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segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Da importância do “desapego”

 

LUCIANO AYAN

Estava conversando com um leitor deste blog dia destes (Gabriel Marques) no Facebook, e ele me comentou algo muito interessante.

De um passado neo ateu, hoje ele abandonou o neo ateísmo e possui uma postura cética em relação ao humanismo. Talvez por isso, e por conhecer o neo ateísmo (ele como um ex-aderente, e eu como um combatente), o diálogo foi bem frutífero.

Enfim, o que esse diálogo me relembrou é, de uma forma mais técnica, o motivo pelo qual aquele que está envolvido emocionalmente tende a se dar mal em debates, especialmente quando estes se transformam em uma forma de guerra. Esse é o panorama no qual o neo ateísmo está inserido, até por que da parte deles a proposta foi o estabelecimento da postura de combate, com o fato deles “toparem” participar do movimento esquerdista, que está em guerra cultural contra a direita.

E por que eles estão emocionalmente envolvidos? Pois são eles que possuem uma ojeriza em relação a crença em Deus e às manifestações da religião tradicional, e tomam como VALOR o fato de que a crença religiosa seja eliminada da face da terra para que enfim “seja criado o mundo melhor”. Só que se cavarmos fundo, veremos que isso tudo não passa da malfadada crença no homem. Essa é a crença pela qual eles estão tão apaixonados.

Muitos se orgulham da beleza de sua esposa, do último carrão adquirido, ou de seus atributos físicos. Os neo ateus, por serem humanistas, se orgulham de estarem representando uma ação para transformar o mundo, torná-lo mais justo e “tolerante”, defendendo que isso SÓ OCORRERÁ por causa do fim da religião.

Uma pessoa mais realista e mentalmente sadia, por outro lado, entenderá que os conflitos por recursos são inerentes à espécie humana, e ocorreriam com ou sem religião. Aliás, em cenários sem religião (como na China e Rússia), as mortes ocorreram em larga escala, o que mostra que a “tese” neo ateísta nunca foi nada que prestasse. Mas os neo ateus se apegam a idéias como essa como um carrapato. E jamais as abandonarão.

O resultado é que temos pessoas emocionalmente envolvidas com a crença no homem no batalhão neo ateísta, e hoje em dia ainda vejo isso pouco explorado pelos adversários deles. Esse é o ponto que os desestabilizará no conflito de idéias. Esse é o momento no qual poderemos expor ao público que estamos diante de adversários que possuem idéias facilmente ridicularizáveis e ao mesmo tempo perigosas. Se bem explorado, este é o ponto que os deixará emocionalmente envolvidos no combate, a tal ponto que a batalha de idéias estará vencida desde que tenhamos argumentos minimamente razoáveis contra eles.

Alguns diriam que eu poderia estar “apegado” à descrença no homem, mas eu nem precisaria deste apego, pois os fatos estão em minhas mãos. Eu tenho toda a psicologia evolutiva a meu favor, mostrando que o ser humano não se modifica em termos biológicos somente por causa de sua cultura. Os genocídios da Segunda Guerra Mundial, por sua vez, comprovam que a tese de que não temos indício algum de mudança biológica em relação à mesma espécie perigosa que vivia nos tempos tribais. Aliás, pela tecnologia de morte disponível, basta ocorrer a menor oportunidade que o ser humano mostrará seu instinto de destruição de forma cada vez mais devastadora. Assim, o “apego” que eu teria pela descrença no homem é o mesmo que eu tenho pelo fato de que a chuva é molhada.

O apego de que estou falando é aquele que faz alguém se tornar emocionalmente envolvido pelo objeto da discussão, QUERENDO que todos os outros aceitem que ele é de fato verdadeiro. A crença extraordinária é a crença no homem, não seu oposto.

Alguns místicos do passado, como thelemitas, caóticos e até alguns cristãos “iniciados” (como os R+C), aprenderam, depois de muita disciplina, a se desapegarem de suas crenças no quesito emocional. Ou seja, enquanto um neo ateu está desesperado querendo que todos nutram a mesma crença no homem que ele, um thelemita não está dando a mínima para o fato de que suas crenças sejam aceitas pelo outro. Para este último, crenças são ferramentas para efeitos serem obtidos, mas não objeto de ostentação. A regra é simples: é o outro que tem que ir para a arena, se exibindo por causa de uma crença, não ele. Nesta época (sim, eu já fui um estudioso de Thelema e outras artes similares), eu aprendi a entender melhor isto que denominamos de “falhas de ego”.

De acordo com esta concepção que apresento aqui, a idéia é simples. Coloque suas conquistas como objeto de orgulho, mas não ideologias. É estúpido demais sair defendendo algo que só vai gerar valor para os outros, como no caso da ditadura do proletariado ou o governo global. É se rebaixar demais, tornando-se uma ovelhinha a serviço de pessoas muito mais espertas que você.

Uma crítica que poderia surgir: “Luciano, mas você não defende o conservadorismo?”. Sim e não. Eu me simpatizo com o conservadorismo, e acho-o mais lúcido que o esquerdismo, isso é fato. Mas quantos posts meus vocês já viram “defendendo valores conservadores”? Eu uso a perspectiva do ceticismo em direção ao esquerdismo, na qual o aceite do conservadorismo é uma consequência natural ao questionamento pelo qual passa o esquerdismo, transformando as crenças centrais dos adeptos de Marx e Comte em meros contos da carochinha. Em suma, pelo conservadorismo cético, eu sou muito mais um destruidor do esquerdismo (através do questionamento impiedoso) do que “vendedor de conservadorismo”.

Se fosse no ambiente corporativo, eu estaria muito mais como aquele que diz quais são os gerentes que não prestam do que aquele que define “qual é o gerente ideal”. O lema, neste caso, é “vamos testar aquele ali”, ao invés de fornecer o apoio incondicional. Pode parecer uma perspectiva essencialmente aniquiladora, e realmente é.

O fato é que enquanto estamos endossando algo, estamos vulneráveis. Quando estamos “vendendo” algo, também. Faça o teste e vá em qualquer loja e note quando um vendedor se aproxima de você. Quem está em vantagem? Sempre será você, pois você tem o poder de dizer “eu não quero” em relação ao produto.

Por isso, lembre-se sempre quando estiver em um debate. Quem está “vendendo” algo? É o neo ateísmo que está sendo vendido, ou o teísmo? Neste último caso, caso você seja teísta e se apegue emocionalmente à crença em Deus durante o debate, ele assume vantagem. Mas se você se desapegar desta crença, e reverter o jogo forçando que ele venda o neo ateísmo (e as idéias centrais do ateísmo), tornando-se o esmagador da crença vendida por ele, você tem boas chances de assumir o comando.

Nos tempos de estudos “esotéricos” (que não tem nada a ver com estudos “exotéricos”) aprendi a cultivar a idéia de que eu precisava trabalhar o meu ego. Cada vez mais. Ele sempre vai apresentar um defeito ou outro, por isso a vigilância sempre é útil.

Em resumo, vamos aos guidelines (que não defino como “regras”, pois você segue se quiser):

  1. Descubra o objeto de crença do oponente, dando prioridade àquele do qual ele mais se orgulha
  2. Ataque este objeto de crença, e force-o a ficar cada vez mais apegado (efeito backfire), questionando-o de forma incisiva
  3. Quando o outro estiver irritado, e se este objeto de crença não for justificado, ridicularize o objeto de crença, sem dó nem piedade
  4. Quando o oponente tentar reverter o jogo, demonstre desapego por sua crença, deixando que ele continue na arena

Seguindo essas diretrizes, você poderá observar se as falhas de ego do outro se revelarão, e quando ele colocar como objeto de crença a ser “vendida” algo injustificável, terá, enfim, entregue os pontos.

Não se incomode com a extrema humilhação que o outro poderá sofrer. Como diria Peter J. Carooll: “Talvez ele aprenda uma coisa ou duas”. Ou, como diria Nietzsche: “A vergonha é a mãe do aprendizado”.

Abaixo, uma versão ao vivo, ainda mais arrebatadora, da música que ilustra este post, “Veteran of Psychic Wars”, do Blue Oyster Cult:

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