Escrito por Marcelo Rech, editor do InfoRel em 06 de novembro de 2007
No início da década de 1990, a esquerda brasileira foi decisiva na criação do chamado Foro de São Paulo, uma espécie de organização que reúne as esquerdas da América Latina.
Na época, além de representantes de partidos políticos, participaram também integrantes de movimentos sociais e guerrilheiros da região, como as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – Farc.
São históricos e profundos os laços que unem a guerrilha e a esquerda brasileira. Com a chegada ao poder do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, essas relações se tornaram mais discretas por um lado, e mais intensas por outro.
E isso se explica através da decisão do Comitê Nacional para Refugiados (Conare), órgão vinculado ao Ministério da Justiça, e que em julho do ano passado, decidiu conceder ao ex-padre Francisco Antonio Cadenas Collazzos, também conhecido como Olivério Medina, o status de refugiado político. Ele atuava como porta-voz das Farc no Brasil.
Cadena Collazzos é acusado na Colômbia de crimes hediondos como terrorismo e seqüestro. No dia 21 de março, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu arquivar o pedido de extradição do governo colombiano.
Os ministros entenderam que a decisão do governo brasileiro de conceder status de refugiado ao acusado, impedia o prosseguimento do processo.
Ainda em julho do ano passado, o governo colombiano pediu que a decisão fosse revista e o pedido de extradição foi reiterado.
Os advogados do colombiano sustentaram que ele corria risco de morte se fosse entregue às autoridades do país. Vários partidos políticos do Brasil criaram um movimento pela libertação de Medina, que assumiu em carta, o compromisso de afastar-se do conflito político da Colômbia.
A decisão é incômoda. Principalmente para um governo que tem vínculos muito estreitos com a guerrilha. Mas, foi uma decisão política e não técnica.
Foi mais cômodo manter o guerrilheiro no Brasil, apesar das muitas dúvidas que pairam sobre as verdadeiras relações entre Farc, PT e governo.
Um possível derrame de dinheiro das Farc na primeira campanha de Lula foi denunciado pelo deputado federal Alberto Fraga (DEM-DF), mas a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), garantiu não ter nada de concreto sobre o assunto.
O PT chegou a desmentir os vínculos com as Farc, mas solidarizou-se com a guerrilha como ficou claro na Resolução número 9 do X Foro de São Paulo, de 7 de dezembro de 2001.
O documento condena a repressão à guerrilha por parte do governo colombiano classificando-a como “terrorismo de Estado” e “verdadeiro plano de guerra contra o povo”.
Desta forma, a assembléia decidiu: “Ratificar a legitimidade, justeza e necessidade da luta das organizações colombianas e solidarizar-nos com elas.”
Trata-se de uma promessa de solidariedade que poucos meses depois, por temores eleitorais foi negada pelo PT. O texto é assinado por representantes de 39 organizações, entre as quais o Partido dos Trabalhadores.
Foram partidos políticos que orientaram Olivério Medina a pedir refúgio no Brasil. Foram partidos políticos que politizaram os debates do Conare. Foram essas pressões, que em alguns momentos vieram do Palácio do Planalto, que contribuíram para que o colombiano não fosse entregue para responder na Justiça do seu país, pelos crimes que lhe imputam.
O Brasil, em que pesem os discursos pró-integração, é omisso com o conflito colombiano, ainda que tenhamos o ônus da fronteira comum. As Farc não são um movimento político beligerante, mas um grupo de narcoterroristas aos quais não interessa a paz na Colômbia.
Talvez as pressões políticas exercidas sobre o Conare não tenham permitido que seus conselheiros tivessem uma visão mais ampla do que representam as Farc no contexto regional.
Um exército irregular que busca combatentes nos países vizinhos usa o Brasil para abastecer-se de insumos, e já possui bases na fronteira com o Equador. Que usam crianças nos combates e assassinam camponeses, controlando com mão-de-ferro os interiores da Colômbia.
Isso sem falar no que fazem com as meninas adolescentes que são recrutadas e sem opção ou por coação, acabam integrando as várias frentes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia.
Uma vez integradas à guerrilha, são submetidas a todo tipo de humilhações, incluindo violações sexuais por parte dos “guerreiros”.
Ao conceder o status de refugiado político ao senhor Medina, as autoridades brasileiras legitimam as agressões aos direitos humanos e a violência naquele país.
A postura brasileira de não imiscuir-se em temas internos dos países soberanos beira a covardia, pois é notória a vinculação das Farc com o crime organizado no Brasil.
Além disso, o território brasileiro não é utilizado apenas e tão somente para a compra de provisões. Aqui são negociadas drogas e armas e planejadas operações executadas na Colômbia.
Não se trata, portanto, de condenar os vínculos com a esquerda latino-americana que tem logrado êxitos legítimos, através das urnas, mas de ressaltar-se o óbvio: as Farc não têm interesse na paz e não almejam o poder pela via democrática.
Muito diferente do que ocorreu recentemente com os sandinistas na Nicarágua, ou com Chávez, Morales e Correa, na Venezuela, Bolívia e Equador, respectivamente. Todos ascenderam ao poder democraticamente.
No dia 28, realizou-se em Brasília, a terceira edição do Dia Internacional do Soldado e do Policial Colombiano Mutilados. Em 17 anos, foram mais de 3.600 os feridos por minas terrestres. Uma média de 215 por ano, mas que tem crescido de forma absurda nos últimos dois anos.
Os militares colombianos têm hoje, um índice de aprovação popular de 82% e as Forças Armadas daquele país, são a instituição de maior credibilidade na Colômbia. Enquanto isso, as Farc que se autodenominam “Exército do Povo”, tem menos de 1% de aprovação e só ficam à frente do ELN.
Esses dados mostram que a violência na Colômbia tem feito vítimas não apenas junto à população civil, mas também àqueles que combatem diretamente a guerrilha. Para essas pessoas, os direitos humanos são letra morta.
O Brasil, talvez sem a intenção deliberada, ignorou essas vítimas e fortaleceu o papel das Farc na região, ao impedir que o senhor Medina fosse extraditado. Nem mesmo as possíveis ligações de integrantes do governo colombiano com paramilitares, justificam tal decisão.
O Brasil ignorou os direitos humanos de Tatiana, 15 anos, da Frente 58 das Farc, que perdeu a mãe assassinada pela guerrilha e foi abandonada pelo pai, em Dabeiba, Antioquia. Sem opção, foi recrutada pelas Farc e poucas semanas depois, já manuseava um fuzil AK-47 reforçado.
Em julho de 2003, a revista SEMANA, de Bogotá, publicou extensa reportagem sobre a infâmia cometida pelas Farc. Computadores da guerrilha foram apreendidos e registravam até onde chegavam os abusos cometidos contra as meninas colombianas.
Adriana, com 16 anos, recebeu dos comandantes a quem servia sexualmente, comprimidos de Cytotec abortivos. A gravidez contraria as regras impostas pelas Farc e Adriana, algumas semanas depois do aborto, foi condenada a semear quatro hectares de milho na região de La Esmeralda. Pelo menos 35 menores de 16 anos integraram a Frente 58 das Farc, de acordo com a Justiça colombiana.
Como bem ressaltou a reportagem de SEMANA, um crime contra a humanidade minimizado pelos comandantes com muito cinismo. Cinismo este que também o Brasil legitimou com sua decisão.
Fonte: portal MOVIMENTO ENDIREITAR
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