Do portal FOLHA ONLINE
Por Sérgio Malbergier em 08/11/2007
Muito se falou do fracasso do Consenso de Washington, aquele formado em torno de idéias liberais pró-capitalistas após a desmoralização das esquerdas com a queda do Muro de Berlim (1989) e do Império Soviético. Mas, observando o que se passa no mundo hoje, exatos 90 anos depois da Revolução Bolchevique, é preciso muita ideologia para fugir da conclusão de que vem da direita as políticas transformadoras que trazem avanços concretos às tais massas trabalhadoras.
Os chineses vivem melhor hoje porque o país ficou mais capitalista, não menos. Com a Índia, é a mesma coisa, assim como nos países do Leste Europeu e no nosso Brasil, onde finalmente consolida-se, lentamente, a lógica de que quanto mais se segue as regras básicas do capitalismo, maior o avanço econômico.
Mesmo a maior bandeira das esquerdas pós-queda do Muro, o movimento antiglobalização, caiu como a Cortina de Ferro porque são inegáveis os benefícios da maior integração econômica global, que tirou centenas de milhões de pessoas da miséria na China (via exportação de manufaturados) e na Índia (via exportação de serviços e softwares), para ficar nos dois países mais populosos do mundo.
O fato de as esquerdas terem subido na barca furada da antiglobalização mostra bem sua busca desesperada por causas que as viabilizem e as renovem. Não que a bandeira básica da esquerda, a melhoria das condições de vida dos trabalhadores, tenha caducado. Será sempre defensável. Mas ela parece avançar com mais capitalismo, não com menos.
E isso tudo foi atingido graças a instrumentos do capitalismo criticados pelas esquerdas. Veja o exemplo da rapidez cada vez maior na transferência de capitais ao redor do planeta. Dizer que isso é um problema para as economias nacionais é como dizer que a maior velocidade dos aviões é ruim para o transporte de passageiros. Quanto maior a capacidade de movimentar seu dinheiro, melhor, qualquer correntista de banco sabe disso. O problema pode vir das decisões tomadas a partir dessa capacidade, não da rapidez em si.
É essa maior rapidez que permite que o dinheiro saia dos centros ricos e busque maior rendimento nos países emergentes e pobres, capitalizando, por exemplo, as empresas brasileiras listadas na Bovespa, que assim têm mais dinheiro para investir e gerar empregos.
Outro exemplo esclarecedor é o da França, berço da esquerda e da direita como terminologia política (na França pós-revolucionária, os liberais sentavam-se à direita na Assembléia; os revolucionários radicais, à esquerda). Um político direitista, o presidente Nicolas Sarkozy, foi eleito com um discurso muito mais revolucionário e transformador que sua oponente socialista, Ségolène Royal. Ao assumir, convocou as melhores cabeças da esquerda para seu gabinete, revelando outra faceta da direita pouco vista na esquerda - pragmatismo na busca de resultados vem antes da ideologia.
É fácil concluir que as grandes revoluções hoje se dão dentro do capitalismo, não fora dele. A não ser que você considere o Socialismo do Século 21 de Hugo Chávez, o petrodependente caudilho venezuelano, solução viável para as mazelas do mundo. Se o for, só falta então inundar nosso solo com petróleo. O problema é que, na cristalina e inescapável lógica capitalista, o preço do produto cairia, derrubando consigo esse socialismo redivivo.
O socialismo do século 21 parece ser mesmo o capitalismo globalizado, apesar de todos os seus enormes defeitos.
Sérgio Malbergier é editor do caderno Dinheiro da Folha de S. Paulo. Foi editor do caderno Mundo (2000-2004), correspondente em Londres (1994) e enviado especial a países como Iraque, Israel e Venezuela, entre outros. Dirigiu dois curta-metragens, "A Árvore" (1986) e "Carô no Inferno" (1987). Escreve para a Folha Online às quintas.
E-mail: smalberg@uol.com.br
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