PORTA FIDEI
17terça-feira jul 2012
Posted by portadafe in Espiritualidade, Igreja
Por Frei Ângelo Bernardo, OMin.
* Questões devem ser enviadas diretamente ao email do autor.
Estas são considerações indignadas de um filho do poverello de Assis. Desde a leitura, releitura, apreciação da fala do “Doutor Leonardo Boff”, procurei ler suas obras com afinco, sobretudo a que o ‘condenou’: “Igreja: Carisma e Poder – Ensaios de Eclesiologia Militante”, editado pela Vozes em 1981, bem como outras obras há anos publicadas, como “Jesus Cristo Libertador”, tendo sua primeira edição em 1972 e outras mais recentes. Para não incorrer em erros e contradições, busquei entender o seu pensamento, o modo como, o a partir donde ele escrevia e escreve.
Desde a primeira vez que li a enfadonha entrevista do “Doutor” à revista IstoÉ, em 28 de Maio passado, fiquei espantado com tanta arrogância da parte de quem já foi um dia, um filho de São Francisco. São falas de alguém que, certamente, “já não tem mais nada a perder” e, por isso mesmo, atira qual guerrilheiro para todos os lados, sobretudo, para o coração daquela que lhe acolheu um dia: a Igreja. Manifestamente, ressalta inúmeras vezes, ao longo dos anos e da entrevista, sua ojeriza ao sucessor de Pedro, ao Vigário de Cristo, o Papa Bento XVI. É claro que todos têm consciência de que quando ele o ataca, o faz não pela investidura papal, mas pelo cardeal que o silenciou, anos atrás, Joseph Ratzinger.
Li todos os documentos dos dicastérios romanos e os da Cúria Geral da Ordem dos Frades Menores – da qual ele fazia parte – e, que se referiam ao seu caso. Em sua maioria estão publicados no livro: “Il caso Boff”, dos Quaderni EMI/SUD (Bolonha, 1986). Em contrapartida, também li contestadores e, claro, não poderia deixar de ler uma boa parte das obras do então Cardeal Joseph Ratzinger, sem deixar também de ler as suas obras já como Bento XVI. Chamo a atenção dos leitores e digo que cada parágrafo aqui escrito foi bem ponderado e revisto, de modo apologético. Por isso, para cada qual é necessário “saber ler”, ou seja, “inteligência” (inter-legere), “ler entre as linhas” – pois trazem outras mensagens por detrás.
Não tenho a experiência senil-septugênita de Boff; Mas tenho por mim, o peso de fazer parte de uma Ordem com mais de 800 anos de história de “obediência e reverência à Igreja Romana”. Este também é o movente da escolha proposital da data de publicação, no dia de hoje: 4 de outubro – dia em que o mundo inteiro faz memória solene e o céu se alegra com o Seráfico Pai São Francisco de Assis. Não poderia haver data melhor. Pode parecer ousadia da minha parte, mas não me contive em falar, em defender a minha família, a minha “raça franciscana”, que não está fora do ser “católico apostólico romano”.
Isto afirmo, já para consertar o falso juízo que, em vários lugares, lemos, vemos e ouvimos falar de uma “espiritualidade cristã e franciscana”. Ora, desde quando o toque inicial, a ‘visita do Senhor’ a São Francisco foi fora do cristianismo ou muito menos fora da Igreja Católica? É algo até anacrônico e, portanto, um grave erro fazer tal afirmação, pois não se pode ser franciscano sem ser cristão católico!
No afã de querer fazer um pseudo-ecumenismo, querer agradar, muitos (leia-se aqui religiosos franciscanos – frades e freiras) cometem este crasso pecado contra “o espírito do Senhor e seu santo modo de operar” (RB 10,9) que, resumindo em uma palavra, dizemos o “Carisma” que tocou Francisco, Clara, Boaventura, Antônio, entre tantos outros. É bom lembrar que “carisma” vem da palavra “Charis” que, por sua vez, se refere a Deus e significa “Amor” (cf. 1Jo 4,8b). Por isso mesmo, o ‘Carisma’ é anterior ao fazer: é o SER! (cf. Jo 1,1-3). E quem é O Ser senão o próprio dono da vocação, autor da vida, Senhor da história, senão Nosso Jesus Cristo, pobre, humilde e crucificado?! (cf. Fl 2,7-8).
Um texto como este faz com que Leonardo Boff mais uma vez venha à baila. Pois creio que a grande questão não é tanto se o conteúdo dos seus livros são bons ou ruins. Ele é um autor como outros. O grande “X” é o nível de atenção e importância que se dá tal. E isto me incomoda.
E incomodou-me muito e doeu-me ler a resposta à última pergunta da repórter: “Sou católico apostólico franciscano”; É uma enorme contradição e uma falácia dizer-se “católico apostólico franciscano”. Por inspiração Divina e do próprio São Francisco de Assis, o primeiro critério para alguém se fazer e se dizer “franciscano”, seguidor de Jesus Cristo Crucificado, é ser Católico Apostólico Romano! Pois, já nos primeiros capítulos da Regra – e diga-se das três Ordens franciscanas (Primeira Ordem: Frades Menores, Frades Menores Conventuais, Frades Menores Capuchinhos; Segunda Ordem: Irmãs Clarissas; Terceira Ordem: Ordem Franciscana Secular) – a norma, sinoticamente, é a mesma:
“[...] Frei Francisco promete obediência e reverência ao senhor Papa Honório e a seus sucessores canonicamente eleitos e à Igreja Romana.” (Regra Bulada 1,3).
“[...] Clara, indigna serva de Cristo, e plantinha do beatíssimo pai Francisco, promete obediência e reverência ao senhor Papa Inocêncio e a seus sucessores canonicamente eleitos e à Igreja Romana.” (Regra de Santa Clara 1,3).
“[...] Inspirados por São Francisco e com ele chamados a restaurar a Igreja, empenhem-se em viver em comunhão plena com o Papa, os Bispos e Sacerdotes, promovendo um confiante e aberto diálogo de fecundidade e de riqueza apostólica.” (Regra da Ordem Franciscana Secular 2,6).
Ou seja, o critério essencial para ser franciscano é, primeiramente, ser obediente ao Papa e aos seus sucessores!Independemente de quem seja, pois é próprio Cristo na terra dos homens. Isto também é claro como critério de avaliação para o ingresso de novos frades na Ordem: “[...] Os Ministros, porém, examinem-nos diligentemente sobre a fé católica e os sacramentos da Igreja. [...]” (Regra Bulada 2,3). Ora, se não se tem a fé católica e se não se pratica validamente os sacramentos da Igreja, ninguém pode se dizer “católico” e muito menos franciscano se não for súdito( = obediente e reverente) ao Papa!
Tudo isso sem deixar de contar também com o conceito que o Código de Direito Canônico dá a respeito de pessoas como ele: “Chama-se heresia a negação pertinaz (consciência clara e continuada da culpabilidade na negação ou dúvida de uma verdade de fé), após a recepção do batismo, de qualquer verdade que se deva crer com fé divina e católica, ou a dúvida pertinaz a respeito dela; [...] Cisma, a recusa de sujeição ao Sumo Pontífice ou de comunhão com os membros da Igreja a ele sujeitos.” (Cân. 751). Mas creio que além deste cânon, o “Doutor” fere também os números seguintes (Câns. 752 e 754). Talvez alguns possam dizer que ele tenha se unido a Bispos e outros Sacerdotes… adeptos da Teologia da Libertação… mas como tais, têm o seu juizo próprio previsto. Neste sentido, é bom sabermos que um verdadeiro herege tem a pressuposição de ser inteligente; E o grau de heresia se mede pelo nível de leitura do absurdo. E isto ele é.
É ainda importante rememorarmos que tanto o Códio de Direito Canônico anterior ao de 1983 quanto este último já falavam de “delitos contra a religião e a unidade da Igreja”. Neste sentido, é bom sabermos quais foram alguns dos cânons a ele aplicados: “[...] o herege ou cismático incorre em excomunhão latae sententiae [...]” (Cân. 1364 § 1); “Quem [...] ensinar uma doutrina condenada pelo Romano Pontífice ou pelo Concílio Ecumênico, ou rejeitar com pertinácia a doutrina referida no cân. 750§2, ou no cân. 752, e, admoestado pela Sé Apostólica ou pelo Ordinário, não se retratar; Quem, por outra forma, não obedecer à Sé Apostólica, ao Ordinário ou ao Superior quando legitimamente mandam ou proíbem alguma coisa, e, depois, de avisado, persistir na desobediência” (Cân. 1371, nºs 1º e 2º), seja punido com justa pena.
Feita esta introdução, quero comentar e contra-argumentar alguns pontos relevantes das respostas do dito “teólogo”, pois, uma coisa é “falar de Deus”, outra coisa é falar “a partir de Deus”; É preciso ter uma real experiência d’Ele, com Ele e n’Ele – o que para nós, se dá dentro da Igreja Católica Apostólica Romana! Por mais que a minha experiência seja tenra, creio que é audaz e efetiva, porque intra ecclesiam. Além do mais, sou cônscio de que, em qualquer nível, argumentos se debatem com argumentos. Sobretudo, quando tão pura e simplesmente nos baseamos nos livros que o “Doutor” tanto rechaça, porque contêm verdades irrefutáveis: as Sagradas Escrituras, o Catecismo da Igreja Católica, Código de Direito Canônico e as Encíclicas papais, bem como os pronunciamentos magisteriais dos dicastérios. Nada disso é para que nos tornemos “robôs”. Ao contrário, é para que mantenhamos a firmeza, a saúde, para que não sejamos infirmus (enfermos) na fé.
Qual um novo Lutero, Leonardo Boff deseja uma reforma na Igreja, pois vê corrupções. Elas existem, mas como um Francisco de Assis que, dentro da Igreja, fez a reforma devida, mas garantindo que o essencial fosse retomado, poderíamos afirmar que “Ecclesia semper reformanda est”, do modo como um João XXIII dizia: “temos que estar atentos aos sinais dos tempos”. Mas para assimilarmos as reais necessidades de novas concepções, levamos anos, séculos… nada é de uma hora para outra. A Igreja é prudente, acima de tudo.
É possível que “vozes pastoris” se levantem contra o meu texto e em prol de Leonardo Boff, mas tenho a certeza de que seria uma grande omissão se eu, aparentemente, como o único franciscano em todo o país que se arroja a escrever contra as suas palavras, após “passar uma peneira” para separar “gregos de troianos”, não o fizesse.
É importante compreendermos as palavras de Dom Karl Josef Romer, então presidente da comissão para a Doutrina da Fé, da arquidiocese do Rio de Janeiro, em 1981, para “o caso Boff”: “O primeiro propósito de uma recensão teológica não é aquela de colocar em discussão a intenção subjetiva de um autor, mas de confrontar com a fé apostólica da Igreja a doutrina pessoal de um teólogo e seus argumentos verdadeiros ou falsos”. Isto para dizer que os argumentos aqui refutados, assim o foram, em referência ao seu texto, para levar consideração o respeito devido à sua pessoa.
De modo didático, enumerei as perguntas e apresentei em negrito a reportagem e, logo em seguida, minha fala quanto a cada uma delas; Reuni em blocos as perguntas que tratam de assuntos similares. Óbvio que há manipulação do que realmente se quer publicar, por parte da revista. Então, da mesma forma, sublinhei os pontos mais relevantes a serem comentados, não restringindo possíveis novos, com base no que ensina a Doutrina da Fé Católica, por parte própria ou de outros, posteriormente. Por isso, aqui apenas sou um instrumento de transmissão dela. (cf. CIC 932).
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O brasileiro Leonardo Boff, 71 anos, e o alemão Joseph Ratzinger, 83, têm uma longa história em comum. Intelectuais de fôlego, respeitados fora dos muros da Igreja Católica, os teólogos se conhecem há mais de 40 anos, quando conviveram na universidade, em Munique, Alemanha. O atual pontífice já era um cultuado professor, admirado pelo jovem franciscano que frequentava como ouvinte suas conferências, enquanto preparava a tese de doutorado – que contou com a ajuda providencial do alemão para ser publicada. Tempos depois, os dois trabalharam juntos em uma prestigiosa revista de teologia.
Durou pouco, pois as contendas ideológicas provocaram a saída de Ratzinger. Mas o encontro mais marcante aconteceu em 1985, quando ambos estavam, definitivamente, em trincheiras opostas, dentro da mesma instituição. Boff já era o grande mentor por trás da Teologia da Libertação, movimento que interpreta o Evangelho à luz das questões sociais. E Ratzinger já havia se tornado o temido cardeal que punia severamente quem se atrevesse a mudar, uma vírgula que fosse, a interpretação oficial da “Bíblia”. O embate terminou com o silêncio forçado do franciscano e sua posterior saída da ordem, em 1992. Vinte e cinco anos depois desse encontro, casado com Márcia Miranda, padrasto de seis filhos e autor de mais de 60 livros traduzidos para diversas línguas, Boff analisa a Igreja da qual nunca se afastou e seu líder máximo. Que ele conhece como poucos.
No binômio “LB – TL” é quase que automático de fazer a ligação e dispensamos comentários. Na segunda idéia, a definição da TL: “movimento que interpreta o Evangelho à luz das questões sociais” e a definição do papel do então Cardeal Ratzinger de punir “severamente quem se atrevesse a mudar, uma vírgula que fosse, a interpretação oficial da ‘Bíblia’”, implica já em um primeiro erro da repórter. Pois nem a Boff nem a TL tinham [têm] o poder de interpretação das Sagradas Escrituras; detém-no tão somente o Magistério da Igreja.
Analisar “a Igreja da qual nunca se afastou” é uma grande anedota! Pois, ao ser afastado optou livremente por aquilo que acreditava: as CEB’s que, em sua essência são boas, mas como em boa parte dos grupos sociais, a dissensão dos seus membros é que desvirtuaram-nas; fato este que ainda perdura.
1. Istoé : A Igreja Católica está em crise?
Leonardo Boff: A Igreja possui uma crise própria: até hoje ela não encontrou seu lugar no mundo moderno e no mundo globalizado. Suas estruturas são medievais. Ela é a única monarquia absolutista do mundo, concentrando o poder em pouquíssimas mãos. Nesse sentido ela está em contradição com o sonho originário de Jesus que foi o de criar uma comunidade fraterna de iguais e sem nenhuma discriminação.
Nem a repórter nem LB entendem o que significa realmente “crise”. “Crise” vem do grego κρίσις e significa “purificação”. Entendendo assim, é bom que ela sempre esteja em ‘crise’ – o que não foi o intento da pergunta. Na verdade, o que está de fundo na pergunta é: ‘a Igreja está com problemas’? Entendamos que esta pergunta quer dizer que há vários grupos, várias realidades soltas e diferentes entre si, que têm um interesse comum: transformar a Igreja em uma seita protestante qualquer, porque os ensinamentos da Igreja incomodam.
Mas também com esta afirmação, LB faz uma leitura de “uma Igreja da instituição” (J.B.Libanio). Ora, se a Igreja não soubesse o seu lugar no mundo moderno e globalizado, se suas estruturas fossem unicamente medievais, não seria possível o surgimento de tantos novos movimentos. E isto, para dizer que enquanto estrutura, a Igreja não é estática. Podemos dizer que ela está um constante movimento, pois, desde a Era Apostólica, ela não pára de fluir, mantendo o que deve ser mantido e renovando, isto é, “fazendo novas” as coisas (cf. Ap 21,5) que julga necessário mexer. “O que abre espaço à esperança em nível de Igreja universal – e isso acontece no coração mesmo da crise da Igreja no mundo ocidental – é o aparecimento de novos movimentos, que ninguém previu, mas que brotaram espontaneamente da vitalidade interior da fé mesma. Neles se manifesta, ainda que discretamente, algo como um período de pentecostes na Igreja.” (J. Ratzinger, V. Messori. A fé em crise. O cardeal Ratzinger se interroga. São Paulo, EPU, 1985. p.27.).
Para entendermos melhor a segunda afirmação de LB, perguntemos como Urbano Ziles, na recensão: “A Igreja nasce de Cristo e dos apóstolos ou simplesmente do povo de hoje? [...] A hierarquia não faz parte do povo? O ponto de partida da teologia em questão é, a rigor, o ponto de vista pessoal. Os representantes da ‘teologia liberal protestante’ (A. Von Harnack, A. Ritschl, Schleiermacher, entre outros), com grande capacidade de sentimentos e de afetos, tentaram destruir o dogma introduzindo novos.” (Il caso Boff. p. 10). “Comunidade fraterna de iguais”? Isto não é política, não é ideologia, Dr. Boff. É Teologia!
2. Istoé: Mas a Igreja Católica pode se modernizar sem perder a essência de seus princípios e, consequentemente, sua identidade?
Leonardo Boff: A Igreja se engessou em suas doutrinas, em suas normas, em seus ritos que poucos entendem e num direito canônico escrito para legitimar desigualdades e conservadorismos. Os homens de hoje têm o direito de receber a mensagem de Jesus na linguagem de nossa cultura moderna, coisa que a Igreja não faz. Ela coloca sob suspeita e até persegue quem tenta fazer.
O que a repórter e LB entendem por “modernizar”? “Perder a essência de princípios?” “Identidade”? A Igreja tem a sabedoria de séculos! Ele pode demorar para responder a algumas questões; mas as respostas são sempre certas. A resposta a estas três perguntas está no Catecismo da Igreja, no nº 865: “Igreja é una, santa, católica e apostólica na sua identidade profunda e última [...]”.
Falar na linguagem do populo, em nossa cultura moderna é o que mais a Igreja tem feito nas três últimas décadas. Basta acompanhar os progressos feitos, sobretudo, com o Servo de Deus João Paulo II: Quando um Papa iria viajar o mundo inteiro para evangelizar, falar próxima e abertamente aos jovens (criação das Jornadas Mundiais da Juventude), às famílias (encontro mundial com as famílias)… Bento XVI recebeu uma excelente herança; aliás, ele mesmo já fazia parte da idealização de muitos destes encontros, que proporcionam um real encontro com O Senhor que, com suas próprias palavras, “é verdade e verdade que liberta.” (Il caso Boff, p. 17). A questão é querer enxergar isso.
3. Istoé: O que o sr. acha que a Igreja Católica deveria fazer para sair dessa crise?
Leonardo Boff: Ela deveria ser menos arrogante, deixando de se imaginar a exclusiva portadora dos meios de salvação, a única verdadeira. Ela se diz perita em humanidade, mas maltrata a muitos desta humanidade internamente e ofende a vários direitos humanos. Por isso que até hoje não subscreveu a Carta dos Direitos Humanos da ONU, sob o pretexto de que ela não faz nenhuma referência a Deus, e retirou seu apoio ao Unicef, porque ele aconselha o uso de preservativos para combater a Aids e fazer o planejamento familiar. Uma igreja que afirma constantemente que fora dela não há salvação, ela mesma precisa de salvação.
Ofende? Ao contrário, ela luta em prol não simplesmente dos “direitos humanos”, mas “do homem todo e de todos os homens” (Paulo VI, carta encícl. Populorum Progressio, n.º 42). Ela cuida da saúde do corpo e da alma e isto, não é de agora. Mas para que tenhamos uma clareza maior, na referida carta da ONU, a Igreja não tem obrigação de subscrever mesmo, pois já aplica a maioria dos artigos em sua vida, sem necessitar de publicar os seus atos (cf. Mt 6,2). Exemplos disso são as ações dos religiosos em várias partes do mundo; podemos aqui citar, de modo mais recente, a grande Madre Teresa de Calcutá. Se enquanto Estado, o Vaticano não assinou a carta, é porque ele tem a consciência de independência do poder temporal. Vale aqui recordar o grande Papa Bonifácio VIII, com a bula Unam Sanctam (1302) que já fazia a distinção do poder temporal do espiritual, ou seja, a separação entre a Igreja e o Estado. Não se misturem as coisas.
4. Istoé : O sr. acha que os escândalos de pedofilia contribuem para a debandada católica, com fiéis migrando, no Brasil, principalmente, para as igrejas evangélicas?
Leonardo Boff: Muitos cristãos não aceitam ser infantilizados pela Igreja como se nada soubessem e tivessem que receber a comida na boca. Estes estão emigrando em massa. Mas é uma emigração interna. Continuam se sentindo dentro da Igreja, mas não identificados com as doutrinas deste papa, nem com o estilo com o qual ela[s] se apresenta[m] no mundo, com hábitos e símbolos palacianos que os tornam simplesmente ridículos.As igrejas evangélicas crescem porque a católica deixou um espaço vazio.
Além de não ter respondido à pergunta, a insistência em falar mal do papa é gigante. E que “espaço vazio”? O do subjetivismo, onde cada qual faz o que quer, como quer, na hora e com quem quiser? A Igreja nunca deixou lacunas. O real enfoque aqui deve ser dado para a “cultura do fast food”, que é epocal.
5. Istoé : Muitos vaticanistas dizem que Bento XVI pensa em termos de séculos e não está preocupado em conquistar mais fiéis. O sr. concorda?
Leonardo Boff : Bento XVI é fiel a uma esdrúxula teologia que sempre defendeu e da qual eu ainda como estudante e ouvinte dele discordava. Ele é um especialista em Santo Agostinho, grande teólogo. Santo Agostinho partia do fato de que a humanidade é uma “massa condenada” pelo pecado original e pelos demais pecados. Cristo a redimiu. Criou um oásis onde só há salvação e graça. Esse oásis é a Igreja. Ocorre que esse oásis é uma fantasia. Ele é tão contaminado como qualquer ambiente, haja vista os pedófilos e outros escândalos financeiros.
Esdrúxula teologia é aquela que não é firmada em bases sólidas da fé! Se Bento XVI não fosse firmado em Santo Agostinho, em seus ensinamentos, em quem deveria se firmar? Em Leonardo Boff? O “Doutor” se diz “igreja”, mas nestes momentos em que a Instituição mais precisa de seus filhos, foge (cf. Mc 14,50). Enquanto uma instiuição humana (por isso, “pecadora”) é, sim, passível de quedas, de erros (cf. LG 8); mas vale ressaltar que é o caso de alguns poucos membros e não do todo. Logo, não se pode universalisar o particular. De fato, o seu pensamento é protestante: Sim, Cristo redimiu a humanidade, mas nem por isso, se pode eximir o dever dos fiéis de buscar a cada dia a volta para o Senhor, isto é, con-verter-se. Daí a teologia de Santo Agostinho ser atual. Do contrário, seria como dizer: “encontrei Jesus e estou salvo…” como tantos dizem por aí e param no caminho da busca. A vitória se dá na perseverança do caminho e não em seu início ou fim. Até mesmo em um oásis sabemos que existem “animais peçonhentos” que podem simplesmente picar e matar… ainda mais quando se lida com gente, os “animais” e as “picadas” podem também matar.
Papa Bento XVI:
6. Istoé: Como o sr. avalia o pontificado de Bento XVI?
Leonardo Boff: Do ponto de vista da fé, este papa é um flagelo. Ele fechou a Igreja de tal forma sobre si mesma que rompeu com mais de 50 anos de diálogo ecumênico, vive criticando a cultura moderna, desestimula qualquer pensamento criativo, mantendo-o sob suspeita. Todo papa tem a missão imposta por Jesus de “confirmar os irmãos e as irmãs na fé”. Esta missão, a meu ver, não está sendo cumprida.
7. Istoé: Por quê?
Leonardo Boff: Bento XVI cometeu vários erros de governo com respeito aos muçulmanos, aos judeus, às mulheres e às religiões do mundo. Reintroduziu o latim nas missas em que se reza ainda pela conversão dos judeus, reconciliou-se com os mais duros seguidores de Lefebvre (Marcel Lefebvre arcebispo católico ultraconservador, que morreu em 1991), verdadeiros cismáticos. Enquanto trata a nós teólogos da libertação a bastonadas, trata os conservadores com mão de pelica. É um papa que não suscita entusiasmo. Mesmo assim, convivemos com ele, porque a Igreja é mais que Bento XVI. É também o papa João XXIII, é Dom Hélder Câmara, é a Irmã Dulce, a Irmã Doroty Stang, é Dom Pedro Casaldáliga e tantos e tantas.
8. Istoé: O sr. acha que ele deveria renunciar?
Leonardo Boff: O papa, para o bem dele e da Igreja, deveria renunciar. Devemos exercer a compaixão: ele é um homem doente, velho, com achaques próprios da idade e com dificuldades de administração, pois é mais professor que pastor. Em razão disso, faria bem se fosse para um convento rezar sua missa em latim, cantar seu canto gregoriano que tanto aprecia, rezar pela humanidade sofredora, especialmente pelas vítimas da pedofilia, e se preparar para o grande encontro com o Senhor da Igreja e da história. E pedir misericórdia divina.
9. Istoé: Como foi a convivência dos srs. no mesmo ambiente acadêmico?
Leonardo Boff: Ouvi-o muitas vezes, pois era um apreciado conferencista. Teve um papel importante na publicação de minha tese doutoral, que, por seu tamanho – mais de 500 páginas –, encontrava dificuldades junto às editoras. Ele encontrou uma, arranjou-me boa parte do dinheiro para a impressão em forma de livro. Depois fomos colegas nas reuniões anuais da revista internacional “Concilium”. Mas ele se desentendeu com a linha da revista e criou uma outra, a “Communio”, em franca oposição à “Concilium”.
10. Istoé: Anos depois, em 1985, já na Congregação para a Doutrina da Fé, ele o puniu. Como foi esse encontro?
Leonardo Boff: Ele me fez sentar na cadeira onde sentou Galileu Galilei, no famoso edifício, ao lado do Vaticano, do Santo Ofício e da antiga Santa Inquisição. Foi meu “inquisidor”, interrogando-me por mais de três horas sobre o livro “Igreja: Carisma e Poder”, que me custou o “silêncio obsequioso”, a deposição de cátedra e a proibição de publicar qualquer coisa. Mas devo dizer que é uma pessoa finíssima, extremamente elegante na relação, mas determinado em suas opiniões. E muito, mas muito, tímido.
Iniciando com suas próprias palavras: “Do ponto de vista da fé”… Fé é algo que se tem e que se transmite; é ela mesma que dá espaço de abertura para se afirmar que o Ministério Petrino é exercido alicerçado na rocha Jesus Cristo. O próprio Papa Bento XVI afirmou que “na história da Liturgia há crescimento e progresso, mas nenhuma ruptura. Aquilo que para as gerações anteriores era sagrado permanece sagrado e grande também para nós, e não pode ser de improviso totalmente proibido ou mesmo prejudicial. Faz-nos bem conservar as riquezas que foram crescendo na fé e na oração da Igreja, dando-lhes o justo lugar.” (Summorum Pontificum. Paulinas: 2007, p.21). Com o intuito de fomentar a fé e não de cometer dissensão com a mesma!
Pelo contrário, este Papa tem mostrado muito mais ‘reverência’ às outras religiões, tem pedido perdão por erros cometidos por alguns dos membros da Igreja e reinterado o importante papel dos judeus na história do cristianismo.
Neste sentido, sendo a religião essencialmente um sistema de ritos, o elemento determinante é representado a seus olhos pela miniciosa observância das cerimônias. Por isso, não se “reintroduz” aquilo que nunca foi tirado! Daí entendermos que a língua latina está la liturgia como uma recomendação e que dela resulta um “encontro com Mistério da Santíssima Eucaristia” (cf. SP. p. 18)
É bom esclarecermos que, por vários motivos, ao longo da história da Igreja o “primeiro papa a abdicar (depois de preso e deportado) foi Ponciano (230-235) e o último não foi Celestino V (1294), mas GregórioXII, em 1415. Outros papas que abdicaram, ou renunciaram, incluem Silvério em 537, João XVIII em 1009 e Bento IX em 1045 (reintegrado em 1047)” (cf. MCBRIEN, Richard P. Os Papas. São Paulo: Loyola, 2000. p.461). Então, não seria uma “novidade” a renúncia. Porém, não é “exercer a compaixão”, por alguém ser “doente, velho, com achaques próprios da idade e com dificuldades de administração”, isto é, trata-se de difamação e não de conhecimento de causa. Usando termos freudianos, podemos afirmar que isto é uma “projeção”, ou seja, um distúrbio de imagem: da imagem que se tem de si e que não se consegue reconhecê-la e, devido a uma auto-baixa estima, projeta-se em outro (s) aquilo que se é realmente e que só o próprio inconsciente é que pode revelar em momentos de remate.
Na verdade, o que se deveria ter é um coração grato por todo o bem possibilitado! Narra-se a história da sua tese com uma certa nostalgia, de fundo. E vêm os sentimentos de infelicidade… de um desventurado. Nos Salmos há um trecho que se aplica perfeitamente ao caso: “um buraco ele cavou e aprofundou, mas no mesmo, acabou caindo” (cf. Sl 56,7c).
11. Istoé: O sr. é a favor da ordenação de mulheres pela Igreja Católica?
Leonardo Boff: Não há nenhuma doutrina ou dogma que impeça as mulheres de serem ordenadas e até de serem bispos. O patriarcalismo intrínseco à instituição, governada só por homens e celibatários, faz com que não se tenha apreço pelas mulheres nem se reconheça o imenso trabalho que fazem dentro da Igreja. E, no entanto, devemos reconhecer que as mulheres, nos evangelhos, nunca traíram Jesus, como fez Pedro, foram as primeiras testemunhas do fato maior para a fé cristã, que é a ressurreição, e também foram discípulas.
O cânon 1024 existe só para fazer esta afirmação: “Só um varão batizado recebe validamente a ordenação sagrada.” Sobre o problema da admissão das mulheres ao sacedócio ministerial, vale conferir a declaração da Sagrada Congregação para Doutrina da Fé, de 15 de outubro de 1976, aprovada específica pelo Papa Paulo VI (AAS 69, 1977, pp. 98-116) e carta apostólica de João Paulo II, Ordinatio sacerdotalis, de 22 de maio de 1994. Com isso tudo, “não há nenhuma doutrina ou dogma que impeça as mulheres de serem ordenadas”? Além do mais, textos da Sagrada Escritura apóiam fortemente este argumento contra a fala de LB: 1Cor 14,34; 1Tm 2,11-13.
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