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terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Sem religião tradicional e sem religião política: como me tornei um ponto fora da curva?

 

LUCIANO AYAN

 

No último sábado (25/02) recebi um comentário neste blog bastante interessante a respeito do trecho de um post que fiz. Este trecho está no texto “Religião Política: O que isso realmente significa?”.

“É possível alguém viver sem religião tradicional ou religião política? Eu acho muito raro, talvez (não tenho certeza) por que o cérebro humano seja programado para ter crenças na autoridade. Raros são pontos fora da curva, como eu, que não tenho crença nem na religião tradicional como na religião política. Por isso, é esperado que alguém ao abandonar a religião tradicional seja vítima da religião política.”

Em relação a isso, o leitor Thiago – RJ, que sempre tem feito ótimas constribuições, me questionou:

Você gostaria de compartilhar esta sua história (que, creio, é bastante pessoal)? Como exatamente você se tornou um descrente da religião tradicional (no caso, cristianismo católico) sem se tornar um crente na religião política?

Eu imagino que você tenha se tornado descrente de uma, num primeiro momento, e depois da outra. É isso? Em relação a qual das duas a descrença veio antes? Essa primeira descrença ocorreu durante a crença na outra ou quando esta outra já havia acabado? Por fim, se houve uma ordem cronológica na perda das suas crenças, você acha que essa ordem é a única possível para que a descrença em uma das religiões não acarrete necessariamente na crença da outra?

Vamos às respostas a esse questionamento:

O que ocorre é que em minha adolescência eu já era um descrente religioso, e ao mesmo tempo eu acreditava no marxismo. Estou até preparando um artigo que publicarei em breve para contar algumas crenças minhas dessa época e, pasme, eram coisas bizarras, como tentativa de validação do movimento sem terra e até apoio à demarcação de metade do Brasil como território indígena. Isso tudo em um período em que o Collor tinha chutado os fundilhos de Lula na eleição para presidente.

Assim, a religião revelada para mim era algo fora de cogitação, mas eu era um crente político.

Anos depois, aos 22 anos, eu conheci o material de Robert Anton Wilson, e me tornei um neo agnóstico. Vou colar uma definição do que representa o neo agnosticismo, do qual eu era praticante há uns 10 anos atrás:

Neo-agnosticismo é um termo criado por Robert Anton Wilson, e seria uma variação do agnosticismo, só que voltado a mentes mais dinâmicas (dizem que seriam para os que tem Q.I. extremamente alto, mas não é relevante essa informação no momento) e que questionem as coisas de maneira científica (e não dogmática). A grande diferença do neo-agnosticismo é que não fica contra nenhum paradigma em especial, e sempre busca as análises ‘pelo alto’, ou seja, independente de paradigmas. Pela influência do pragmatismo americano, todos sistemas ideológicos podem ser úteis, desde que funcionem em um determinado modelo de análise. Como estão acima de paradigmas ideológicos, o neo-agnóstico não se preocupa em ‘pregar’ seu paradigma, e sim em vivê-lo. Cada um deve criar seu próprio paradigma. Pela própria definição, quando um neo-agnóstico vê um religioso radical pregando, e um ateu radical pregando, sente-os como ridículos, pois estes estão colocando seu paradigma à frente de sua vida (e provavelmente, sua atitude). Tecnicamente, ao serem ‘pregadores’, estão na quase totalidade das vezes sendo parte de um rebanho, onde sempre terá um mais esperto que se alimentará de sua submissão a um paradigma (Sagan ganhou muita grana, Randi ganha, o Papa se mantém no poder, etc…). Muitos confundiriam um agnóstico com um neo-agnóstico, e pode dar margem à dúvidas, mas o neo-agnosticismo é mais dinâmico e pragmático. Claro que esta última frase é de cunho pessoal, e portanto não deve ser usada para estudo do neo-agnosticismo. Tecnicamente, o neo-agnosticismo funciona para mim. Se irá funcionar para outras mentes e modelos mentais, não sei…  creio que muitos devam continuar achando que ‘lutam por seu paradigma, lutam pela verdade’… Eu prefiro continuar assistindo de camarote.

ATENÇÃO! Hoje em dia eu não defendo o neo-agnosticismo, que para alguns pode levar à fuga da realidade, e para outros pode levar ao relativismo absoluto. No meu caso, a prática do neo agnosticismo gerou um ceticismo próximo ao absoluto.

Nessa época, comecei a estudar PNL e Hipnose Ericksoniana, para obter o melhor das minhas relações inter-pessoais e usar melhor as minhas crenças a meu favor, assim como melhorar o rapport com pessoas de outras crenças. Hoje em dia, vejo que tanto PNL como Hipnose Ericksoniana tem muito de picaretagem (e alguma coisa de sério), mas assimilei coisas boas desse período.

Foi aos 24 ou 25 anos que eu adentrei a uma comunidade chamada “Projeção Astral”, onde conheci uma garota que acreditava nisso. Como neo agnóstico, eu treinava minha mente para CRER TEMPORARIAMENTE em viagem astral, e depois abandonar a crença após sentir a sensação da “viagem astral”. O texto “Principia Caótica”fala um pouco desse paradigma neo agnóstico, onde “brincamos” com as crenças. Envolvido pelo paradigma do neo agnosticismo, eu já vivia em uma fase de obtenção de prazeres que as crenças podem proporcionar, sem me apegar a nenhuma delas, sejam crenças políticas ou religiosas.

Só que nessa comunidade de “Projeção Astral”, eu vi um sujeito extremamente arrogante, leitor de Carl Sagan, que questionava cruelmente um grupo de pessoas crentes na viagem astral. Comecei a ver que o ceticismo dele lhe dava automaticamente um poder psicológico, e os crentes na viagem astral ficavam desmoralizados. Um território havia sido demarcado por alguém que se dizia “cético”.

O erro deste seguidor de Sagan, no entanto, foi não perceber que havia na comunidade alguém que já tinha sido neo agnóstico, portanto usava as crenças como se fossem FERRAMENTAS para obter seus efeitos. Como eu estava livre de qualquer crença no sobrenatural e na viagem astral, eu não tinha “crenças a proteger”, mas poderia atacar as crenças dele. E comecei a questioná-lo “Quem disse que você está do lado da ciência?”, “Quem disse que sua abordagem é científica?”, “Como você prova que está do lado da razão?”.

Comecei a perceber que o meu ceticismo absoluto era capaz de demolir alguém com “ceticismo” de conveniência. Ele era um humanista, mas cético quanto à religião. Eu não tinha crenças a defender, e pude demolir todo o apelo à autoridade que o outro tentou implantar. Ele entrou de salto alto, e saiu com o rabo entre as pernas.

Confesso que a minha motivação ao fazer isso foi uma só: eu fiquei com pena dos projetores astrais e vê-los tão humilhados por alguém que só tinha uma agenda a executar. Eu não acredito na projeção astral e nunca acreditei. Mas acho-os indefesos. Mas, depois de ler outro livro de Robert Anton Wilson, “A Nova Inquisição”, comecei a desconfiar dos “céticos a favor da ciência”, e passei a notar que eles nada tinham de científico. Enquanto as crenças dos projetores não causavam danos, crenças como o humanismo tinham sido responsáveis por 200 milhões de mortos nos genocídios do século passado.

Se eu já tinha atuado em alguns debates (e geralmente vencendo) os tais “céticos de Sagan”, essa atuação se tornou ainda mais implacável quando eu comecei a ver o surgimento do neo ateísmo. Percebi que os filhotes de Sagan eram fichinha perto do ódio incontrolável que os leitores de Richard Dawkins e Sam Harris sentiam. Só dava para comparar essa atitude com o anti-semitismo alemão pré-Holocausto judeu. Não raro via ateus militantes dizendo coisas como “Cristão bom é cristão morto” ou “Lugar de cristão é fora de qualquer lugar decente”.

Perdi as contas de quantos religiosos vi serem humilhados em debates, e, mesmo sem ser um religioso, senti compaixão por eles. Ao mesmo tempo, comecei a notar uma extrema falta de caridade nos neo ateus. Nessa época, também, vi o criacionista Sodré perder sua comunidade chamada “Criacionismo” para darwinistas somente por que foi ingênuo. Sabe o que eles faziam? Satirizavam a ingenuidade dele em ceder a propriedade da comunidade para um darwinista. Diziam eles: “o bobão confiou, perdeu, e cristão tem mais é que se f… mesmo”.

Curiosamente, os anti-religiosos também tinham muitas crenças facilmente desmascaráveis, pois eram todos humanistas.

Confesso também que nesse período eu questionei até darwinistas, e me afirmava como “coluna do meio”, ou seja, um agnóstico quanto ao darwinismo. Hoje eu reconheço que tais questionamentos eram injustificados, mas eu os fiz mais como defesa ao ver cristãos sendo humilhados. (Como falei, tinha compaixão por eles)

Entretanto, todos os questionamentos que eu fiz em relação aos cânones do neo ateísmo permanecem até hoje, e mais firmes, pois é cada vez mais fácil achar buracos nas crenças de Dawkins e seus asseclas. Memes, fim do gregarismo com o fim da religião, crença no governo global, crença no homem, crença em que a ciência pode nos livrar das contingências naturais, enfim, todas crenças que podem ser demolidas mais facilmente do que a crença no nascimento virginal.

Resumindo: eu não via danos nas crenças de religiosos e projetistas astrais, mesmo que eu NÃO ACREDITASSE nelas. Ao mesmo tempo, via como perigosas (pelas tendências totalitárias e viés político) as crenças de neo ateus, humanistas, etc.

Desenvolvi um modelo de questionamento que permitia o desmascaramento do neo ateísmo (que hoje defini como um dos perfis da esquerda, ou seja, religião política), e eles sempre ficavam incomodadíssimos.

Em 2010, criei este blog, que era focado especificamente no desmascaramento do neo ateísmo. Quando eu iniciei as atividades aqui, ainda era agnóstico (não mais um neo agnóstico) e não tinha crença religiosa. (e continuava não tendo crenças políticas)

Comecei a ver o neo ateísmo como apenas uma versão do humanismo secular, tendo agendas compartilhadas com outras variações do pensamento de esquerda, como social democracia, marxismo, progressismo, humanismo, positivismo, etc.

Nessa época, também comecei  a trocar informações com bloggers e outros leitores, e descobri algum material da teologia católica, como Santo Agostinho e São Tomás de Aquino. Foi SOMENTE neste período que eu comecei a me rotular de um “católico”. Mas, para fazer justiça, eu fui apenas alguém que TENTOU ser católico, talvez por achar um sistema de crenças coerente, lógico e sólido.

Fui ampliando aos poucos minhas investigações e resolvi investigar não só o neo ateísmo, mas toda a esquerda. Fui ficando cada vez mais cético quanto à religião política e comecei a criar a definição.

Eis então que comecei, no período em que parei o blog (7 meses, entre abril e dezembro de 2011) a estudar e PRATICAR elementos da Dinâmica Social. Aí danou-se tudo, pois a pouca fé que eu tinha no catolicismo perdeu-se também. Isso por que na Dinâmica Social estudamos TODOS OS ELEMENTOS relacionados aos nossos instintos, e em como manusear esses instintos para obter resultados. A crença religiosa e crença na autoridade em geral são instintos estudados.

Fazendo uma reavaliação pelo passado, eu noto que SEMPRE fui um cético pleno. Não um cético contra a religião tradicional ou contra a religião política, de forma seletiva, mas em relação às duas. Tentei ser um católico, pelas nobres companhias com quem compartilhei materiais aqui neste blog e em fóruns (e, devo reconhecer, muitos deles são pessoas de invejável cultura e intelecto, o que eliminou vários de meus preconceitos), e até hoje nos respeitamos. Acredito que muitos deles entendem minha descrença em Deus e na religião revelada, e eu os respeito.

Mas a questão é que não tenho fé suficiente para acreditar na ressurreição de Cristo, no nascimento virginal e em um Deus antropomórfico. Também tenho sérias discordâncias em relação à tentativa de alguns líderes religiosos que foram contra as pesquisas células tronco, e eu não sou contra o aborto em casos extremos, como estupro e má formação do feto, além do aborto em fases iniciais da gestação. Sou contra o aborto 100% liberado, por sua vez. Nunca consegui levar a sério o criacionismo também.

Embora eu saiba que nem todos os religiosos tradicionais apóiam o criacionismo, dá para notar que minha relação com a religião não é extremamente amistosa. Mas eu simpatizo com algumas idéias da religião cristã, como valorização da família, busca da verdade, e especialmente a descrença no homem. Acho esse tipo de ponderação algo bastante sábio, embora não veja nada de divino nesta constatação.

A religião política foi algo que me convenceu somente durante a adolescência, já a religião cristã chegou a me convencer por alguns meses entre 2010 e 2011. Hoje, não tenho fé em nenhuma.

Se alguém me perguntar qual eu prefiro? Eu prefiro ver alguém acreditando na religião tradicional do que na religião política, pois as ambições “terrenas” dos primeiros são mais modestas, e por não apelarem tanto à autoridade causam menos danos. Talvez por isso eu tenha mais leitores religiosos do que ateus. Mas este site está de portas abertas para leitores ateus e agnósticos que não creiam na religião política. Se acreditarem, naturalmente ficarão incomodados com o que escrevo.

Talvez como um dos resquícios que sobraram dos tempos do neo-agnosticismo, eu não gosto muito de “prescrever” comportamentos. Acho que cada indivíduo é único. O que me tornou ao mesmo tempo um cético na religião tradicional e na religião política foi um conjunto de fatores, envolvendo desde o uso do paradigma neo agnóstico por um bom período de tempo, leituras passadas de Schopenhauer e Nietzsche, estudo e uso de PNL, prática e aprofundamento na Dinâmica Social e no darwinismo aplicado (ou seja, teste e uso dos instintos humanos determinados evolutivamente em campo), e daí por diante.

Esse conjunto de influências e experiências sui generis, ocorrendo em fases específicas, levou à consequência natural do ceticismo em relação a todo tipo de religião, que muitas vezes pode ser ácido, mas é a forma como vejo as coisas.

Estou satisfeito por que desde o meu retorno, em dezembro de 2011, não preciso negar a mim mesmo. Não preciso “encaixar” crenças para agradar gregos e troianos antes de escrever algo. Escrevo agora de acordo somente com minha consciência e em alinhamento com o paradigma cético que defendo.

Um comentário:

  1. Só de ver o seu texto me assusta, não pelo tema muito pelo contrário mas sim pela extenção tenho uma certa preguiça de ler, li assim por cima, mas entendi talvez isso aconteça com vc também e nem va le isso, acredito que muitos não vão ler isso, mas tudo bem não importa parece automatico, continuo a seguir. Falta de religião nem sempre é descrença em Deus ou há quem diga "não tenho", mas acredito como eu. Qual o mau nisso? Nenhum, afinal ele não deixou religião, ele deixou coisas boas para serem passadas e assim fazer um mundo melhor. Dizer que acredita também não significa teme-lo assiduamente como fazem alguns fanáticos religiosos, e ignorantes afinal temos o livre arbítrio para aceitar e negar. Quantos dizem acreditar e não praticam as coisas boas? Mas isso já outro assunto. Fazer nossas escolhas sem se importar com os julgamentos de Deus ou dos outros esses os quais não valem mas existem porque de alguma forma todo ser humano se sente capaz de julgar por bem ou por mau alguns até se acham tão superiores que chegam a querer serem como Deus (Alias, não acho seja bom fazer as coisas dependendo do que qualquer criatura va pensar, isso não nos torna livres ). Ele disse: "Aceitar, perdoar, amar o teu proximo como a ti mesmo" Nós temos que agir assim, mas nem sempre somos assim alguns até exageram. Como filha dele não sou perfeita adoro rejeitar, viar a cara, negar a lista é infinita, eu estando na minha razão, é um direito meu, eu escolhi assim mesmo indo contra os principios que ele cita. Não sei bem se ele perdoaria as coisas que Hitler fez na sua passagem e até mesmo o próprio Diabo, e chego a me perguntar às vezes se ele realmente é tão perfeito, mas ainda assim não deixo de acreditar não se trata de lógica é simplesmente absoluto, e prova disso é quando faço algo proativo ou quando vemos coisas que estão relacionadas com a paz, a natureza e até mesmo a passagem de cristo na terra, todos esses são temas universais que nunca morrem com o tempo, pelo contrario estão cada vez mais vivos. O que realmente importa é saber que está fazendo a coisa certa, estando bem com suas atitudes ao semelhante sendo que no final é isso o que realmente vai valer somos nós que estamos fazendo o nosso amanhã. Independente disso ninguém está livre de nada aqui na terra e muito menos os que creem se tornarão santos e escravos de seus mandamentos. Muitas vezes não acreditei em Deus por negação, e também pelo simples fato que os humanos não consigam explicar sua existencia, afinal tudo para eles é tudo tão cientifico e lógico e é isso ai mesmo... Hoje tenho outro ponto de vista, já não vejo porque acreditar nas coisas em que os homens possam provar a existencia, porque alguns dão tanto crédito as coisas tangíveis que chega a ser ridículo porque nenhuma dessas coisas consegue superar a grandeza de Deus que parece tão vivo a cada dia, então Por que não dar crédito ao intangivel?. As mensagens que ele deixou sempre foram tão absolutas.Só não o aceita quem se nega, tudo passa a ser em vão.

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