosso endividamento e no fracasso em obedecer às regras tradicionais da economia. Também ignoramos os alertas de nossos antepassados quanto a enredamentos no exterior. E perdemos também nosso senso comum em questões de família e comportamento pessoal. Mas há uma diferença entre Atenas e a América que não devemos esquecer. Os inimigos de Atenas eram misericordiosos e razoáveis. Eles não buscavam derrubar ou subverter a ordem social existente. Ao invés de revolucionários, eles eram reacionários que acreditavam na sabedoria do passado. Portanto, quando Atenas foi derrotada ao fim da Guerra do Peloponeso, Esparta não exterminou os atenienses nem destruiu a cidade. No caso dos Estados Unidos, todavia, o inimigo é revolucionário e niilista. Os revolucionários socialistas e islâmicos estão ávidos por matar, perseguir e destruir. E eles terão armas de destruição em massa para fazer o serviço. [1] NT: Em Esparta e em outros estados dórios, um éforo era um dos cinco magistrados escolhidos pela aristocracia, tendo poder executivo, judicial e disciplinar, vindo a supervisionar a conduta do rei. [2] NT: Todos os trechos de Tucídides, exceto aquele explicitamente atribuído a Thomas Hobbes, mas incluindo a Oração Fúnebre de Péricles, são traduções livres a partir da versão inglesa de Richard Crawley [Thucydides, Great Books, Chicago, 1952] e não cópias de qualquer outra versão existente em português. © 2008 Jeffrey R. Nyquist Publicado por Financialsense.com Tradução: MSM Jeffrey Nyquist é formado em sociologia política na Universidade da Califórnia e é expert em geopolítica. Escreve artigos semanais para o Financial Sense (http://www.financialsense.com/), é autor de The Origins of The Fourth World War e mantém um website: http://www.jrnyquist.com/
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