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sexta-feira, 29 de junho de 2012

‘A Guarânia do Engano’, por Chiqui Avalos

 

AUGUSTO NUNES

26/06/2012 às 19:33 \ Feira Livre

 

CHIQUI AVALOS

“A história do Brasil, vista do Paraguai, é outra”

(Millôr Fernandes)

Como num verso célebre de meu inesquecível amigo Vinicius de Moraes, “de repente, não mais que de repente”, alguns governos latino-americanos redescobrem o velho e sofrido Paraguay e resolvem salvar uma democracia que teria sido ferida de morte com a queda de seu presidente. Começa aí um engano, uma sucessão de enganos, mentiras e desilusões, em proporção e intensidade que bem serve a que se componha uma melodiosa guarânia, mas de gosto extremamente duvidoso.

Sucedem-se fatos bizarros na vida das nações em pleno século XXI. Uma leva de chanceleres, saídos da espetaculosa e improdutiva Rio+20, desembarca de outra leva de imponentes jatos oficiais no início da madrugada de um incomum inverno, e ─ quem sabe estimulados pela baixa temperatura ─ se comportam com a mesma frieza com que a “Tríplice Aliança” dizimou centenas de milhares de guaranis numa guerra que arrasou a mais desenvolvida potência industrial da América Latina.

Surpresos? Não é para menos. Éramos ricos, muito ricos, industrializados, avançados, educados, cultos, europeizados, amantes das artes, dos livros, das óperas, do desenvolvimento. Nossos antepassados brilharam na Sorbonne e assinaram tratados acadêmicos, descobertas científicas ou apurados ensaios literários. A menção de nossa origem não provocava o deboche ou ironia tão costumeiros nos dias tristes de hoje, mas profunda admiração e curiosidade dos que acompanhavam nossa trajetória como Nação vencedora. Não ficamos célebres como contrabandistas ou traficantes, mas como povo empreendedor e progressista. A organização de nossa sociedade, a intensa vida cultural, o progresso econômico irrefreável, a bela arquitetura de nossas cidades, nossos museus e livrarias, a invulgar formação cultural de nossa elite, a dignidade com que viviam nossos irmãos mais pobres (sem miséria ou fome) impressionavam e merecem o registro histórico.

A rainha Vitória, que não destinou ao resto do mundo a mesma sabedoria com que governou e marcaria para sempre a história do Reino Unido, armou três mercenários e eles dizimaram a potência que, com sua farta e boa produção e espírito desbravador, tomava o mercado da antiga potência colonial do lado de baixo do Equador. Brasil, Argentina e Uruguay nos arrasaram. Nossos campos foram adubados pelos corpos de nossos irmãos em decomposição, decapitados à ponta de sabre e com requintes de sadismo. O Conde D’Eu, marido de quem libertaria os negros da escravidão e entraria para a história do Brasil, comandava pessoal e airosamente o massacre. Os historiadores, essa gente bisbilhoteira e necessária, registraram seu apurado esmero e indisfarçável prazer. O nefasto delegado Sérgio Fleury teve um precursor com quase um século de antecedência…

Nossas cidades terminaram por ser habitadas por populações majoritariamente compostas de mulheres e crianças. Poucos homens restaram do genocídio perpetrado. Pedro II, que marcaria a história do Brasil por sua honradez, comportou-se de forma impressionante nessa obscura página da história do Brasil, mas inversamente conhecidíssima na história de meu país: não moveu uma palha ou disse palavra acerca do sadismo de seu genro criminoso. Documentos por mim revirados no Arquivo Nacional, no Rio de Janeiro, mostram a assinatura do velho Imperador autorizando a compra de barcos, chatas, cavalos e tudo o que fosse necessário para uma caçada de vida ou morte (mais de morte, certamente) a Lopez. Não bastava derrotar o déspota esclarecido, o republicano que os humilhava, o que havia desafiado os impérios da Inglaterra, do Brasil, da Espanha… Era preciso assinar seu epitáfio e esculpir sua lápide. E assim foi feito.

Derrotados, nunca mais fomos os mesmos. Passamos a ser conhecidos por uma República já bicentenária, mas atrasada em comparação aos vizinhos. Enfrentamos uma guerra cruel com a Bolívia na primeira metade do século passado. Roubaram-nos importante faixa territorial do Chaco, região paradoxalmente inóspita e riquíssima. Ganhamos a guerra. Nossos soldados mostraram a valentia e o patriotismo que brasileiros, uruguaios e argentinos haviam conhecido  mais de meio século antes. Nossa incipiente aviação militar e seus jovens pilotos assombraram os experts norte-americanos pela refinada técnica e pelo sucesso de suas ações contra o agressor. Mas, numa história prenhe de ironias, vencemos a guerra e… jamais recuperamos as terras! Os bolivianos, que jamais olham nos olhos nem das pessoas nem da história, certamente se rejubilam em sua “andina soledad” e, como os argentinos depois da inexplicável Guerra das Malvinas, sabem-se “vice-campeones”…

Mal saímos da Guerra do Chaco e experimentamos a mesma e usual crônica tão comum a rigorosamente todos os outros países latino-americanos. Golpes e contra-golpes, instantes de democracia e hibernações em ditaduras ferrenhas. Presidentes  se sucederam despachando no belíssimo Palácio de Lopez e vivendo na vetusta mansão de Mburuvicha Roga (“A casa do grande chefe”, em guarani). Uns razoáveis, outros deploráveis. Nenhum deles, entretanto, recuperou a glória perdida dos anos de riqueza, opulência e fartura. Um herói da Guerra do Chaco tornou-se ditador e nos oprimiu por mais de três décadas. Homem duro, mas de hábitos espartanos e por demais interessante, o multifacético Alfredo Stroessner não recusou o papel menor de tirano, mas construiu com o Brasil a estupenda hidrelétrica de Itaipu, a maior obra de engenharia de seu tempo, salvando o Brasil de previsível hecatombe energética. Foi parceiro e amigo de todos os presidentes do Brasil de JK a Sarney. Com os militares pós-64 deu-se às mil maravilhas, mas foi de suas mãos que o exilado João Goulart recebeu o passaporte com que viajaria para tratar sua saúde com cardiologistas franceses. Deposto, o velho ditador morreu exilado no Brasil. Nós que o combatíamos (nasci em Buenos Aires, onde meu pai, empresário de sucesso mas adversário da ditadura, curtia seu exílio) jamais soubemos de ação qualquer, uma que fosse, do Brasil em seus governos democráticos contra a ditadura do general que lhes deu Itaipu.

A vez de Fernando Lugo

Depois de duas décadas da derrubada de Stroessner, nos aparece Fernando Lugo. Sua história é peculiar. Era bispo de San Pedro, simpaticão e esquerdista, pregava aos sem-terra e parecia não incomodar ninguém, nem aos fazendeiros da área. Pelos idos de 2007 o então presidente Nicanor Duarte Frutos, um jovem jornalista eleito pelos colorados, resolve seguir o péssimo exemplo de Menem, Fujimori e Fernando Henrique, e deixa clara sua vontade de mudar a Constituição e permanecer na presidência, valendo-se do instituto inexistente da reeleição. Seu governo era mais que sofrível e ─ desculpem-nos a imodéstia lastreada em nossa história ─ nós, os paraguaios, não somos dados ao desfrute de mudar nossa Carta Magna ao sabor da vontade de presidente algum.

O país se levantou contra a aventura e ele, o bispo bonachão, justamente por não ser político e garantir que não alimentava qualquer ambição de poder, é escolhido para ser o orador de um grande ato público, com dezenas de milhares de pessoas reunidas no centro de Assunção. Pastoral, envolvente, preciso, o Bispo de San Pedro cativou a multidão, deu conta do recado e  catalisou a imensa indignação da cidadania. A aventura continuísta de Nicanor não foi bem-sucedida, mas, com a sutileza de um príncipe da Igreja nos intricados concílios que antecedem a fumacinha branca no Vaticano, nos aparece um candidato forte à presidência da República: ‘habemus candidatum’! A batina vestia mais que um pastor, escondia um homem frio, ambicioso, ingrato e profundamente amoral.

Seu primeiro problema foi com a Santa Madre Igreja. A Santa Sé, certamente por saber algo que nós não sabíamos, vetou sua disposição política. Não, ele jamais poderia ser candidato. A igreja católica combateu a ditadura do general Stroessner com imensa coragem e ações firmes, mas não queria ocupar a presidência do país. “Roma locuta, causa finita” (“Roma falou, questão decidida”). Mas não para Lugo, que deixou seu bispado, despiu a batina e virou as costas a quem o educou e  acolheu em seu seio. Poucos e corajosos colegas, bispos e padres, ousaram apoiá-lo abertamente. Na última sexta-feira, depois de três anos sem vê-lo ou serem por ele procurados, esses mesmos amigos e apoiadores foram até a residência presidencial pedir ─ em vão ─ que Lugo renunciasse à presidência do Paraguay para que se evitasse derramamento de sangue. Com frieza, o homem seduzido pelo poder disse não, levantou-se e despachou aqueles inoportunos portadores da palavra divina.

Candidato sem partido, favorecido pela simpatia da clara maioria do eleitorado, filiou-se ao centenário e respeitável PLRA, dos liberais, há mais de 60 anos fora do poder e com a respeitável bagagem de uma corajosa oposição à ditadura stroessnista. Como um Jânio Quadros, Lugo filiou-se ao Partido Liberal Radical Autêntico e usou sua bandeira, sua história e sua estrutura capilarizada em toda a sociedade paraguaia. E depois deu-lhe um adeus de mão fechada, frio e indiferente.

Eleito, desfez-se de todos os companheiros de jornada. Um a um. Stalin não apagou tantos nas fotos oficiais do Kremlin como o ex-bispo o fez. Por sinal, demitiu os mais qualificados. Restaram-lhe os cupinchas, os facilitadores de negócios e de festinhas íntimas, os “operadores” e alguns incautos esquerdistas para colorir com as tintas de um risível ‘socialismo guarani’ o governo de um homem que chegou como o Messias e terminaria como um Judas Escariotes.

Lugo poderia emprestar seu nome e sua vida política (e pessoal, também) ao mestre Borges e tornar-se uma das impressionantes personagens da “História Universal da Infâmia”. Um infame, não mais que isso! Mal foi eleito e empossado, sucedem-se escândalos e se revela seu procedimento moral. Filhos impensados para um Bispo supostamente casto. Vários. Todos jamais reconhecidos ou amparados, gerados com mulheres as mais pobres e sem instrução alguma, do meio rural, humilhadas depois de usadas, uma delas com apenas 16 anos quando engravidou. Se traíra a sua Igreja, por qual razão não nos trairia?

Durante seus três anos de governo, não passou um mês sequer sem viajar a um país qualquer. Com razão ou sem nenhuma, tanto fazia, lá se ia ele, o alegre viajante para conferências esvaziadas ou cerimônias de posse de mandatários sem importância para o Paraguay. As pompas do poder o abduziram como a nenhum déspota de república bananeira do Caribe. Os comboios de limusines com batedores estridentes, as festas e beija-mãos, os eternos e maviosos cortesãos do poder, as belas mulheres, as mesas fartas, os hotéis cinco estrelas, a riqueza, a opulência, os “negócios”. O despojado ex-bispo tornou-se grande estancieiro, senhor de terras, plantações e gado. O presidente que tomou posse calçando prosaicas sandálias, símbolo de humildade, revelou-se um homem vaidoso e fetichista. Como que a vestir a mentira em que ele próprio se tornou, passou a envergar elegantes e bem-cortadas túnicas encomendadas a alfaiates da celebérrima e caríssima Savile Row, templo londrino da moda masculina. No detalhe, o estelionato (mais um): colarinhos eclesiásticos. Afeiçoou-se a lindas e jovens, digamos, “modelos”, que floriram sua vida e a imensa banheira Jacuzzi que mandou instalar na austera e velha residência presidencial. Muitas delas o precediam mundo afora, esperando-o em hotéis fantásticos e palácios, nas vilegiaturas internacionais. Viajavam com documentos oficiais. Kaddafi proporcionava passaportes diplomáticos a terroristas, Lugo, a prostitutas.

O veto de Itaipu

Sua afeição pelos jatinhos e jatões chegou às raias do fetiche: passou boa parte de seu peculiar mandato a bordo deles. Fretados a empresas de táxi aéreo de outros países, mandados pelos amigões Hugo Chávez e Lula, outros emprestados por uns tais e misteriosos amigos. Chocou-se com o brasileiro Jorge Samek, fundador do PT e competente gestor, que na presidência brasileira da Itaipu resolveu vetar capricho juvenil do ex-bispo e delirante presidente: a poderosa binacional compraria um jato para seu uso. Um Gulfstream estaria de bom tamanho, quem sabe um Falcon, ou até um brasileiríssimo Legacy, mas ele precisava ardentemente de um jato para chamar de seu. Depois mandou que o comandante da Força Aérea negociasse um Fokker 100, adaptado com suíte e ducha. Nada feito, o raio de ação seria pequeno e ele precisava ganhar o mundo. Por fim, nos estertores de seu governo, entabulava a compra de um Challenger, usado mas chique, de um cartola do futebol paraguaio. O preço, como sempre, mais um escândalo da Era Lugo: pelo menos o dobro de um modelo novo, saído de fábrica…

Obras viárias? Imagine. De infraestrutura? Nenhuma. Modernização do país? Nem pensou nisso. Crescimento econômico? Sim, mas por obra de uma agricultura forte, de empresários jovens e ambiciosos, de uma indústria florescente e de um ministro da economia, Dionísio Borda, que destoou da regra geral do governo Lugo: competente e austero, imune às vontades do presidente e distante da escória que o cercava. A cada novo dia, no parlamento, nas redações, nos sindicatos, nos foros empresariais, nos encontros de amigos, um novo comentário, uma nova história de mais uma negociata dos assessores e companheiros de Lugo. Proporcionalmente, nem na ditadura de Stroessner (mais de três décadas) se roubou tanto quanto no governo pseudo-esquerdista de Fernando Lugo (menos de três anos).  Já com Lugo deposto, seu secretário mais forte, Miguel Lopez Perito, telefonou à diretoria da Itaipu solicitando a bagatela de US$ 300 mil para organizar uma manifestação em defesa do governo. Queria ao vivo e em cores, “na mala”, por fora, não contabilizado, no “caixa 2″. Que tal? O fato, relatado por um diretor da binacional, é revelador do modus-operandi da verdadeira quadrilha que comandava o país.

O impeachment

Seu processo de “Juízo Político” ─ algo como um processo de impeachment ─ está previsto na Constituição do Paraguay. Não foi uma travessura histórica de meia dúzia de líderes políticos ou parlamentares, tampouco um revide às descortesias de Lugo para com os partidos, os empresários, os paraguayos todos. Que tipo de presidente era esse que teve 73 deputados votando por sua queda contra apenas 1 solitário voto? Que espécie de chefe da Nação era esse que teve 39 votos contrários no Senado contra apenas 4 de senadores fiéis ao seu desgoverno? Não teve tempo, apenas duas horas para defender-se, dizem. Ora, a Constituição não determina tempo, apenas assegura o direito de defesa, exercido através de competentíssimos advogados, que fizeram exposições brilhantes na defesa do indefensável. Um deles, Dr. Adolfo Ferreiro, admitiu claramente que o processo era legal. De outro, Dr. Emilio Camacho, em imponente ironia da história, os magistrados da Suprema Corte extraíram em um de seus celebrados livros aqueles ensinamentos necessários e a devida jurisprudência para rechaçar chicana jurídica do já ex-presidente contra o processo legal, constitucional e moral que o defenestrou. C’est la vie, Monsieur Lugo!

Em Curuguaty, num despejo de terras ocupadas pelos “carperos” (os sem-terra daquí), houve dezenas de mortes de ambos os lados. Lugo e seu ministro do Interior, o belicoso senador Carlos Filizzola, foram avisados de que havia uma emboscada pronta para as forças militares. Com a empáfia e a absoluta irresponsabilidade que os caracterizaram do primeiro ao último dia, e fiéis aos amigos que manejam o MST daqui e infernizam a vida de nossos produtores rurais (entre os quais os 350 mil brasileiros que aqui plantam, colhem e vivem, nossos irmãos “brasiguayos”), ambos ordenaram a ação que se tornou uma tragédia na história de nosso país. Poderia citar, também, o EPP (Exército do Povo Paraguaio), guerrilha formada por terroristas intimamente ligados a Lugo em seus tempos no bispado de San Pedro. Jamais as forças de segurança puderam fazer nada contra eles. Mapeados, identificados, monitorados e livres! Lugo se manteve fiel aos bandidos pelos quais mostra clara e pública afeição. Como o respeitado Belaúnde Terry, no Peru, que permitiu com seu “democratismo” o crescimento do terror representado pelo Sendero Luminoso de Abimael Guzmán, o nada respeitável Lugo é o pai e a mãe do EPP.

Um hiato na história

Fernando Lugo foi um acidente em nossa história. Necessário, mas sofrido. Seus defeitos superaram suas virtudes. Aqueles eram muitos, essas muito poucas. Nós que nele votamos, sequiosos de um Estadista, nos deparamos com um sibarita. Seu legado é de decepção e fracasso. Não choraram por ele dentro de nossas fronteiras, e os que o defendem fora delas o fazem muito mais pensando no que lhes pode ocorrer do que por solidariedade ao desfrutável governante e desprezível homúnculo que cai.

O fim de seu governo dói mais a um já dolorido Chávez do que a nós. A senhora Kirchner, radical na condenação que nos impõe, se esquece de nossa parceria na importante e gigantesca usina hidrelétrica de Yaciretá, e amplia sua lucrativa viuvez acolhendo em seu seio choroso o decaído amigo. Solidária? Nem tanto, apenas oportunista, e ciente de que se abriu o precedente para que os parlamentos expulsem os incapazes. Na Bolívia, o sentimento popular em relação ao sectário e também bolivariano Evo Morales não é diferente do sentimento dos paraguayos por Lugo no outono de sua aventura presidencial. É pior. O relógio da história irá tocar as badaladas do fim de uma aventura improdutiva, raivosa, racista e liberticida.

A posição brasileira

Não compreendemos a posição do Brasil. Ou não queremos compreender, tamanho é o bem que lhe queremos. O Brasil nos arrasou como sicário da Rainha Vitória. Nós o perdoamos e juntos construímos o colosso de Itaipu. Nós o tratamos bem e ele defende a continuidade de uma das piores fases de nossa história. Em nome do quê? Nega-nos o direito à autodeterminação, mas se esquece do papelão ridículo que fez em defesa de um cretino como Zelaya, um corrupto ligado a grupos somozistas de extermínio e que era tão esquerdista como Stroessner e tão democrata quanto Pinochet.

Foi deplorável o papel do inexpressivo chanceler Patriota (que não se perca pelo nome), saracoteando pelas ruas de Assunção em desabalada carreira, pressionando os partidos Liberal e Colorado em favor de um presidente que caía. Adentrando o Parlamento ao lado do chanceler de Hugo Chávez, o Sr. Maduro, para formular ameaças em benefício de um presidente que o país rejeitava. Ou indo ao vice-presidente Federico Franco ameaçá-lo com imensa desfaçatez, desconhecendo seu papel constitucional e o fato de que ninguém renunciaria a nada apenas por uma ameaça calhorda da Unasul (que não é nada) e outra não menos calhorda do Mercosul (que não é nada mais que uma ficção). O Barão do Rio Branco arrancou seus bigodes cofiados no túmulo profanado pelo Itamaraty de hoje.

O que quer o governo Dilma? Passar pelo mesmo vexame de Lula na paupérrima Honduras? Nós temos imensa disposição de manter uma parceria que se revelou positiva e decente para ambos os países. Mas a austera presidente não nos inspira o mesmo terror-medo-pânico que infunde nos seus  auxiliares e ministros. Cara feia não faz história, apenas corrói biografias. Dilma chamou seu embaixador em Assunção, Cristina fez o mesmo. As matronas radicais só não sabiam que o embaixador brasileiro é um ausente total, passando mais tempo em Pindorama do que aqui. O embaixador Eduardo Santos é tido no Paraguay como alguém que acredita que as melhores coisas em nosso país são ar condicionado e passagem de volta. Recorda o ex-embaixador Orlando Carbonar, que foi pego de surpresa em fevereiro de 1989 pelo movimento que derrubou o general Stroessner. Até meus filhos, crianças naquela época, sabiam que o golpe se avizinhava e que estouraria a qualquer momento. Só não sabia disso o embaixador brasileiro, que descansava no carnaval de Curitiba, onde nasceu. Voltou às pressas, num jatinho da FAB, para embarcar Stroessner rumo ao Brasil. E a Argentina… Bem, a Argentina não tem embaixador no Paraguay faz alguns meses… Ocupadíssima, Dona Cristina não nomeou seu substituto. País de necrófilos (amam Gardel, Che, Evita e Maradona, entre outros defuntos), chamou um embaixador que não existe, um diplomata fantasma, para consultas na Casa Rosada.

O Paraguay fez o que tinha que fazer. Seguirá adiante, como seguem adiante as Nações, testadas e curtidas pelas crises que retemperam a cidadania e reforçam a nacionalidade. O religioso que não honrou seus votos de castidade e pobreza e traiu sua igreja foi por ela rejeitado. O presidente que não honrou nossos votos e nos traiu por nós foi deposto. Deposto por incapaz, por mentiroso, por ineficiente, por desonesto. Mas principalmente por ter traído as esperanças de um país e de um povo que precisaram dele e nele confiaram. Por isso, Lugo não voltará.

(*) Chiqui Avalos é um conhecido escritor e jornalista paraguaio. Combateu a ditadura de Stroessner e apoiou a candidatura de Fernando Lugo. É editor de “Prensa Confidencial”, influente boletim digital editado em Assunção.

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