O COYOTE
Esta entrada foi publicada em 02/04/2012, in COLUNISTAS. Crie um bookmark para o link permanente. Deixe um comentário
POR EDUARDO VINÍCIUS
O PLC-122 atraiu, mais do que o que é de costume, a atenção dos brasileiros para o projeto de lei que torna crimes a discriminação e o preconceito contra homossexuais. Não sei, sinceramente, se o barulho em torno do mote está condicionado à paixão do brasileiro por sexo – o que certamente não tem nada a ver com a questão –, pelo prazer de ver parlamentares trocando insultos como que levando a sério a guerra dos sexos, de assistir a ascensão de um ex-BBB na Câmara dos Deputados, do interesse de ver um militar da reserva usando palavras como “boiola” para explicar de forma mais clara o que significa o estranho termo “homoafetivo” (criado há pouco tempo), ou porque a população, talvez, esteja se preparando para a Terceira Revolução Sexual. Bom, vamos aos fatos.
Em 2001, a deputada petista Iara Bernardi apresentou na Câmara um projeto que “determina sanções às práticas discriminatórias em razão da orientação sexual das pessoas”. Em 2006, foi aprovado e encaminhado ao Senado, momento histórico em que recebeu o número PLC 122. Para os mais radicais, o número do projeto de lei deveria ser PLC 124, o que simbolicamente consolidaria a luta. Além disso, alguns indivíduos alegaram que o número 22 foi escolhido porque faz lembrar a expressão “dois patinhos na lagoa” e, para os chineses, o pato é o símbolo do casamento.
Deixando o esdrúxulo debate sobre a numeração do projeto de lado, no dia 07/02/2007 a papelada foi encaminhada ao gabinete da Senadora Fátima Cleide (PT/RO), designada como relatora na Comissão de Direitos Humanos (CDH). Um mês depois a relatora apresentou voto favorável à aprovação do projeto. Já no dia 15/03/2007, exigiu a retirada do projeto para “reexame da matéria”, devido à quantidade exorbitante de protestos que colecionou. Em setembro de 2007, o projeto entrou na pauta da CDH para ser discutido, embora tenha sido acatada a alegação do Senador Marcelo Crivella (PRB- RJ) de que a Comissão não poderia ser iniciada porque, de acordo com o artigo 108 do Regimento Interno do Senado, os poucos senadores que compareceram não formavam o número mínimo de participantes. Em dezembro do mesmo ano, o Senador Gim Argello (PMDB-DF) apresentou um requerimento solicitando que o PLC 122/2006 também tramitasse na Comissão de Assuntos Sociais (CAS). Para Fátima Cleide, o requerimento foi mais uma medida para protelar o debate. Em 2008 a ex-Senadora se tornou, mais uma vez, a relatora do projeto, agora tramitando no CAS. Em 2009, para dar fim à polêmica e depois de muita discórdia, Fátima Cleide apresentou algumas alterações para serem feitas. Em 2010 nada aconteceu. Em 2011, o projeto foi arquivado e desarquivado pela Senadora Marta Suplicy, cujo “intenso” trabalho fez com que a votação ficasse para o dia 08 de dezembro e, dias antes, fosse novamente adiada devido às diversas críticas que partiram de todos os lados.
Vale a pena informar quem está, atualmente, participando ativamente do debate em torno do projeto que já dura uma década. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem especial interesse em sancioná-lo, uma vez que, quando candidato, dedicou 14 páginas a um caderno no qual se comprometeu promover o homossexualismo, caso fosse reeleito. Aliás, não perdeu a oportunidade de pronunciar mais uma de suas sábias tiradas: “ninguém pergunta sobre a orientação sexual quando as pessoas vão pagar Imposto de Renda”. O Movimento LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais), criado para combater a homofobia, é liderado por Toni Reis, uma das principais autoridades no assunto na América Latina. Na política, o principal defensor da causa é o Deputado Federal Jean Wyllys (Psol-RJ). Ativistas de Direitos Humanos e inúmeras ONGs também clamam a favor da aprovação do projeto de lei no Senado. O militante gay e professor do Departamento de Antropologia da UFBA, Luiz Mott, é um dos ativistas mais participativos na luta pela bandeira colorida. Os principais argumentos que unem os protagonistas da causa “Um Brasil sem Homofobia” podem ser listados da seguinte forma: a necessidade de fortalecer as articulações entre o movimento LGBT com outros movimentos sociais, reconhecer politicamente os direitos de cidadania, defender os direitos humanos das lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, equiparar a discriminação ou preconceito devido à orientação sexual à discriminação racial e tornar crime o preconceito contra homossexuais.
Caso o projeto fosse aprovado do modo como inicialmente foi para o Senado, teríamos que, além de aplaudir os sucessos do politicamente correto, ficar bastante atentos às punições previstas. Um dos artigos defendia que, para quem, por princípios éticos, morais e institucionais, impedisse manifestações de afetividade em locais públicos, poderia pegar de 2 a 5 anos de reclusão. O problema é que a igreja e a escola, por exemplo, são propriedades privadas e têm o direito de exigir o cumprimento de normas e de defender princípios éticos que considerem importantes, ou senão a liberdade de expressão e religiosa, expressamente garantidas pela Constituição, estariam sendo negligenciadas. Já o artigo 16, parágrafo quinto, defendia que a prática de qualquer tipo de ação violenta, constrangedora, intimidatória ou vexatória, de ordem moral, ética, filosófica ou psicológica, também poderia ser criminalizada. Conceituar precisamente o que é intimidação de ordem ética ou ação violenta de ordem filosófica é algo muito difícil. Leis necessitam ser claras para não transformar o país em uma bagunça jurídica, além de que há uma grande diferença entre criticar uma conduta e discriminar pessoas. Já o artigo 4 previa que, caso o empregador dispensasse um funcionário por preconceito relacionado à sua orientação sexual, poderia ser condenado a pelo menos dois anos de prisão. Isso equivale defender a ideia de que uma família não teria o direito de escolher a babá que cuidaria dos seus filhos. Essa lei, certamente, seria ruim até mesmo para os homossexuais, pois uma empresa dificilmente admitiria alguém para, quando fosse necessário despedir, pudesse ser acusada por crime de homofobia. Nenhum empresário desejaria correr o risco de passar dois anos na prisão. Como disse um amigo jurista, o mercado aprende muito rápido. Outra passagem polêmica era o fato de criminalizar o dono de um imóvel que não o alugasse para homossexuais. Há pensões, por exemplo, que aceitam apenas moças. Nem por isso há heterossexuais que buscam legitimar projetos para obterem o direito de se hospedar na casa de dondocas…
Em termos mais gerais, o movimento busca se enquadrar na questão de raça e religião para alcançar argumentos absolutos, quando a orientação sexual de alguém não se enquadra no conceito de raça, cor, etnia ou religião. A homossexualidade não é etnia, nem a bissexualidade raça, e muito menos a transexualidade é religião. Outro fator fundamental diz respeito às notícias de que os homossexuais são vítimas de muitas agressões nas ruas do país. Se um indivíduo cometeu um delito, seja agressão física, constrangimento, injúria, intimidação, vexame ou qualquer crime que fere a honra de outra pessoa, a lei já fornece amparo legal, que deve ser aplicada tanto para heterossexuais quanto para homossexuais. Se um pastor ou skinhead, por exemplo, agredir, insultar, ameaçar ou matar um homossexual, certamente pagará pelo crime que cometeu.
No final das contas, a atual relatora Marca Suplicy fez alterações no projeto de lei. Por essa razão, foi severamente criticada por ativistas do movimento. O jovem Deputado Federal Jean Wyllys afirmou que as alterações feitas tornaram o projeto inválido, já que a PLC 122 “não atendia as necessidades da comunidade gay”. Além disso, disse que a relatora não sentiu na pele, assim como ele, o peso da homofobia. Realmente, ela não ganhou a quinta edição do Big Brother Brasil e com a fama fez carreira política. Então indago: será que o brasileiro é tão homofóbico assim, ao ponto de tornar vencedor de um dos programas mais populares da televisão um sujeito assumidamente homossexual?
O Senador Magno Malta (PR-ES), um dos principais representantes no Senado contra o PLC 122, disse que a proposta “vai calar a voz dos pastores e padres” e escreveu no twitter que “os assassinatos dos homossexuais não são problema dos senadores”. Em plenária, insistiu que assumiu um compromisso com os valores tradicionais e que a casa (o Senado) não fará um terceiro sexo por meio da lei. Embora o senador esteja exercendo o direito da liberdade de expressão de forma competente, nem por isso é fácil esquecer-se do seu envolvimento com o desvio de dinheiro destinado à saúde no esquema das sanguessugas. Já o pastor Silas Malafaia foi ao senado para também se pronunciar contra o PLC 122 e disse que o LGBT é “o grupo mais intolerante da pós-modernidade”. Outro inimigo do projeto é o polêmico Deputado Federal Jair Bolsonaro (PP-RJ). O deputado se utilizou da licença poética e chamou o projeto de “Plano Nacional da Vergonha” e símbolo da “ditadura cor de rosa”. Na ocasião distribuía panfletos contra o que chamou de kit-gay. O fato ganhou as manchetes da imprensa: por trás da Senadora Marta Suplicy, enquanto ela dava entrevista, o militar da reserva dava pulos para mostrar o conteúdo do panfleto para a câmara, o que irritou a Senadora Marinor Brito e a fez agredir Bolsonaro. Arnaldo Jabor fez um discurso no Jornal Nacional contra o deputado e afirmou que “Bolsonaro é a essência do machão parado no tempo”. Na internet circulou um protesto quase tão efêmero quanto o pronunciamento de comentarista: “Esse jaburro é a essência de uma bichona queima-rosca pós-moderninha”.
Não dá para negar como um debate no Senado pode ser algo muito engraçado. Bom, mas para não perder a seriedade, embora eu tenha rido bastante com a pesquisa que fiz sobre o PLC 122, devo dizer que o debate é muito importante para o país e que a participação das pessoas e dos setores da sociedade envolvidos merecem reconhecimento. Por outro lado, passei a refletir sobre algumas questões que não estão em pauta, muito embora venham a se tornar muito importantes para o debate sobre a criminalização das minorias. Será que os pedófilos, mais cedo ou mais tarde, reivindicarão o debate sobre os seus direitos? E se na hora H, para aqueles que têm o peru pequeno, sua parceria começar a rir e se negar a fazer amor… será possível fazer uma denúncia? Imagine só se ela espalha para toda a universidade! O que fazer? E os amantes que mantém relações homoafetivas com cabras ou éguas? E para quem é banguelo e tem o apelido de boca de janela aberta, a quem recorrer?
Bom, talvez eu tenha delirado um pouco quando passei a fazer suposições sobre o que pode ser reivindicado quando alguém sofre as malditas pressões e esculachos preconceituosos da sociedade! Por ocasião, lembrei-me de uma piada inglesa. Reproduzo como a recordo: um velho senhor da antiga moral britânica, um verdadeiro Lord, causou grande surpresa aos seus conhecidos quando avisou que iria residir na França. Todos, inquietos e preocupados, indagaram o porquê. O velho Lord respondeu: “quando eu era jovem, havia uma lei que proibia o homossexualismo. Agora há uma lei que permite. Eu vou embora antes que criem uma lei que obrigue”.
Será que o velhinho da piada também estava delirando quando decidiu ir embora com medo das leis? Bom, isso não quer dizer que o velhinho inglês odiasse os homossexuais, afinal de contas, comprou a passagem para ir à França e não para o Sudão.
Texto publicado na 1° edição de O Coyote
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