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terça-feira, 21 de agosto de 2012

Três em um: O Direito Positivo e o fim da república

 

perspectivas

Segunda-feira, 20 Agosto 2012

O Direito Positivo e o fim da república (Parte I)

Quando passamos pela esmagadora maioria dos blogues portugueses, e sobretudo os mais “badalados” como, por exemplo, o Blasfémias, verificamos o efeito extremamente negativo que resulta do processo de degeneração política, cultural e jurídica que se iniciou com a positividade do Direito (Kelsen).

Podemos conceber a evolução da sociedade a partir de Kelsen como um processo de putrefacção do sistema político, social, cultural e jurídico. A sociedade foi apodrecendo lentamente.

Uma das razões, senão a principal, por que nunca nenhum político activo foi condenado em um tribunal português por crime de corrupção, prende-se exactamente com a concepção do Direito Positivo como sendo uma construção artificial controlada pelas elites e da qual foi banida totalmente o Direito Natural. Toda a gente vê que “o rei vai nu”, mas colocar em causa a concepção positivista e kelsiana do Direito é tabu, porque essa concepção do direito, segundo a qual a legalidade discricionária da lei é a sua própria legitimidade, agrada a todos os partidos políticos portugueses, sem excepção. O sistema está minado.

A democracia e a república estão feridas de morte. Enquanto os políticos portugueses mais velhos (por exemplo, Spínola, Ramalho Eanes, Cavaco Silva, e mesmo Mário Soares e Jorge Sampaio, para além de políticos e/ou deputados de outra geração, como por exemplo Adriano Moreira, António Guterres ou Marcelo Rebelo de Sousa), e que estão hoje reformados, assumiram o poder político nas décadas de 1980 e 1990, ainda respeitaram a força do Direito Natural no nosso sistema jurídico em função de uma certa (inconsciente) herança cultural salazarista. A partir da década de 2000 (coincidindo com a entrada no Euro), com a emergência de uma nova geração de políticos, o sistema legislativo começou a descambar e o Direito Natural foi, em termos práticos, totalmente afastado do nosso ordenamento jurídico.

That ‘ s All, Volks!

Ou melhor dizendo: durante o Estado Novo e uma grande parte da III república, o Direito Positivo foi “filtrado”, por assim dizer, pelo Direito Natural; a feitura das leis teve, naquela época, a influência omnipresente do Direito Natural. A partir da chegada ao poder de uma mais nova geração de políticos — por exemplo, Durão Barroso, Santana Lopes, José Sócrates, Paulo Portas e Passos Coelho —, assim como a emergência de deputados da nova geração — por exemplo, Francisco Louçã, António José Seguro, Adolfo Mesquita Nunes, Francisco Assis, etc. —, verificamos a degradação evidente do sistema democrático e parlamentar e, por isso, assistimos hoje ao fim da república.

Durante o Estado Novo e uma grande parte da III república, a influência da teoria do Direito Positivo de Kelsen foi, digamos assim, “temperada” pela teoria de Carl Schmitt. É sobre isto que eu pretendo falar nesta pequena série de postais, utilizando uma linguagem chã e acessível. A partir de 2000, e com a influência política da construção do leviatão europeu, por um lado, e pela emergência da nossa classe política desprovida de cultura (“gente menor”, como a classificou José Hermano Saraiva) e de memória histórica (presentismo), por outro lado, o Direito Positivo segundo Kelsen foi, finalmente, assumido em todo o seu esplendor, e sem qualquer mecanismo de correcção (Carl Schmitt).

Perante o fim da III república, existem basicamente dois caminhos: ou uma evolução progressiva e continuada para a instituição de uma ditadura suave baseada no primado da total discricionariedade do Direito Positivo kelsiano na sociedade portuguesa, em que a democracia se torna meramente formal e desprovida de conteúdo autêntico (isto já está a acontecer); ou acontecerá um golpe-de estado (não será possível de outra maneira, dado o unanimismo dos partidos políticos sobre a concepção actual do Direito) que reporá um certo equilíbrio entre a concepção kelsiana do Direito e o Direito Natural (provavelmente com a restauração da monarquia em Portugal).

Na segunda parte desta série de verbetes vou dar aqui uma noção da teoria do Direito de Kelsen e o seu contraponto segundo Carl Schmitt.

 

O Direito Positivo e o fim da república (Parte II)

Max Weber

Vimos no primeiro verbete que o sistema político da III república é irreformável, porque existe um unanimismo político-partidário actual (por razões diferentes, à esquerda e à direita) acerca da erradicação do Direito Natural e da prevalência absoluta do Direito Positivo no ordenamento jurídico português — ou seja, todos os partidos políticos estão de acordo quanto à prevalência do absolutismo do formalismo processual positivista (processualismo) no Direito. Neste quadro, o sistema político actual não é susceptível de reforma.

A razão por que as ciências sociais não são consideradas como “ciências exactas” é a de que lidam com o ser humano e com a sociedade. (1) A razão humana há muito que chegou à conclusão de que não é possível lidar, com o ser humano e com a sociedade, da mesma ou idêntica forma que a física, por exemplo, lida com o seu objecto científico — porque o ser humano é simultaneamente sujeito e objecto. (2) De modo semelhante, a razão humana há muito que concluiu que o positivismo não pode determinar a ética. Estes dois factos são tão evidentes quanto é evidente que 1+1=2.

Perante a realidade dos factos, o positivismo foi, nas últimas décadas, sendo restringido às chamadas “ciências exactas” e ao seu método científico — com excepção do Direito, onde o positivismo se tem vindo a expandir de uma forma abrangente e quase exclusivista, na Europa e em Portugal, desde há 20 anos para cá. A expansão absolutista do positivismo no Direito tem como resultado a exposição da antinomia denunciada por Max Weber entre “racionalidade processual”, por um lado, e “racionalidade substancial”, por outro lado.

A actual perversão do sistema político português é a de que a absolutização da “racionalidade processual” no Direito (com a erradicação crescente da contribuição do Direito Natural para a feitura das leis) é utilizada — ou seja, é instrumento — para impor à sociedade, de uma forma cada vez mais coerciva e arbitrária, uma determinada mundividência elitista (comum a todo o espectro partidário) e desenraizada da realidade ontológica humana e da cultura antropológica. Ou seja, o absolutismo da “racionalidade processual” no Direito é hoje um instrumento ideológico genérico — e comum às elites em geral, cada uma delas, à esquerda ou à direita, na sua forma peculiar e idiossincrática — da revolta das elites contra o povo. Este fenómeno político é inédito em Portugal, no sentido da sua actual dimensão e abrangência.


O DIREITO NATURAL É RACIONAL. Mas sendo racional, é substancial (tem um conteúdo valorativo baseado na razão). É o resultado de princípios universalistas deduzidos da razão, princípios esses que se tornam abstractos na sua aplicação prática e jurídica. É um Direito que depende de princípios que são, também, substanciais (por exemplo, baseados na razão, na natureza, na ontologia humana, etc.) de ordem metajurídica.

“Ordem metajurídica” significa que o fundamento do Direito — tal como acontece, por exemplo, no fundamento da ciência e na verificação empírica dos factos, e também na ética — escora-se na metafísica.

Existe subjacente ao Direito Natural uma fundamentação axiomática primordial que ultrapassa o próprio Direito e que o transcende. Da mesma forma que não podemos explicar a razão ou causa de um axioma lógico — por exemplo, “num triângulo recto, o quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos catetos” —, o fundamento do Direito é axiomático e escora-se na metafísica. Não há nenhum argumento racional que possa contradizer esta proposição.

A racionalização total do Direito descambou no seu carácter absolutamente positivo, o que significa a negação dos princípios metajurídicos, em favor de um Direito que não tem outro fundamento senão a vontade tendencialmente absolutista das elites, e em um processo crescente de revolta das elites contra o povo.

Se o Direito não depende senão de decisões das elites — por via da erradicação crescente do Direito Natural do processo de feitura das normas jurídicas— , então a validade das leis apenas e só se baseia na validade do “processo de promulgação”. Ora, o “processo de promulgação” é cada vez mais o negócio escabroso, maçónico e imoral feito pelas elites e entre elas, à porta fechada, e sem conhecimento da esmagadora maioria do povo. Nenhum partido político escapa a esta imoralidade que resulta da eliminação progressiva do Direito Natural do quadro jurídico.

O desenvolvimento crescente da influência absolutista do positivismo jurídico implica inexoravelmente a erradicação da axiomatização jusnaturalista e favorece o progresso da exclusividade do positivismo no Direito (por exemplo, com a recusa implícita ou explícita de imperativos éticos), e introduz um cepticismo generalizado em relação ao Direito, e uma submissão irracionalizada em relação ao Poder e às autoridades que se afirmam legítimas a cada momento — sendo que se afirma o mito e a crença segundo os quais a legalidade é o fundamento absoluto da própria legitimidade; e, por outro lado, desenvolve-se uma dominação legal estribada no incremento exacerbado da burocracia. Separa-se radicalmente o Direito, da Ética. Separa-se radicalmente a forma jurídica dos seus fundamentos e dos fins substanciais.

O Direito passou a ser, cada vez mais, aquilo que as elites querem a seu bel-prazer, e o processo democrático passou a ser apenas um método de conduzir o povo, mediante instrumentos políticos de coerção mais ou menos camuflados (por exemplo, utilizando os me®dia ou Meios de Cretinização de Massas), a uma condição de totalitarismo suave.

Esta é razão por que a III república está moribunda.

 

O Direito Positivo e o fim da república (Parte III)

“O sistema de justiça português é constituído por lojas maçónicas e controlado pela maçonaria.”

via Ex-juiz acusa maçonaria de controlar a justiça – Portugal – DN.

Vamos colocar a hipótese da seguinte proposição: X=Y+Z. Vemos aqui uma equação ou uma fórmula. “Fórmula” e “forma” têm a mesma origem etimológica. Portanto, X=Y+Z é uma fórmula ou forma, ou uma proposição formal. A proposição formal X=Y+Z é constituída por três variáveis: X, Y e Z; e são “variáveis” porque podem ser substituídas por qualquer valor que resulte em um resultado verdadeiro da proposição formal. Por exemplo: 3=1+2. Ora, esta proposição formal contém variáveis que podem ser substituídas por valores numéricos ad infinitum.

Uma coisa parecida passa-se com o Direito Positivo. Imaginemos, por absurdo que seja, que a fórmula X=Y+Z é o processo formal de promulgação legislativa segundo o Direito Positivo. Podemos, então, substituir as variáveis dessa proposição formal com quaisquer números a condizer, desde que batam certo no resultado. O valor dos números, entendidos em si mesmos, não tem absolutamente nenhuma importância para o formalismo processual do Direito Positivo.

Se transpusermos este exemplo para o Direito Positivo segundo a “Teoria Pura do Direito”, de Kelsen, verificamos que os valores substanciais e concretos que estão presentes no Direito Natural são eliminados. Passa a haver apenas e só uma fórmula, fria e inumana, que designa o processo de promulgação legislativa; e essa fórmula processual pode ter as suas próprias variáveis diferenciadas, que são independentes de valores e cujo resultado, contas feitas e afinal, redunda na total arbitrariedade.

O Direito Positivo é fundado sobre contradições insanáveis. Por exemplo, “a fonte do Direito é apenas e só, o Direito”. Ou seja, o Direito é uma redundância. Quando se diz que o Direito regula a sua própria criação, isso significa, na prática, que não só as variáveis do formalismo do processo de promulgação das leis podem ser alteradas arbitrariamente (pelas elites), como se podem criar diversas fórmulas processuais que se podem revestir de características desumanas e mesmo anti-humanas, e continuando, mesmo assim, a ser sempre consideradas como “Direito”. “O Direito pode ter não importa que conteúdo” (Kelsen).

Com o imperialismo do Direito Positivo, o Estado e o Direito passam a ser uma e a mesma coisa. E para que os cidadãos não fiquem excluídos do Direito, a lei passa a perder a sua dimensão geral e abstracta, à medida em que o Estado monopolizador do Direito se imiscui na economia e na área social (Estado-Providência). O Direito passa então a orientar-se para a utilidade (utilitarismo) e para a adequação sistemática da norma ao facto (o Direito perde a sua dimensão geral e abstracta): ou seja, instala-se a total arbitrariedade política e jurídica das elites (por exemplo, aumenta, de uma forma desmesurada, o poder discricionário dos juízes).

O racionalismo jurídico levado ao extremo actual volta-se contra si mesmo: é obrigado a admitir uma jurisdição não apenas formal, mas também irracional. E é desta irracionalidade intrínseca ao Direito Positivo que resulta da sua própria dinâmica processual, de que se aproveitam os movimentos extremistas e radicais de esquerda (por exemplo, Bloco de Esquerda) no sentido da prossecução de uma política de engenharias sociais anti-ontológicas. Afinal, basta mudar os valores das variáveis, desde que o resultado bata certo.

A Hungria é um hoje um país que escolheu (através do voto popular) um caminho diferente, quando tenta conciliar, no sentido da complementaridade, o Direito Positivo e o Direito Natural. E por isso, a Hungria tem vindo a ser literalmente perseguida pela União Europeia. O futuro dir-nos-á sobre a capacidade de resistência do povo húngaro às invectivas terroristas da União Europeia. Mas outros países já começam a compreender o perigo da arbitrariedade absolutista inerente ao Direito Positivo: a Rússia afasta-se ostensivamente da decadência ocidental (que inclui os Estados Unidos de Obama) ao considerar o Direito Natural na formulação das suas leis positivas.

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