RAINHA MARIA
Adicionado ao www.rainhamaria.com.br em 25.09.2010
Tradução: Renato Romano
[Nota do tradutor: Trata-se de uma resposta do sacerdote a um fiel católico argentino angustiado com a situação política do seu país. Vale para os católicos nos posicionarmos com mais segurança no actual momento brasileiro.]
Nota Minha: E para os portugueses, muito válido também.
Em que consiste propriamente o amor à Pátria? (Pe. Dr. Miguel Ángel Fuentes)
« Estimado amigo:
Condição essencial para poder amar algo é conhecê-lo. Mal podemos amar a Pátria se não a conhecemos; e será amada parcialmente se temos uma ideia parcial dela. Como observou Guilherme Furlong(Cf. G. Furlong, Lo que es la Patria, en La revolución de Mayo, Buenos Aires, 1960, 9 13.), para muitas pessoas, crianças e adultos, a Pátria é um território, é um país, é uma cidade natal, é uma paisagem onde nasceram ou onde passaram grande parte da sua vida. Tudo isso é algo da Pátria, mas não é toda a Pátria. Se patriotismo fosse o apego ao solo onde nascemos e crescemos, as plantas superariam o homem em patriotismo. A pátria compõe-se do nosso solo, da nossa paisagem, da lembrança dos nossos grandes homens e das nossas tradições; mas também é algo mais.
Esse algo mais é ao mesmo tempo tradição e unidade; ou seja, um duplo vínculo simultâneo: com a tradição histórica das gerações que nos precederam e das que virão, e um vínculo com todos os homens do país, nossos contemporâneos.
E, todavia, é um pouco mais: é a consciência de que este grupo de pessoas – que, seja por nascimento, ou por imigração, ou por outras causas, estão relacionadas entre si (passadas, presentes e futuras) – temos, segundo os planos de Deus, uma missão, um destino, uma empresa colectiva neste mundo e na história. Ainda que não seja mais do que a empresa de “nos salvarmos” uns aos outros, nos educarmos na fé, transmitir e fazer perdurar os valores que recebemos, não deixar que no-los roubem nem os pervertam e preparar o futuro aos futuros filhos de Deus.
Disso surgem os deveres que temos para com a Pátria, que não devem ser confundidos com os que temos para com a forma de governo que rege, numa circunstância histórica, o país.
1. Os deveres para com a Pátria
Quatro são as virtudes cristãs que se relacionam mais ou menos de perto com a pátria:
- A piedade, que nos inspira a veneração à pátria enquanto princípio secundário do nosso ser, educação e governo; por isso se diz que a pátria é nossa mãe.
-A justiça legal, que nos faz considerar o seu bem como um bem comum a todos os cidadãos, que todos temos a obrigação de fomentar.
-A caridade, que nos obriga a amar os nossos semelhantes, começando (para ser ordenada) por aqueles a quem estamos ligados por vínculos de sangue, família e nascimento.
-A gratidão, pelos imensos bens que ela nos proporcionou e continuamente nos oferece.
Essas virtudes podem resumir-se no termo “patriotismo”, que não é outra coisa senão “o amor e a piedade para com a pátria enquanto terra dos nossos maiores e antepassados”.
O patriotismo manifesta-se principalmente de quatro modos:
-O amor de predilecção sobre as demais nações, perfeitamente conciliável com o respeito a todas elas e com a caridade universal, que nos impõe o amor ao mundo inteiro.
-O respeito e a honra em relação à sua história, tradições, instituições, idioma, símbolos (em particular para com a sua bandeira).
-O serviço, como expressão efectiva do nosso amor e veneração. O serviço da pátria consiste principalmente no fiel comprimento das suas leis legítimas, especialmente daquelas que são necessárias para o crescimento e desenvolvimento (tributos e impostos legítimos); e também no desempenho desinteressado e leal dos cargos públicos, que exige o bem comum; no serviço militar, e noutras coisas semelhantes, etc.
-Finalmente, manifesta-se na defesa contra os seus perseguidores e inimigos internos e exteriores; em tempos de paz, com a palavra ou com a pena; em tempo de guerra, defendendo-a com as armas e, se necessário for, dando a vida por ela.
De modo particular, na nossa pátria temos a honra (e os graves deveres derivados dela) de respeitar a sua origem católica. Isso foi demonstrado, com riqueza de detalhes, por um dos nossos historiadores mais importantes, o frei Cayetano Bruno (juntamente com muitos outros), entre outros lugares, nos dois tomos da sua grande obra, intitulada sugestivamente: “Argentina, nação católica”. Não devemos ignorar a nossa origem e o nosso destino. A nossa identidade está ligada à nossa fé, como deixaram bem claro os homens que fizeram a chamada “revolução de Maio”. Na declaração inicial da Junta de maio, datada de 26 de maio de 1810, em Buenos Aires, e que leva as assinaturas de todos os membros da Junta, incluída a do secretário Mariano Moreno (o menos piedoso deles), diz: “Firmai, pois, a vossa confiança e assegurai-vos das nossas intenções. [A saber:] um desejo eficaz, um zelo activo e uma forte e perseverante obrigação de prover por todos os meios possíveis a conservação da nossa Santa Religião”(O texto fac-similar pode consultar-se na Biblioteca de Maio, XVIII, junto à p. 16.138. Cf. C. Bruno, La Iglesia en Argentina, Buenos Aires, 1993, 373.). Por isso, não respeita a Pátria quem trai as intenções daqueles que a fundaram; e estas intenções, ainda que tenham tido defeitos, foram católicas.
Lamentavelmente a nossa verdadeira história não é a que muitas vezes nos foi contada. Já João Baptista Alberdi acusou os liberais do seu tempo de ter desfigurado a história. E eles mesmos o confessam, como Mitre, ao escrever a Vicente López: “o senhor e eu tivemos... a mesma repulsão por aquelas [figuras históricas] que enterramos historicamente”. E Sarmiento escrevia ao general Paz, ao oferecer-lhe o seu livro “Facundo”: “Escrevi-o com o objectivo de favorecer a revolução e preparar os espíritos. Obra improvisada, repleta de inexactidões por necessidade, por desígnio [propósito] às vezes, para ajudar a destruir um governo e preparar o caminho a outro novo”(Cf. A. Rottjer, La masonería en la Argentina y en el mundo, Buenos Aires, 1972, 296-297.). A confissão da parte dispensa as provas. A história poderá ser deformada de muitas maneiras, e pode ser ensinada falsamente às nossas crianças e jovens, mas os documentos são os documentos.
Dois vícios se opõem ao verdadeiro patriotismo:
- Por excesso, o chamado chauvinismo, o patrioterismo, ou, como o chamava o frei Francisco de Paula Catañeda por volta dos anos 1810: “patriomismo”, porque não é patriotismo, mas uma espécie de egoísmo disfarçado de patriotismo. Este vício, não importa o nome que lhe seja dado, consiste em exaltar desordenadamente a própria pátria como se fosse o bem supremo, até mesmo acima da fé, e desprezar os demais países injustamente, até com injúrias de facto. Algumas das suas manifestações são a xenofobia, a descriminação racial, a idolatrização dos símbolos ou elementos pátrios.
-Por falta (defeito), temos o internacionalismo dos homens sem pátria que desconhecem a sua própria com o falso argumento de serem cidadãos do mundo. A forma mais radical e perigosa desse vício, pelas suas derivações filosóficas e sociais, tem sido o “internacionalismo comunista”, inspirado na doutrina de Marx.
2. Deveres para com a forma de governo
Conquanto estejam muito relacionadas, não devem ser confundidas a pátria e a forma de governo pela qual aquela se rege nalgum momento da sua história. Por isso os deveres ou obrigações são diversos para com uma e com outra. Há formas de governo boas (monarquia, aristocracia, democracia) e más (tirania, oligarquia, plutocracia, demagogia e anarquia). Os homens são livres para opinar (se têm razões fundamentadas, e isso não seja somente fruto das suas paixões) sobre qual é a melhor para o seu país, ao menos no momento histórico em que vivem. Não devemos esquecermo-nos que todas as formas de governo são acidentais e é muito difícil às vezes acertar qual é a melhor para governar determinado grupo de pessoas. Por isso dizia o Papa Pio XI: “A Igreja católica [...], desde que fiquem a salvo os direitos de Deus e da consciência cristã, não encontra dificuldade em entender-se com as distintas instituições civis, sejam monárquicas ou republicanas, aristocráticas ou democráticas”(Pio XI, Enc. Dilectissima nobis (1937), n. 3.).
De todos os modos, é importante que saibamos quais são as nossas obrigações morais e quais os seus limites. Podemos resumi-lo em três afirmações:
1º Devemos respeito ao regime estabelecido de facto.
A Sagrada Escritura ensina, a esse respeito, que o poder civil e secular é legítimo, pois disse Jesus: Dai a César o que é de César (Mt 22, 16-21); também que toda a autoridade vem de Deus, como o próprio Jesus Cristo disse a Pilatos: Não terias autoridade alguma sobre mim se não te tivesse sido dada do alto (Jo 19, 11; cf. Rom 13, 1-7; Prov 8, 15); que temos a obrigação de rezar pelas autoridades, como disse São Paulo:
Recomendo que se façam preces, súplicas e acções de graças por todos os homens, pelos reis e por todos os constituídos em autoridade, para que possamos viver uma vida tranquila e aprazível com toda a piedade e dignidade (1Tim 2, 1-2); e devemos obediência à autoridade, como ensina São Paulo a Tito: Exorta-os a viver submissos aos magistrados e às autoridades, a obedecer-lhes, e que estejam prontos para toda a obra boa (Tito 3, 1).
E consideremos que tanto Nosso Senhor como São Paulo estão a falar de autoridades que muito deixavam a desejar: o corrupto Pôncio Pilatos e os tiranos imperadores de Roma. Por isso, em linhas gerais, cumpre dizer que é dever de todo o cidadão respeitar o regime estabelecido de facto, qualquer que seja a sua origem.
É o Papa Leão XIII quem diz: “qualquer que seja a sua origem”, isto é, ainda que tenha nascido ilegitimamente, se assim exigir o bem comum: “O critério supremo do bem comum e da tranquilidade pública impõe a aceitação destes governos, constituídos de facto, em vez dos governos anteriores, que de facto já não existem [...] É necessária uma subordinação sincera aos governos constituídos em nome deste direito soberano, indiscutível, inalienável, que se chama a razão do bem social”(Leão XIII, Carta aos cardeais franceses, 3 de maio de 1892.). Esse respeito não se apóia – evidentemente – na legitimidade da sua origem, mas em razão do bem comum social actual.
Tenhamos em conta que “respeitar” não significa “colaborar activamente” com um regime que não reúna as condições devidas que o bem da pátria exige. Significa unicamente que não se deve estorvar o exercício do poder naquilo que o bem comum demanda.
2º: Mas isso sem prejuízo de preferir outra forma de governo mais conveniente para a pátria, e até procurar a sua implantação por meios honestos.
As formas de governo, como dissemos, são acidentais, e a Igreja concede liberdade aos seus fiéis em matéria estritamente política, contanto que a preferência deles não atente contra a moral católica, nem natural. Por isso, pode-se “respeitar” um regime e ao mesmo tempo preferir outro mais conveniente para a Pátria, e até procurar uma forma melhor por meios e procedimentos honestos, se se considera que a implantação de um novo regime é conveniente ao bem comum da pátria, e se é possível e realizável.
3º: Mas não se pode obedecer às leis intrinsecamente injustas.
As leis humanas podem ser injustas por vários motivos.
Quando a sua injustiça afecta somente os nossos bens materiais (como ocorre tantas vezes), podem ser toleradas, pois é melhor (mesmo para aquele que sofrerá a injustiça) uma injustiça particular do que os dramas que acarreta a anarquia social. Mas, quando uma lei atenta contra a lei de Deus (seja a lei revelada, seja a lei natural), nunca é lícito obedecer. Aqui cumpre-se o que ensina São Pedro: É necessário obedecer a Deus primeiro que aos homens (cf. At 5, 29). Por isso mesmo Leão XIII disse: “Se as leis dos Estados estão em franca oposição ao direito divino, se com elas se ofende à Igreja, ou contradizem os deveres religiosos, ou violam a autoridade de Jesus Cristo no Sumo Pontífice, então a resistência é um dever, e a obediência um crime”(Leão XIII, Enc. Sapientiae christianae, 10 de janeiro de 1890, nn. 9-11.). João Paulo II, por sua vez, escreveu: “É precisamente da obediência a Deus – diz o Papa – que nasce a força e o valor para resistir às leis injustas dos homens. É a força e o valor de quem está disposto até a ir para a prisão ou morrer por espada, na certeza de que aqui se requer a paciência e a fé dos santos (Ap 13, 10)”(João Paulo II, Evangelium vitae, 73.).
E o Catecismo da Igreja Católica ensina-nos (n. 2242): “O cidadão tem obrigação em consciência de não seguir as prescrições das autoridades civis quando estes preceitos são contrários às exigências da ordem moral, aos direitos fundamentais das pessoas ou aos ensinamentos do Evangelho. A recusa da obediência às autoridades civis, quando as suas exigências são contrárias às da recta consciência, justifica-se pela distinção entre o serviço de Deus e o serviço da comunidade política. Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus (Mt 22, 21). Há que obedecer a Deus antes que aos homens (At 5, 29): “Quando a autoridade pública, excedendo-se nas suas competências, oprime os cidadãos, estes não devem recusar as exigências objectivas do bem comum, mas lhes é lícito defender os seus direitos e os dos seus concidadãos contra o abuso dessa autoridade, observando os limites que a lei natural e evangélica assinala” (GS 74, 5).
3. Conclusão
Com esses princípios, creio que [o senhor, o fiel que escreve a carta] se pode guiar para o discernimento, ao menos nas questões mais gerais.
O senhor pede-me também uma palavra de ânimo. Acredito poder resumí-la em duas verdades. A primeira baseia-se nas origens cristãs dos nossos povos, ao que já aludi mais acima. Origem implica missão, e missão quer dizer “vocação divina”. Observa Santo Tomás que, quando Deus destina uma pessoa a uma missão, lhe dá todas as graças de que precisa para realizá-la(Cf. Suma Teológica, III, 27,5 ad 1.). Consequentemente, as graças para cumprir a nossa missão histórica não nos hão de faltar, enquanto nos disponhamos a recebê-las com fidelidade.
A segunda verdade é que, para ressuscitar um povo prostrado, não são necessárias muitas pessoas; esse tipo de “coisas grandes”, como demonstra a história, é tarefa de poucos. Ainda que as massas apostatem, fujam covardemente, ou se paralisem diante da catástrofe, basta um par de Atanásios, Franciscos, Inácios, Leões, ou, conforme o caso, um Júlio César. Transcrevo-lhe uma das mais lúcidas expressões desse pensamento, que é, precisamente, a de um grande da nossa pátria, Carlos Sacheri: “O que interessa não é o número, mas a qualidade. O combate da história é um eterno combate entre duas ínfimas minorias que lutam até à morte, em face da contemplação estupidificada das infinitas maiorias (...). As instituições vivem de pouquíssimas pessoas. Esse é o erro do socialismo, que não vê a importância do indivíduo e sempre se volta para a coisa estrutural, institucional. Todas as instituições têm homens de carne e osso; e bastam poucos homens de carne e osso para animá-las. Isso é muito importante, porque nos alenta, nos deve dar uma esperança real. Para uma obra de restauração não é preciso muita gente, não é necessário que a juventude argentina grite: “Viva Cristo Rei!”, oxalá chegue o dia em que aconteça. Mas isso vai ocorrer no dia em que houver minorias, mínimas, com poucos recursos, mas com uma grande decisão de combate, com uma grande esperança de luta e com uma grande doutrina. Se não tivermos formação, que seremos? Seremos liberais”(Citado por H. Hernández, “Sacheri. Predicar y morir por la Argentina”, Bs. As. 2007, 45-47.).
Forme-se, pois, e forme os que estiverem ao seu redor. E confie.
Fonte: El teólogo responde
Fonte: http://emdefesadelefebvre.blogspot.com (visita recomendada)
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