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segunda-feira, 17 de março de 2008

Arquivos 'humanitários' das FARC

Do portal do ESTADÃO
Por Denis Lerrer Rosenfield, Segunda-feira, 17 março de 2008

Os segredos do computador pessoal do narcoguerrilheiro Raúl Reyes oferecem uma excelente amostra de como funcionam esses criminosos, travestidos de defensores da humanidade. Os relatos estarrecedores dos seqüestrados mostram a que ponto chegou a desumanidade dos que dizem defender uma causa de redenção dos povos. O número dois das Farc era considerado um interlocutor confiável e, por alguns, como o ditador-presidente Hugo Chávez, um “bom revolucionário”. No Brasil, essas pessoas tinham livre trânsito enquanto defensoras do socialismo e chegaram a ser pessoalmente recebidas por dirigentes petistas, inclusive um governador de Estado. Não esqueçamos que eram assíduos freqüentadores do Fórum Social Mundial, sendo reconhecidos como “companheiros”. Companheiros de que e de quem?

Os arquivos, talvez o maior troféu da investida do Exército colombiano, permitem ver mais claramente o modus operandi de como uma guerrilha se torna, por seu próprio processo interno de amadurecimento e apodrecimento, uma organização criminosa. O que se apresenta como um grupo preocupado com a justiça social se torna um bando voltado para sua própria sobrevivência, graças ao tráfico de drogas e a uma indústria de seqüestros. Tudo isso sob o véu de uma ideologia de esquerda que é abertamente apoiada por Fidel Castro, Hugo Chávez, Daniel Ortega, Rafael Correa e, no Brasil, pelo PT e pelos movimentos sociais como o MST. Firma-se aqui uma espécie de pacto, o pacto pelo horror, pela violência bruta.

Um dos dados mais cruéis consiste no assassinato em 2007 de 11 deputados colombianos, que tinham já cinco anos como prisioneiros. Na época foi amplamente noticiado que eles teriam sido mortos quando de uma investida dos militares colombianos, apoiados pelos paramilitares (de direita, evidentemente, pois, se assim não fosse, o teatro não seria verossímil). A versão apresentada - e assimilada - por boa parte da mídia destacava que os “revolucionários” (bonzinhos, humanitários) haviam sido obrigados, para se defender, a matar esses parlamentares. Segundo outros mais “humanitários”, eles teriam sido mortos na própria atividade desse suposto resgate. O politicamente correto estaria - ufa! - salvo!

O que mostram os arquivos do computador? Mostram que se trata disto: uma montagem, destinada a formar a opinião pública nos moldes do que sempre foi feito pelo movimento comunista e socialista. Não esqueçamos, embora isto seja hoje longínquo, que as “confissões” obtidas por Stalin, pela tortura mais cruel, eram apresentadas como um ato voluntário de camaradas arrependidos, que teriam colaborado com o “inimigo”. Infelizmente, pouco mudou desde então, ao menos para aqueles que continuam fazendo o mesmo jogo da crueldade, o jogo político da morte violenta. O “companheiro” Raúl Reyes revela que esses deputados foram friamente assassinados e que esse suposto resgate nada mais era do que uma versão para capturar a opinião pública. Assim, é dito explicitamente que os “fatos” da presença de “operações conjuntas do exército-paras” na região conflagrada e o “assalto ao acampamento” de uma “força desconhecida” foram forjados por eles. O próprio teatro de operações seria arrumado de maneira a permitir a “entrada de comissões humanitárias” com o intuito de confirmar a veracidade dessa versão.

Observe-se a preocupação com a formação da opinião pública, imprescindível para que essa organização política usufrua apoio interno e internacional, sem o qual a sua “causa” ficaria desfalcada. Ora, para que esse apoio seja eficiente e, por assim dizer, “neutro” se torna necessário o comparecimento de comissões ditas “humanitárias”, que sejam os baluartes da versão apresentada. Coloca-se aqui o problema de ONGs e pessoas que se prestam a esse tipo de trabalho sujo, algumas de antemão já ganhas a essas posições. Uma vez esse elo conquistado, a cadeia de reprodução da versão se propaga para os meios de comunicação em geral.

Um outro fato esclarecedor se encontra na cooperação estreita com o narcotráfico e, inclusive, com os paramilitares, que não se desmobilizaram. Para a obtenção de recursos financeiros e armas tudo vale, até as convicções ditas “sociais”, que só servem mesmo como produto de exportação, pois para o modo de funcionamento interno elas nada contam. Quanto aos paramilitares, um dirigente revolucionário, a propósito de uma oferta de negociação de drogas, escreve simplesmente: “Quem chegue à área para comprar, segundo os preços e condições estabelecidas, não tem nenhum problema.” Abundam, ademais, as referências às negociações com o narcotráfico, em valores de várias centenas de milhões de dólares. Aliás, um dinheiro que poderia ser usado para programas sociais!

As relações são também íntimas com Cuba, Venezuela e Equador. Os contatos pessoais são freqüentes e mostram uma colaboração estreita e de longa data. Nada mais “natural”, considerando que são “companheiros” que compartilham uma mesma ideologia e perseguem o mesmo alvo: o estabelecimento do socialismo, ou seja, da “democracia totalitária” na América Latina. Os companheiros brasileiros ficaram sem ter o que dizer ou, se disseram, foi sob o modo da tergiversação. O MST defende as mesmas posições e é um ferrenho defensor das Farc, do regime de Fidel Castro e de Hugo Chávez. Em suas ações procura seguir o exemplo da narcoguerrilha colombiana, criando entre nós “áreas liberadas”, que são os assentamentos, onde não há a presença do Estado senão sob a forma indireta do financiamento com recursos públicos. O PT guardou um recatado silêncio. Quando o rompeu, foi para criticar a incursão colombiana em território do Equador. Nenhuma palavra foi dita sobre a ingerência deste país e da Venezuela nos assuntos internos colombianos. Sobre as Farc, o mutismo foi total. Fica difícil uma avaliação dos “companheiros” narcotraficantes?

Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na UFRGS.
E-mail: denisrosenfield@terra.com.br

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