ESTADÃO
28 de abril de 2012 | 3h06
ALOÍSIO DE TOLEDO CÉSAR, desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo; e-mail: aloisio.parana@gmail.com - O Estado de S.Paulo
Duas expressões culturais completamente diversas, e quase antagônicas, entraram em choque no Supremo Tribunal Federal (STF), na semana passada, com acusações pessoais que vazaram para a opinião pública e provocaram compreensível indignação. O presidente em retirada, ministro Cezar Peluso, com mais de 40 anos de exercício na magistratura, ou seja, bastante experiente em julgamentos, acabou entrando em choque com o ministro Joaquim Barbosa, detentor de linda carreira acadêmica, mas que nunca ocupara anteriormente nenhum cargo diretamente ligado à tarefa de julgar.
Não se pode dizer que o ministro Cezar Peluso tenha sido um diplomata no trabalho de presidir a Suprema Corte. Sempre se observou em sua conduta, desde os tempos de juiz singular, juiz do Tribunal de Alçada, juiz corregedor e desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), uma certa intransigência na defesa de suas convicções.
O Direito não é uma ciência exata e sempre envolve na aplicação da lei um raciocínio lógico que não é o mesmo entre os juízes, por força das diferentes formações culturais e das convicções pessoais de cada um. As divergências, assim, são extremamente corriqueiras, mas acabam superadas, em geral com educação, até porque isso é necessário para a elaboração dos acórdãos.
O próprio termo acórdão deriva da circunstância de resultar de um entendimento que exprime a vontade da maioria. As divergências entre os julgadores, portanto, é bom que se ressalte, não são pessoais, mas de entendimento, de convicções, e por isso mesmo devem ser toleradas com respeito.
Com alguma frequência, porém, há juízes que se mostram muito enfáticos na manifestação de seu entendimento, e isso causa a impressão de que se trata de uma divergência de ordem pessoal. O ministro Cezar Peluso, sempre admirado no TJSP por sua atuação como juiz, tem a característica de não aceitar muito serenamente as convicções contrárias. Em razão dessa característica unicamente pessoal, algumas vezes causou no Supremo Tribunal a impressão de que investia contra o ministro de quem divergia. Em verdade, na presidência do STF ele se mostrava indignado e tendia até mesmo a dar "um puxão de orelhas" em algum colega, em determinadas circunstâncias.
Isso aconteceu, por exemplo, certa vez em que um ministro determinou de ofício o arquivamento de processo-crime, ou seja, iniciativa que é privativa do Ministério Público. Peluso presidia a sessão e foi bastante cáustico, praticamente exigindo uma retratação, quando o ideal, no interesse das boas relações na Corte, seria contornar o incidente com diplomacia, para não ferir suscetibilidades e também para evitar que o assunto ganhasse maior dimensão.
Por força dessa conduta, marca de sua carreira como magistrado ao longo de mais de quatro décadas, em certas oportunidades ele chegou a "cutucar" ministros, colegas do dia a dia. É bastante provável que não o tenha feito com o propósito de ofender, humilhar, mas porque esse é o seu estilo - o que não o ajuda nem um pouco.
No seu relacionamento profissional com o ministro Joaquim Barbosa, tendo ambos a característica de "pavio curto", sucederam-se incidentes que os separaram, quando o ideal exigido pela atividade na Corte e pelo interesse público seria exatamente o contrário. Ou seja, era de esperar que a grandeza do cargo por eles ocupado levasse ao respeito mútuo ou, no mínimo, a uma convivência educada.
Embora na raiz de tudo estivesse o estilo de cada um deles na forma de julgar, as trocas de acusações entre ambos, feitas recentemente, caíram a um nível que não se pode, em absoluto, admitir, por envolverem ocupantes do mais alto posto na carreira jurídica do País. É uma honra ser ministro do Supremo Tribunal Federal e, por isso mesmo, os seus integrantes não devem jamais baixar o nível das discussões do terreno unicamente jurídico para o pessoal.
O episódio serve para demonstrar que talvez o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não tenha sido muito feliz na escolha de ambos para ocuparem cargo de tanto destaque. Emerge também a ideia de que pode ter chegado a hora de o Congresso Nacional debater o critério da escolha de novos ministros do Supremo.
Nos últimos tempos vem prevalecendo o critério de escolha de pessoas com identidade cultural e política próxima do governante. Amizades familiares, pressões da Igreja Católica e serviços prestados ao Partido dos Trabalhadores foram decisivos na escolha de alguns ministros.
A circunstância de o ministro indicado ficar devendo o favor da indicação a quem o indicou leva à presunção de que estará a serviço desse relacionamento. A demora no julgamento do processo do mensalão deixou claro que essa grave conduta poderá estar ocorrendo, porque o infeliz retardamento contém em si a ameaça de prescrição de alguns dos delitos ali tipificados.
Certos processos judiciais, por serem emblemáticos e estarem no aguardo de milhões de pessoas, devem, sem nenhuma dúvida, merecer prioridade tanto na instrução como na inclusão na pauta para o desejado julgamento. No caso da "ficha suja", a omissão do Supremo, retardando o julgamento, concorreu seriamente para deixar em descrédito a instituição.
Nos dias atuais, com o mensalão, pior ainda, porque o seu desfecho poderá ter influência muito forte na vida política e partidária do País. Os principais acusados de crimes tão graves continuam impunes e talvez estejam dando risadas da morosidade da Justiça. A despeito de toda a sua falta de diplomacia, Cezar Peluso sempre cobrava do ministro relator atuação mais rápida, chegando a fazê-lo de público e com isso abrindo a "troca de chumbo" profundamente lamentável a que se assistiu na semana passada.
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