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quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Confusão sem Confúcio

 

HEITOR DE PAOLA

Armando Ribas

“Tratar os demais como queremos ser tratados”

Confúcio

Vou insistir em minha preocupação por compreender o mundo em que vivemos. E essa preocupação se aprofunda quando percebo que no país ao qual devemos a liberdade, os Estados Unidos da América, aparece a visão demagógica que ignora os princípios fundacionais da nação. Assim chegou à luta política a suposta iniqüidade da má distribuição da riqueza, enquanto se esquecem os determinantes de sua criação.

Por outra parte, parece que se continua analisando o mundo em termos históricos, conforme a qual a luta dos estados era o caráter da evolução histórica. Quer dizer, que na análise internacional sobrevivem Kant e Hegel e na ordem interna nacional Rousseau e Marx estão presentes. De conformidade com os primeiros, a razão estava na história e no antagonismo determinante de sua evolução, Kant. Conseqüentemente, “o Estado é a divina idéia tal como se manifesta sobre a terra, e a guerra a saúde ética dos povos”, Hegel.

Então, na ordem interna reaparece Rousseau, para quem a propriedade privada era a origem da desigualdade dos homens. Portanto, a expropriação dos expropriadores (capitalistas) é o caminho para a consecução da igualdade que conduziria ao nirvana do fim da história, onde se passaria a cada um segundo suas necessidades. Certamente esta última versão revolucionária foi convertida à democracia por Edward Bernstein. Assim, a democracia como o direito das maiorias apresenta-se através da social-democracia e sua conseqüência o incremento do gasto público, que provoca a queda da taxa de criação de riqueza, e o aumento da dívida pública a níveis impagáveis. A crise que a Europa enfrenta, diga-se de passagem.

Todo o processo anterior, resultante da falácia imperante sobre a virtude política da civilização ocidental, a meu ver impede de compreender a realidade do mundo em que vivemos. Até quando vamos aceitar que o capitalismo é um sistema econômico e não o resultado de uma concepção ética, política e jurídica? Essa concepção é o princípio em que se sustenta o “rule of law” que agora parece ter sido re-descoberto pelos economistas. Tanto é assim, que recentemente outorgaram o Prêmio Nobel de economia a dois economistas que se haviam “inteirado” de que o Rule of Law existia.

Porém, o que é o Rule of Law? Não vou entrar nas argüições dos economistas que, segundo um recente informe, o conceituaram conforme dois princípios diferentes que denominam thick and thin. O primeira inclui o conceito de democracia, enquanto que o segundo refere-se tão-somente ao respeito da propriedade e da administração eficiente da justiça. Vou-me permitir então explicar o conceito do Rule of Law de conformidade com o processo histórico que o criou. Em primeiro lugar, partiu-se de um princípio ético, conforme o qual admite-se que o homem é como é e não como deve ser. Assim, foi David Hume quem reconheceu que a natureza humana é imutável e, portanto, se querem modificar o comportamento é necessário modificar as circunstâncias.

Foi John Locke, de quem surge o liberalismo como sistema político, que pela primeira vez reconheceu que os monarcas também eram homens. Portanto, era imprescindível limitar as prerrogativas dos mesmos. Em seguida reconheceu os direitos individuais à vida, à liberdade, à propriedade e à busca da própria felicidade. Foi a partir desta concepção ético-política que se produziu uma transformação do mundo e deu-se um salto quântico na história. O critério oposto de criar um homem novo concebido por Rousseau, que seguindo o imperativo categórico de Kant e em consciência da teoria da alienação e da exploração de Marx, produziu o advento de Robespierre, Lenin, Stalin, Mao e não esqueçamos de Fidel Castro. Me remeto aos fatos.

Como pudemos ver, foi no Ocidente onde se produziram as duas concepções ético-políticas mais antagônicas. De uma surgiu a liberdade pela primeira vez na história e da outra, o totalitarismo como a realização do despotismo. Quer dizer, o obscurantismo da razão. Portanto, ignorar esta divergência fundamental representa uma confusão histórica que nos impede de reconhecer a verdadeira natureza do mundo atual. Do mesmo modo, nos impede de reconhecer que já na China de Confúcio e no Upanishad encontram-se princípios morais que chegaram ao Ocidente mediante o cristianismo.

Como disse anteriormente, a chamada globalização que surge das comunicações, globalizou a informação mas não a informação que permitiu alcançar o mundo que vivemos. Na ausência dessa formação e a desqualificação do rule of law sob a hipótese do capitalismo, nos encontramos ante uma confusão política sem precedente, que nos impede de reconhecer a natureza mesma da crise que se vive. Nessa situação encontra-se a Europa ante o fracasso do wellfare state, e certamente a América Latina ante o projeto do socialismo do século XXI. E não esqueçamos do aparente esquecimento do presidente Obama dos princípios geradores dos Founding Fathers.

Por outra parte, é importante reconhecer que a China parece haver re-encontrado Confúcio e abandonado a confusão da Civilização Ocidental engendrada por Rousseau e Marx. Conseqüentemente, cresceu a taxas inigualáveis e aparentemente compreendeu o princípio de Hume, ignorado pertinazmente na Europa, segundo o qual a riqueza de seu vizinho não lhe prejudica, senão que lhe beneficia. Em função desse pressuposto, compram os bônus americanos, mesmo quando Standard and Poor baixa a qualificação dos mesmos. Não obstante essa realidade, a falácia da Civilização Ocidental vê o avanço da China como uma ameaça à segurança do Ocidente.

No mundo do presente condicionado pela existência das armas nucleares, o anti-imperialismo não é uma provocação a uma guerra mundial, senão um pressuposto nacionalista demagógico para impor o poder absoluto interno. Nesse sentido, se dá a mão com o socialismo que, como bem disse Alexis de Tocqueville: “Socialismo e concentração de poder são frutos do mesmo solo”. Do mesmo modo devemos igualmente reconhecer sua sabedoria por admitir que o sistema é o determinante dos comportamentos e conseqüentemente dos resultados. O Ocidente está em crise precisamente por ignorar a natureza do Rule of Law, enquanto que a demagogia da esquerda impera e se apodera da ética. E por último, lembremos de Vaclav Havel:“Culturas há muitas, civilização é só uma, onde se respeitam os direitos individuais”.

Tradução: Graça Salgueiro

ASSISTA ARMANDO RIBAS SOBRE CAPITALISMO E SOCIALISMO NO PROGRAMA CALASCNÑ

 

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