Material essencial

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Uma geração de doutrinados

FILOSOFIA CIRÚRGICA
terça-feira, 19 de abril de 2011

Por Márcio Leopoldo Maciel


Ele é um dos maiores sucessos do mercado editorial brasileiro. Em 2007, segundo dados da Revista Época, seus livros alcançaram 10 milhões de exemplares vendidos. De acordo com seu editor, eles são usados por mais de 50 mil professores, tanto em escolas públicas, quanto em escolas privadas. Desde 1998, estimativas do MEC, mais de 20 milhões de estudantes usaram a coleção de livros didáticos. O MEC contribui bastante, só em 2005 adquiriu 3,5 milhões de exemplares. Em 2010 as compras foram modestas, mesmo assim, o MEC gastou 2,5 milhões de reais na compra de 77 mil exemplares do volume único para o Ensino Médio. Parece pouco, mas esses números colocam o título entre os mais comprados em 2010 pelo MEC para o ensino de História. Assim, a dicotomia abaixo é conhecida pela maioria dos estudantes brasileiros.

Antes de ligar o milagre ao santo, vejamos o que o MEC diz sobre um dos livros do autor. No Catálogo do Programa Nacional do Livro para o Ensino Médio de 2008, material que auxilia os professores na escolha dos livros didáticos que serão adotados nas escolas, podemos ler o seguinte:

[a obra] problematiza o conhecimento histórico e valoriza a diversidade de possibilidades interpretativas.

É priorizado o ensino voltado para a formação do aluno como um cidadão autoconsciente e crítico.

Há preocupação com a construção da cidadania.

Embora não haja uma discussão explícita sobre conceitos e noções, alguns deles são empregados de forma adequada ao longo da obra.

Embora as imagens acima não façam parte do livro analisado pelo MEC, o conteúdo dele é praticamente o mesmo das outras obras do autor, obras em que encontramos as imagens. Se as palavras ainda significam o que normalmente significam e se não houve torções semânticas nos termos usados pelo MEC na avaliação, os livros da coleção Nova História Crítica, de Mario Schmidt, desmentem de modo cabal o que vai escrito acima.

Primeiro é importante fazer um esclarecimento: em 2007 houve uma grande polêmica envolvendo os livros de Mario Schmidt.  O diretor da Central Globo de Jornalismo e colunista do Jornal O Globo Ali Kamel escreveu um artigo denunciando a doutrinação ideológica presente no livro Nova História Crítica 8ª série. Na ocasião, diversos setores da imprensa trataram do tema, entre eles o Estado de São Paulo, a Folha de São Paulo e a Revista Época, da qual extraí alguns dos números citados. O jornalista Reinaldo Azevedo também deu destaque à polêmica,  é dele o crédito pela pesquisa das compras do MEC no ano de 2005. Olavo de Carvalho, já em 1998, alertava para o conteúdo doutrinário da Nova História Crítica.

Um segundo esclarecimento: li diversas reportagens, artigos de jornal e entrevistas sobre os livros de Mário Schmidt. Das reportagens quero destacar as opiniões dos especialistas (a maioria professores universitários) que pareciam concordar em um ponto: todo e qualquer livro é ideologicamente orientado. Assim minimizavam as críticas ao conteúdo doutrinário da coleção Nova História Crítica. Concluo que ou eles desconhecem os livros, ou concordam com o que está lá, porque o que está lá vai muito além do “um pouco de ideologia todo livro tem”.

Nos blogs, o mais criticado foi Ali Kamel e, por tabela, a Rede Globo. Segundo muitos, “queriam proibir o melhor livro de história”. O principal argumento de alguns blogueiros: o jornalista havia selecionado pequenos trechos do livro, o que altera a percepção da obra. Além disso, dizem, ele escondeu as críticas que Mario Schmidt faz ao socialismo. Essa tese é falsa. Em favor de Kamel poderia ser dito o óbvio, ele não poderia reproduzir o conteúdo de um livro em um artigo de jornal.

Naquela ocasião o MEC avisou que o livro de Mario Schmidt havia sido rejeitado por uma comissão avaliadora e não faria parte do guia do livro didático para o Ensino Fundamental em 2008. Entretanto, como vimos, o livro Nova História Crítica para o Ensino Médio – volume único participou normalmente do processo e foi recomendado pelo Catálogo. No ano passado, registre, o MEC adquiriu 77 mil exemplares desse mesmo livro.
 

A COLEÇÃO NOVA HISTÓRIA CRÍTICA

A linguagem é chula, o maniqueísmo é escancarado, há simplificações grosseiras, deturpações e omissões propositais. E, claro, muita doutrinação ideológica.
Dizem que um bom texto não leva tantos adjetivos, mas como qualificar certas coisas? Ora, justificando cada um dos adjetivos empregados. É o que pretendo fazer.
Comecemos pela foto acima, talvez o mais simbólico. Seria irônico se não fosse trágico constatar que um autor dito humanista e claramente marxista reificou um ser humano para satisfazer seus propósitos ideológicos. Transformou um indivíduo em coisa em nome de seu proselitismo político vulgar. Ali não há uma crítica à sociedade capitalista, ali há, sim, uma evidente exploração da condição lamentável daquele homem. É pior, Schmidt força o indivíduo a debochar de sua própria condição. O que ele diria, que os fins justificam os meios? Seria coerente com a ideologia que defende. A crítica em si é esdrúxula do ponto de vista histórico, político e econômico, mas, mesmo assim, se ele pretendia fazê-la, que a fizesse sem recorrer à piada de muito mau gosto. Ele poderia ter exposto a imagem e ter dito que aquela situação é causada pelo capitalismo ou pelo neoliberalismo. Continuaria errado, mas não seria tão desumano. Deixo aqui um recado ao leitor: se o teu sistema moral permite esse escárnio, teu sistema moral permite muitas coisas. Infelizmente aquela imagem não é a única nos livros da coleção Nova História Crítica, observe:

(clique nas imagens para melhor visualizá-las sem sair desta página)


Segundo o MEC, no Guia de 2008, no livro é “priorizado o ensino voltado para a formação do aluno como um cidadão autoconsciente e crítico”. Temos um problema semântico aqui. Aliás, dois. O que significa para o MEC ‘autoconsciente’ e ‘crítico’? O indivíduo ‘autoconsciente’ é consciente de que? É uma questão importante. O problema da palavra ‘crítica’ é pior. No Dicionário Houaiss, uma de suas acepções é “capacidade de julgar, de examinar racionalmente livre de preconceitos e sem julgamento de valor”, porém, sabemos que ‘crítica’ é usada em alguns contextos pedagógicos como adoção de certo conteúdo ideológico muitas vezes eivado de preconceito e dogmatismo. A apresentação de Ronald Reagan abaixo se encaixa em qual definição?

Compare o que você acabou de ler com aquilo que o MEC afirma sobre o livro: [a obra] problematiza o conhecimento histórico e valoriza a diversidade de possibilidades interpretativas. É possível qualquer interpretação além daquela em que Reagan foi um idiota nazista? O que vai acima não uma exceção, é a regra. O maniqueísmo do livro não é só perceptível, ele está na letra fria do texto. O que Mario Schmidt diz sobre a visita de Reagan à Alemanha é, no mínimo, escandaloso. Aliás, no livro não há qualquer referência ao discurso de Reagan em frente ao Portão de Brandemburgo em 1987. Sim, aquele discurso em que Reagan diz“Senhor Gorbatchev, derrube este muro!” Um dos fatos mais relevantes do Século XX é sonegado dos estudantes, que recebem a versão “Reagan foi à Alemanha louvar seus heróis nazistas”.

De qualquer forma, os alunos não entenderiam o pedido de Reagan, pois segundo Mario Schmidt, os americanos foram os principais responsáveis pela construção do Muro de Berlim. Isso mesmo. A história resumida é a seguinte: no fim da Segunda Guerra os americanos estavam ricos, os russos, arruinados pela invasão nazista. Assim, os americanos puderam investir na Berlim Ocidental e criaram a falsa ideia 
de prosperidade capitalista. Os russos, acuados, construíram o muro. Schmidt diz que nada justifica a construção do muro, mas ele já havia justificado. O procedimento é amplamente utilizado por Schmidt no relato de diversos eventos históricos.

Preste a atenção
 no seguinte trecho, o contexto são as ditaduras na América do Sul, mas Schmidt está falando do Brasil:
 “O que a ditadura teve de bom” – “Mas as ditaduras não tiveram nada de bom”?, as pessoas costumam perguntar. Na verdade essa é uma falsa pergunta pois não leva em conta que o positivo serviria de desculpa esfarrapada para o negativo.” Uma flagrante contradição com o conteúdo dos livros, o que manifesta certo desdém pela inteligência dos estudantes, já que Schmidt gasta muitas páginas para propagar a superioridade intelectual, moral e econômica das ditaduras socialistas e a infalibilidade de algumas de suas lideranças. As críticas que ele faz são pálidas e laterais, diluídas pela imagem perfeccionista que constrói do socialismo.

Não é preciso provar que os livros são pura doutrinação ideológica, isso está escrito em um deles. Em Nova História Crítica da América podemos ler:
 "Contra a História Tradicional (HT). A História Tradicional nos faz decorar os heróis da classe dominante.”  Schmidt está entre aqueles historiadores que acreditam que apelar para a “luta de classes”, ou qualquer outro conceito, torna a História 100% permeável. A História aceita muitas interpretações, é verdade, mas não todas as possíveis. Algumas são risíveis porque precisam apagar centenas de fatos para manter a versão, a fábula, de pé.

Repare no herói abaixo, Che Guevara aparece associado ao que os jovens normalmente apreciam. Ardil recorrente nos livros, forçar a crença de que para ser descolado, inteligente e humano é preciso ser de esquerda.
 

Em um quadro destacado
 “O QUE PENSAVAM OS JOVENS DOS ANOS 60” (nas entrelinhas: O QUE VOCÊ DEVE PENSAR), Schmidt apresenta seu ideal de jovem (um roteiro para compreender os livros). Ele pergunta: “O que você estaria pensando se fosse um estudante nos anos 60?” E responde: “Provavelmente você seria de esquerda. Teria lido a História da Riqueza do Homem, de Leo Huberman… Lenin seria sempre citado. Che Guevara venerado como herói. Você teria ódio dos EUA,mas desconfiaria que o socialismo soviético era burocratizado.”  E ele termina dizendo: O problema é que muitos [daqueles jovens] se tornariam, nos anos 90, empresários gananciosos, executivos cínicos… Aí está o que ser e o que não ser, o que pensar e, principalmente, o que odiar.
O cerne da obra, falo especificamente de quando trata da política nos séculos XIX e XX, pode ser assim resumido: o capitalismo é nefasto; os EUA, a expressão desse mal. Qualquer coisa positiva vinda de um ou de outro é obra do acaso, a motivação certamente era pérfida. Por outro lado, o socialismo é o sonho possível, obra dos homens sábios e de bom coração. Infelizmente foi vítima dos EUA e da burocracia stalinista; porém, nada diminui o fato de que a intenção era nobre. Nada! Aliás,“havia socialismo naquilo?”, isto é, na URSS, é uma das poucas perguntas não retóricas dos livros. Um dos raros momentos em que o autor não induz a resposta. É a dúvida que interessa, então ele apresenta cinco versões para o que havia na URSS. Entretanto, não há dúvidas de que o socialismo em Cuba e na China foi um sucesso. Esses dois países legaram à humanidade grandes estadistas, Fidel Castro e Mao Tsé-tung.

A Venezuela começa sua profunda transformação social (semiótica)

O que há em comum entre Che, Mao e Chávez? São de esquerda, certo, mas além disso? São intelectuais! Outra das dicotomias apresentadas por Schmidt, a esquerda reúne a nata intelectual do planeta, na direita só há brucutus. Che escreveu sobre economia e política; Mao foi professor, também autor de livros sobre economia e política; Chávez, filho de professores, formado em Sociologia e pós-graduado em Ciência Política.

Marcuse, Althusser, Lukács, Gramsci, Leo Huberman, o estudante que utilizar a coleção Nova História Crítica ficará com a impressão de que a teoria política no século XX se resume ao que é discutido por esses autores e mais alguns outros, todos de esquerda, em sua maioria comentaristas da obra de Marx. Hayek e Friedman são citados en passant como ideólogos do neoliberalismo em um pequeno quadro que “explica” as ideias políticas de Reagan e Thatcher. Na maioria dos livros de Schmidt, esse quadro é ilustrado pelas imagens daquele homem “dizendo” “Aí, galera: viva o capitalismo neoliberal!” (ou liberal, dependendo do contexto) e daquelas crianças “dizendo” “ainda bem que meu país não é socialista…”
Repare como os conceitos são adequadamente apresentados no pequeno trecho abaixo:

ESQUERDA X DIREITA
 
(a definição de Mario Schmidt)

esquerda é favorável às transformações sociais, está sempre querendo mais direitos para os trabalhadores. Os Social-Democratas (socialistas reformista) eram de esquerda. Os comunistas eram de extrema esquerda.

centro é uma espécie de direita moderada.

direita é bastante conservadora, repudiando mudanças sociais profundas e dizendo que medidas a favor dos trabalhadores prejudicam à nação. A extrema-direita defende ditaduras violentas e o fim dos direitos mais elementares do povo. Os fascistas são de extrema-direita.

Agora a diferença entre o capitalismo e o socialismo:

CAPITALISMO X SOCIALISMO
 (a definição de Mario Schmidt)

Uma das principais diferenças entre o capitalismo e o socialismo é que no capitalismo a economia é subordinada ao mercado e no socialismo a economia é planificada. Por exemplo, o que é mais importante para o bem-estar social, que o país fabrique sapatos ou secadores de cabelos? Num país capitalista, quem decide o que vai ser produzido é o dono da empresa, baseado nas necessidades do mercado. Se fabricar sapatos ou secadores de cabelos der mais lucro, ele irá investir em secadores de cabelo. Isso não é resultado da insensibilidade do burguês, mas da própria realidade do mercado. Na selva, temos que ser selvagens.

São exemplos tão contundentes de doutrinação ideológica que merecem uma análise exaustiva em outro momento. Foram essas definições que levaram o MEC a declarar que Embora não haja uma discussão explícita sobre conceitos e noções, alguns deles são empregados de forma adequada ao longo da obra”?

Mario Schmidt não deixa espaço para incerteza ou contestação. O marxismo nunca sofreu de humildade epistêmica. Os críticos da esquerda são apresentados como monstros insensíveis ou idiotas irreversíveis, na maioria das vezes, dignos de escárnio. Cabe destacar, mesmo sendo uma obviedade, que a ridicularização de personalidades ou de ideias por si só não é convincente; pelo contrário, gratuita, tende a chocar. O recurso é mais utilizado para consolidar um conteúdo prévio ou concomitante. Assim, aquilo que Schmidt diz sobre Reagan, entre outros, embora seja parte da doutrinação, também é indício ou prova de uma doutrinação ainda maior, isto é, a imagem que ele constrói ao longo da obra, o que torna a “piada engraçada” e não chocante. Por isso é má estratégia de defesa argumentar que os trechos selecionados distorcem a percepção das obras. Schmidt oferece uma narrativa coesa, e isso não é um elogio, mas uma constatação. O marxismo é apresentado como ciência que explica as ocorrências de outras teorias na história da humanidade. É esse aparente rigor científico que “autoriza” o deboche. Tome como exemplos disso as definições conceituais de esquerda x direita e capitalismo x socialismo acima. O didatismo (no bom sentido) está apenas na forma, o conteúdo é mera propaganda e desinformação.

A ridicularização como mecanismo de convencimento é uma evidente desonestidade intelectual, mas que estudante é capaz de contestar o professor e o livro didático chancelado pelo Ministério da Educação? No mais das vezes acata por desinteresse ou adquire um entusiasmado interesse alicerçado pelo profundo convencimento. Os primeiros são as pessoas comuns que normalmente não gostam de política; quando questionadas, tendem a expressar o que estudaram no colégio. Os segundos são os militantes que trasbordam certeza e intolerância.

Limitar horizontes nunca esteve entre os objetivos da educação, mas é característica da doutrinação imposta às crianças e aos jovens brasileiros patrocinada pelo Ministério da Educação e recebe o nome absurdo, dado o contexto, de ‘crítica’. Ora, isso é precisamente o seu oposto. Muitos dos que advogam essa posição, alguns deles com boas intenções, sustentam que o “bem” não precisa de argumentos, mas de aceitação. Esse é o axioma de todas as ditaduras. Em outras palavras, o povo brasileiro paga para que seus filhos tenham uma educação que pouco qualifica tecnicamente para tentar compreender o mundo, não obstante, forma o “homem pleno”, consciente de meia dúzia de preconceitos e ideias irrefletidas – com o mundo na palma dos cascos.  
   

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Ali Kamel: O que ensinam às nossas crianças (link do Escola sem Partido)
Olavo de Carvalho: Neutralidade e ortodoxia

quarta-feira, 20 de abril de 2011

O relatório do IPEA é parte da trama forjada pela quadrilha para roubar sem sobressaltos

AUGUSTO NUNES
19/04/2011 às 16:39 \ Direto ao Ponto


Jornais, revistas, emissoras de rádio e TV, sites e blogs concederam espaços de bom tamanho ao relatório do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas, o IPEA, sobre o ritmo das obras em 15 aeroportos brasileiros. Só VEJA destacou, na edição desta semana, o trecho mais importante do documento. Espertamente limitado a uma frase, escancara o que há por trás da procissão de vogais, consoantes e algarismos: uma jogada ensaiada ─ como avisa o título da reportagem.

O poder público poderia estabelecer procedimentos diferenciados em relação às obras de infraestrutura nos aeroportos, a fim de diminuir a demora na execução das diferentes etapas desse tipo de investimento”, recomendaram ao governo federal os companheiros do IPEA. A sugestão foi aceita no mesmo dia. Menos de 24 horas depois, chegou ao Congresso o projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2012, propondo o que os governistas chamam de “flexibilização das regras”. Podem chamá-la de ”trilha da ladroagem” que ela atende.

Por encomenda da Presidência da República, o que IPEA sugeriu e os parlamentares a serviço do Planalto tentam oficializar é o sumiço de licitações, concorrências, mecanismos fiscais e outras pedras no caminho que leva aos cofres públicos. O que se propõe é a eliminação de tudo que possa atrapalhar a reedição, em escala ainda mais superlativa, das bilionárias bandalheiras que transformaram os Jogos Pan-Americanos de 2007 num campeonato de gatunagens por equipe, vencido pelo time de supercartolas, ministros de Estado e empresários amigos que joga contra o Brasil decente com o patrocínio do governo (leia o post na seção Vale Reprise).

“São necessárias mudanças, senão não vamos cumprir o cronograma da Copa”, recitou o deputado Cândido Vaccarezza, líder do governo na Câmara. “É um erro o TCU ser capaz de paralisar obras com base em suspeitas de faturamento”. Conversa de vigarista. As “suspeitas” são certezas. Não é o “cronograma da Copa” que está atrasado. É o cronograma do PAC, que só avança na imaginação da presidente Dilma Rousseff. Os 13 aeroportos em obras deveriam estar prontos há muito tempo. Não para desbloquear o desembarque de torcedores estrangeiros, mas para tornar menos infernal a vida dos passageiros nativos.

O relatório é só um pretexto para a formulação da proposta cafajeste. Até as birutas das pistas em decomposição sabem que as obras não serão concluídas a tempo. Até um estagiário de engenharia sabe que não é possível fazer em três anos o que deveria ter começado há quatro. Uns por ingenuidade, outros para cumprir o contrato de aluguel, muitos jornalistas enxergaram no documento a prova de que os técnicos do IPEA agora ousam apontar problemas que envolvem o patrão. Reduzido desde 2003 a uma usina de fantasias ufanistas, o instituto teria demonstrado com o documento que recuperou a vergonha.

O truque não funcionou. A frase que recomenda o atropelamento da lei informa que o que pareceu um grito de independência foi um sussurro de cúmplice. O IPEA acaba de juntar-se ostensivamente à trama que pretende premiar a quadrilha reincidente com a autorização para roubar sem sobresssaltos.

Exclusivo: Rocha Matttos reabre caso Celso Daniel

BRASIL 247



Exclusivo: Rocha Matttos reabre caso Celso DanielFoto: DIVULGAÇÃO

DEPOIS DE SETE ANOS NA CADEIA, O JUIZ JOÃO CARLOS DA ROCHA MATTOS REVELA, EM ENTREVISTA EXCLUSIVA AO 247, QUE FOI PRESO PORQUE TEVE EM SEU PODER AS FITAS DO CASO CELSO DANIEL E DIZ QUE O PREFEITO DE SANTO ANDRÉ MORREU PORQUE O DINHEIRO EXTORQUIDO DAS EMPRESAS DE ÔNIBUS NÃO IA SÓ PARA O PT

13 de Abril de 2011 às 00:06
Por Claudio Julio Tognolli_247 – O governo Lula inaugurou uma Polícia Federal devotada a combater inimigos comerciais e políticos do PT – algo que ele, um delegado da PF por sete anos, não viu nem quando serviu sob a ditadura. A “Polícia Federal republicana”, frase do ex-ministro da Justiça de Lula, Márcio Thomaz Bastos, é uma falácia: a PF de Lula era a PF dos interesses de Lula. O desabafo é do ex-juiz federal João Carlos da Rocha Mattos, 62 anos de idade. Rocha Mattos saiu da cadeia há menos de 20 dias. Cumpriu sete anos e cinco meses de prisão. Foi o único réu preso no caso do assassinato do ex-prefeito de Santo André, Celso Daniel – tudo porque, diz ele, tinha posse de fitas comprometedoras, cujo conteúdo a PF de Lula “editou e apagou”. Rocha Mattos mandou destruir tais fitas, como juiz, por serem ilegais. Mesmo assim, ele sustenta que a PF, quando o prendeu na Operação Anaconda, em outubro de 2003, invadiu sua casa perguntando se havia cópias das fitas.
Acusado por supostamente vender sentenças judiciais, Rocha Mattos falou com exclusividade ao Brasil 247, por duas horas, em seu escritório no centro de São Paulo. Não mede palavras sobre o que sofreu: conclui que sua vida mudou depois que o caso Celso Daniel caiu em suas mãos. “Basta dizer que há ainda magistrados federais acusados de estupro, de homicídio, de corrupção, de lavagem de dinheiro. Nenhum deles foi preso ou perdeu a função, como eu perdi. Recebi muita pressão por causa das fitas do caso Celso Daniel. Recebi essas ameaças de pessoas que tinham sido seguranças do Lula em todas as suas campanhas, um deles um delegado federal que chegou a ser nomeado superintendente da PF em São Paulo depois que Lula ganhou sua primeira eleição para presidente”. Ele se refere ao delegado Francisco Balthazar da Silva.
Rocha Mattos ainda se espanta com a “PF republicana” de Thomaz Bastos. “Por incrível que pareça, a PF passou a ser muito mais dependente do PT a partir do governo Lula do que ela era dependente dos governos militares nos anos de chumbo. A Polícia Federal jamais foi uma polícia republicana. Ela é uma polícia do governo, ela é comandada pelo presidente da República e pelo ministro da Justiça. O grande chefe da Polícia Federal foi o ministro da Justiça Marcio Thomaz Bastos, embora haja um executivo como diretor da Polícia Federal”.
O ex-magistrado confessa que sua maior curiosidade é saber como funcionava a engrenagem da PF de Lula. “A Daslu, por exemplo, é uma condenação ridícula, chega a quase 100 anos, é uma condenação que nem os maiores criminosos receberam uma pena como essa. São raríssimos os casos com uma condenação igual a essa. Existia sob Lula uma política por detrás da PF. Há crimes financeiros cujos autores cometeram os mesmos ilícitos que outros e não tiveram tratamento tão duro”.
Rocha Mattos só tem contra ele uma condenação em definitivo, numa pendenga contra o juiz Fausto Martin de Sanctis. Nos outros oito casos pendentes, ainda cabem-lhe recursos. Ele sonha em reaver seus vencimentos de juiz federal e nessa luta seu advogado é o criminalista Nabor Bulhões. Confira seu depoimento:
247 – Como está a sua vida hoje?
Rocha Mattos – Estou com 62 anos, acordando super cedo. Sempre gostava de acordar cedo. Agora eu acordo cedo, venho para o escritório. Eu já trabalhava aqui quando estava no semi-aberto, só que eu trabalhava e tinha que voltar pra dormir em São Miguel e ultimamente no Belém, já que o presídio de São Miguel acabou. Venho pro escritório, trabalho, fico até tarde. Antigamente ficava até às cinco, tinha que chegar lá às sete, em São Miguel e depois no Belém. E eu acabo indo embora daqui agora mais tarde, nove horas, ou seja, o primeiro a chegar e o último a sair. E doutor Raimundo Oliveira da Costa, que é o dono do escritório é meu advogado há mais de um ano e tem conseguido grandes vitórias pra mim. Ele é uma pessoa que conheço há muitos anos e embora tenha ficado muito tempo sem ver e houve uma aproximação maior mais por carta quando estava lá em Tremembé e ele foi trabalhar lá na Paulista e quando ele saiu de lá acabei vindo com ele pra cá.
247 – O senhor conhece a Justiça de uma maneira privilegiada porque foi delegado federal, procurador, juiz federal, preso...
Rocha Mattos – Até a prisão eu conheço agora! Eu sei o quanto é difícil ficar preso, o quanto é difícil a vida, porque não é só você ficar lá fechado o tempo todo, quando sai pro semi-aberto você sai pra trabalhar, existe essa possibilidade. Mas a gente não sabe das angústias que existem, principalmente no fechado, no regime semi-aberto. E nesse tempo toma bastante tombo. Na verdade, normalmente quem tira esse tempo de prisão é quem tem crime hediondo, que não é o meu caso, quem tem trânsito em julgado, homicídio, sequestro, então eu fiquei muito tempo preso. As penas chegaram a ser bem altas, elas foram caindo com recurso e tal. Ainda tenho uns processos em andamento e foi muito difícil, tive dificuldade até pra comunicar com advogado, mas eu sobrevivi.
247 – O que você mais pensava quando estava preso, o que mais te ocupava a cabeça?
Rocha Mattos – Sempre pensava que eu ia acabar resolvendo algumas situações, ia sair, eu não esperava ficar tanto tempo preso, eu esperava ficar dois ou três anos no máximo, eu nunca imaginei que fosse ficar todo esse tempo. Naquela época o tribunal, quando eu estava livre de um processo, decretava outra coisa mais antiga.
247 – E no que você se segurou?
Rocha Mattos – Ah, filhos, filhos e a filha menor que eu tenho, que tem seis anos e nasceu quando eu estava na Polícia Federal, foi gerada quando eu estava na Polícia Federal. É uma criança que é minha filha-neta e que renovou bastante a minha vida. E mesmo o Caio, que quando eu fui preso tinha 12 anos, era garoto ainda. As mais velhas já estão bem encaminhadas na vida.
247 – Dentro desse sistema, o que você viu de pior?
Rocha Mattos - Olha, não tem uma cena assim que tenha marcado bastante, mas é a angústia dos presos em geral, porque eles ficam às vezes na esperança daquele benefício, e às vezes, muitas vezes aliás, eles são frustrados de justiça, de liberdade, e realmente demora muito pra ver as soluções dos incidentes.
247 – Alguém te pedia muito conselho, sabendo que o senhor era juiz?
Rocha Mattos – Muito, muito.
247 – Fale do que pesa contra o senhor.
Rocha Mattos – Tive mais de vinte acusações, inclusive algumas até repetidas, e isso foi até reconhecido pelos procuradores que trabalham na primeira instância. Existem acusações sobrepostas. A mesma conduta minha deu margem a um processo por prevaricação e a um processo por corrupção. O Ministério Público dizia ora que era corrupção, ora que era prevaricação, ora que era lavagem de dinheiro. Existem hoje em dia talvez umas sete ou oito acusações contra mim. Sei que é um absurdo, mas eu sei que sou eu que fui preso no caso de Santo André, do Celso Daniel. Eu estou agora em liberdade porque já cumpri uma parte da pena, mas eu ainda estou preso no caso da morte de Celso Daniel. Recebi uma pena de três anos e meio em regime semi-aberto. Fui acusado de ter desaparecido com as fitas do caso, quando não fui eu quem despareceu com as fitas do caso. Inclusive essas fitas eram prova ilícita e existe até acórdão do Supremo dizendo que se a prova é ilícita, ela não poderia ser usada como acusação de supressão de documento, ou seja, dela mesma. Foram localizadas segundas cópias dessas fitas meses depois da destruição delas. Embora por distribuição eletrônica, na Justiça, esse mandado de segurança contra mim caiu nas mãos da desembargadora Terezinha Cazerta, que estava à frente de alguns processos da Operação Anaconda, em alguns dos quais ela foi considerada, aliás, incompetente. Jamais houve na Justiça Federal de São Paulo uma rapidez e uma celeridade como essa que houve no meu caso.
247 – Houve política na Operação Anaconda?
Rocha Mattos – Sustento ainda que a Operação Anaconda foi uma operação política contra mim. Sustento porque naquela época a Anaconda foi a segunda grande operação do governo Lula. Houve antes a Operação Diamante, em que foi atingido um ex-ministro do STJ, um juiz, e um juiz de um tribunal regional federal, junto de sua esposa. Mas ninguém foi preso. Comigo, foram muito duros: basta dizer que há ainda magistrados federais acusados de estupro, de homicídio, de corrupção, de lavagem de dinheiro. Nenhum deles foi preso ou perdeu a função, como eu perdi. Recebi muita pressão por causa da fitas do caso Celso Daniel. Recebi essas ameaças de pessoas que tinham sido seguranças do Lula em todas as suas campanhas, um deles um delegado federal que chegou a ser nomeado superintendente da PF em São Paulo depois que Lula ganhou sua primeira eleição para presidente. Mas as provas do caso Celso Daniel eram ilícitas e eu não me arrependo de nenhuma decisão que eu tenha dado. Eu acho que eu poderia ter sido apenas mais cortês com as pessoas do tribunal. Às vezes, quando eu me sentia muito pressionado, eu também reagia. Eu procurava sempre, para reagir a essas pressões, demonstrar que eu sabia de muitas coisas. Eu tenho até exemplo, mas não vou citar nomes: eu acusei um juiz de destruir dois carros do tribunal. Li outro dia, no Consultor Jurídico, que esse juiz agora está respondendo pela destruição desses carros.
247 – O senhor foi acusado na Anaconda de venda de sentenças. Quais são essas sentenças, qual a materialidade da acusação?
Rocha Mattos – Na verdade eu tenho duas acusações sobre isso. Uma o processo está em andamento ainda. O processo está na 10ª Vara. O outro caso que eu fui condenado pelo tribunal é o caso do contrabandista alcunhado de Lobão. Esse Lobão era acusado de descaminho de cigarros e de outras mercadorias. Não fui eu que dei a liberdade provisória ao tal de Lobão, e ele nem era réu. Quem eram réus eram os supostos laranjas dele. Eu jamais soltei os caminhoneiros que estavam transportando essa carga desviada. Quando veio a denúncia contra os laranjas de Lobão, eu nem estava mais na Justiça. Com o parecer favorável do Ministério Público, a única coisa que eu fiz nesse processo, eu liberei, mediante fiel depósito, os veículos transportadores para os proprietários que eram os supostos laranjas, mas eu não sabia disso. E ninguém também recorreu disso. E veja você que eu fui acusado nesse caso de corrupção e até de liberar cigarros. Jamais foram liberados cigarros, nem por mim nem por outro juiz. Esses cigarros continuam apreendidos na Receita, eram fabricados no Paraguai e eu acabei respondendo por corrupção nesse caso. Esse caso não tem julgamento definitivo. Vai ser julgado um recurso especial e vão ser julgados dois habeas corpus. Mas fora esses dois casos, eu não tenho nenhuma outra acusação de corrupção.
247 – Essas acusações, cronologicamente, foram feitas depois que o senhor esteve de posse das fitas do caso Celso Daniel?
Rocha Mattos – Sim, perfeitamente. O caso Anaconda começou errado. Ele começou em Alagoas, com um juiz de Primeira Instância e não pelo Tribunal Regional Federal de lá. Hoje em dia, o STJ não aceita mais isso, que um juiz de outra jurisdição faça gravações de outro. A escuta, agora, tem que ser determinada desde o início pelo tribunal. E contra os juízes de outras regiões, pelo Tribunal Regional da jurisdição específica. A Anaconda começou para investigar uma coisa e acabou investigando outra. Eu e os juízes Casem e Ali Mazloum fomos grampeados por um juiz de Alagoas por um ano e oito meses, e na verdade quando apareceram os nossos nomes esse juiz deveria informar isso imediatamente ao tribunal, e não ficar um ano e oito meses investigando em segredo.
247 – Qual é o seu juízo de valor sobre a Polícia Federal Republicana, como era chamada por Marcio Thomaz Bastos?
Rocha Mattos – Eu fui delegado federal por sete anos, de 1976 até 1982, então eu peguei bastante do período militar. Na época dos militares, a Polícia Federal nunca teve um delegado que fosse diretor-geral, eram só coronéis e generais do Exército, então claro que a PF era ligadíssima ao regime militar. Mas, por incrível que pareça, a PF passou a ser muito mais dependente do PT a partir do governo Lula do que ela era dependente dos governos militares nos anos de chumbo. A Polícia Federal jamais foi uma polícia republicana. Ela é uma polícia do governo, ela é comandada pelo presidente da República e pelo ministro da Justiça. O grande chefe da Polícia Federal foi o ministro da Justiça Marcio Thomaz Bastos, embora haja um executivo como diretor da Polícia Federal. Num HC meu de 2004 eu escrevi isso: a Polícia Federal é uma polícia do governo. A Polícia Federal é uma polícia petista, do governo do PT, como foi do PSDB na época do PSDB. Tanto que o caso da Roseane Sarney foi uma operação comandada contra ela pelo governo Fernando Henrique. Portanto a PF era tucana e passou a ser petista. O que eu acho bom é que no início desse governo Dilma a PF se desvinculou bastante da parte política. A Dilma está deixando a PF ser bastante profissional. Eu acho que a interferência na PF, no governo Dilma, é muito menor. No tempo de Lula e de Marcio Thomaz Bastos, a PF virou uma polícia do PT. Não era uma PF do governo, era uma PF do Partido dos Trabalhadores.
247 – Por que a PF de Lula prendeu alguns empresários e não outros, que concorriam afinal no mesmo tipo de negócio?
Rocha Mattos – Por razões políticas, inclusive tem condenações como a da Daslu, que é uma condenação ridícula, chega a quase 100 anos, é uma condenação que nem os maiores criminosos receberam uma pena como essa. São raríssimos os casos com uma condenação igual a essa. Existia sob Lula uma política por detrás da PF. Há crimes financeiros cujos autores cometeram os mesmos ilícitos que outros e não tiveram tratamento tão duro. Os tribunais deixaram de ser duros também, como se pode ver o caso da Operação Castelo de Areia e como está se vendo no caso da Satiagraha. Ao contrário do que aconteceu na Anaconda, o STJ começou a abrandar mais, ele começou a passar a ser menos tolerante com essas gravações. Ele começou a considerar ilegais as gravações que se perduram por anos e não têm fundamentação.
247 – O senhor acha que tudo teve um breque depois que o ministro Gilmar Mendes foi grampeado?
Rocha Mattos – Não foi só o ministro Gilmar que teria sido grampeado, outros também foram, existem suspeitas seríssimas disso. O próprio Judiciário foi amadurecendo. Num primeiro momento isso não foi visto no nosso caso. Veja você, no meu caso, que eu tinha até uma certa relação de inimizade com os irmãos Mazloum, cheguei a litigar com eles no caso Banespa, já processei os dois e fui processado por eles, e mesmo assim a Anaconda nos acusou juntos. Não há na Anaconda nenhuma ligação telefônica entre eu, o Casem e o Ali. Foram usadas contra mim provas em que a minha ex-mulher Norma, que estava fora de si por causa da separação, me ameaçava com coisas inexistentes. Essas gravações legalmente só poderiam ser usadas para a defesa, e não no ataque contra mim. A própria jurisprudência do Supremo é nesse sentido, Veja que no caso do Carlinhos Cachoeira naquele escândalo do Valdomiro Diniz, do PT, na Casa Civil, o procurador tinha as gravações do Carlinhos, mas queria que ele entregasse, porque pela lei só ele era parte legítima para entregar essas gravações. O Carlinhos foi vítima de extorsão daquele assessor do José Dirceu. O Carlinhos gravou tudo, mas ele nunca entregou para a polícia. Mas no meu caso, o mesmo tipo de gravação foi aceito como prova pelo Tribunal Regional da 3ª Região.
247 – Algum dos seus casos já transitou em julgado?
Rocha Mattos – É um caso que a pena baixou de 4 para dois anos. Esse processo já estava instaurado antes da Anaconda e eu fui acusado nele de fazer uma denunciação caluniosa contra o juiz Fausto de Sanctis. Eu o acusei de abuso de autoridade, não de um crime grave, e acabei sendo condenado a 4 anos de prisão em regime fechado. Cumpri parte dessa pena, sendo que depois o STJ acatou o HC do meu advogado, abaixando essa pena para dois anos em regime aberto. O processo foi totalmente desfigurado.
247 – O senhor diz que no caso do Celso Daniel houve ingerência da PF como polícia de estado e de partido...
Rocha Mattos – Foi a PF do Executivo. Aquilo foi terrível pra mim, embora eu tenha considerado a prova ilegítima. Indevidamente as fitas de Celso Daniel ficaram guardadas em local incerto e não sabido e isso gerou atrito com a desembargadora Terezinha Cazerta, autora do mandado de segurança contra mim. O MP se aproveitou disso para tentar, e conseguiram, me deixar na cadeia tantos anos. Quando o Elias Maluco matou Tim Lopes, ele foi condenado por homicídio e formação de quadrilha. Ele levou uma pena de um ano e oito meses: eu levei uma pena de 3 anos, a pena máxima, pela suposta quadrilha. Não há um caso como esse na Justiça.
247 – Fale da fita do caso...
Rocha Mattos – A apuração do caso do Celso começou no governo FHC. A pedido do PT, a PF entrou no caso. Mas quando o Lula assumiu, a PF virou, obviamente. Daí, ela, a PF, adulterou as fitas, eu não sei quem fez isso lá. A PF apagou as fitas, tem trechos com conversas não transcritas, é uma história insepultável. O que eles fizeram foi abafar o caso, porque era muito desgastante, mais que o Mensalão. O que aconteceu foi que o dinheiro das companhias de ônibus, arrecadados para o PT, não estava chegando integralmente a Celso Daniel. Quando ele descobriu isso, a situação dele ficou muito difícil. Só existe uma pessoa condenada nesse caso: eu. Vão surgir mais co-réus. Eu sou o único punido no caso Celso Daniel. Agentes da PF manipularam as fitas de Celso Daniel. O juiz do caso então, de polícia judiciária, o Dr. Porto, admitiu que as gravações começaram a ser feitas para apurar suposto tráfico de drogas, ele sabia que era para investigar o PT, mas ele não tinha competência territorial para isso. E outra: era crime político, portanto deveria ser apurado pela PF. Esse caso veio parar na minha mão. Eu mandei apreender essas fitas, que nem sei se eram originais, mas já tinham sido adulteradas. Se a PF do FHC queria prejudicar o PT, sob o Lula ela virou e passou a ser uma polícia do governo do PT. O juiz Porto admitiu que autorizou gravações que eram para drogas, mas, no fundo, eram políticas. Por que não constava do processo que ele era contra integrantes do PT? O Dr. Porto parecia estar conivente com essa mentira de que era caso de drogas. Destruí as primeiras fitas. Mas tudo ali era adulterado, veio adulterado, sempre envolvendo Gilberto Carvalho, ex-secretário particular de Lula. A PF fez um filtro nas fitas para tirar o que talvez fosse mais grave.
247 – E o que seria?
Rocha Mattos – Não sei.

A natureza do empreendedor - o problema com a teoria de Hayek e Kirzner

MISES BRASIL
por Murray N. Rothbard, quarta-feira, 20 de abril de 2011



anatomia.jpgEm 1920, Ludwig von Mises escreveu uma monografia explicando a impossibilidade econômica do socialismo.  Segundo Mises, se o socialismo, por definição, consiste no gerenciamento centralizado da economia — com os meios de produção sendo propriedade do governo —, resta a pergunta: como pode um sistema centralizado, onde não há mercados entre os meios de produção, saber como decidir qual é a maneira mais eficiente de utilizar os recursos necessários para a produção de um determinado bem?  Se não há um sistema de livre formação de preços para balizar a produção, a utilização de recursos produtivos passa a ser feita às cegas.  Qualquer "preço" que o planejador da economia impuser para qualquer bem será um preço arbitrário e não terá qualquer valor para um cálculo genuíno.
Ou seja, a explicação de Mises sobre a impossibilidade econômica do socialismo pode ser assim resumida: se os meios de produção são propriedade exclusiva do estado, não há um genuíno mercado entre eles.  Se não há um mercado entre eles, é impossível haver a formação de preços legítimos para eles.  Se não há preços, é impossível fazer qualquer cálculo econômico.  E sem esse cálculo econômico, é impossível haver qualquer racionalidade econômica — o que significa que uma economia planejada é, paradoxalmente, impossível de ser planejada.  Para Mises, portanto, o socialismo, ao abolir a propriedade privada dos meios de produção, impossibilitava qualquer cálculo econômico racional, algo que, por sua vez, torna o socialismo um sistema econômico insustentável.

Os socialistas, entretanto, disseram que, ao fazer essa constatação, Mises havia na realidade prestado um inestimável serviço ao socialismo: Mises havia apontado o problema do cálculo econômico no socialismo, problema esse do qual os socialistas ainda não estavam cientes.  Ato contínuo, Oskar Lange, o polonês stalinista, passou a dizer que era incorreta a teoria de que o cálculo econômico no socialismo era impossível, pois, uma vez assentido que preços são necessários para o cálculo econômico, os planejadores centrais poderiam, por meio de algumas equações matemáticas, determinar os preços de acordo com suas mentes.  Para Lange, o número de equações necessárias para se determinar a oferta, a demanda e os preços existia no socialismo assim como existia no capitalismo.

Quando o debate chegou a esse ponto, F.A. Hayek e Lionel Robbins, que até então estavam ao lado de Mises, abandonaram o argumento da impossibilidade do cálculo econômico no socialismo e recuaram para uma segunda linha de defesa: que, embora o problema do cálculo econômico pudesse ser resolvido na teoria, na prática seria muito difícil.  Assim, Hayek e Robbins passaram a sustentar que o socialismo sofria apenas de um problema prático, um problema mais voltado para o grau de eficiência; e não um problema de natureza drasticamente distinta da do capitalismo.

Entretanto, não é correto dizer que Hayek e seus seguidores haviam aceitado o argumento das equações, abandonado assim a abordagem "teórica" de Mises e refugiando-se em objeções "práticas" ao planejamento socialista.  Hayek raramente concedia a equações matemáticas de equilíbrio geral o monopólio da correta teoria econômica.  Porém, é também verdade que Hayek e seus seguidores alteraram fatal e decisivamente todo o enfoque de sua posição "austríaca" acerca do socialismo — seja dando um outro sentido ao argumento de Mises, seja conscientemente, embora silenciosamente, substituindo termos cruciais do debate.

Não foi por acidente, portanto, que Hayek e os hayekianos abandonaram a misesiana expressão "impossível" para descrever o socialismo, alegando que esta era embaraçosamente extrema e imprecisa.  Para Hayek, o principal problema a ser enfrentado por um comitê planejador socialista é a sua falta de conhecimento acerca de vários dados da economia, sua incapacidade de obter informações sobre variáveis essenciais da economia.  Sem um mercado, o comitê planejador socialista fica desprovido de meios para saber as preferências dos consumidores, sua escala de valoração dos bens, a oferta de recursos ou as tecnologias disponíveis.  Já a economia capitalista é, para Hayek, um arranjo valioso justamente porque possibilita essa disseminação de conhecimento de um indivíduo para outro.  Essa dispersão de informação ocorre através dos "sinais" enviados pelos preços formados no livre mercado. 

Uma economia estática, em equilíbrio geral, poderia superar esse problema hayekiano da dispersão de conhecimento, uma vez que, sendo estática, todos os dados dessa economia acabariam se tornando de conhecimento de todos.  Porém, no mundo real, os dados econômicos estão constantemente sofrendo alterações; sendo incertos, esses dados inconstantes impedem que o comitê planejador socialista adquira o conhecimento necessário para gerenciar a economia.  Logo, como é típico de Hayek, seu argumento em prol de uma economia livre e contra uma economia estatizada baseia-se inteiramente no argumento da incapacidade de dispersão de informações acuradas sob o socialismo.

Porém, para Mises, o problema central do socialismo não é o "conhecimento".  Ele explicitamente mostra que, mesmo que os planejadores socialistas soubessem perfeitamente de tudo e estivessem genuinamente ávidos para satisfazer os desejos prioritários dos consumidores, e mesmo que esses planejadores possuíssem um perfeito conhecimento acerca de todos os recursos e de todas as tecnologias, eles ainda assim não seriam capazes de calcular, pois continua não existindo um sistema de preços para os meios de produção.  O problema, portanto, não é de dispersão de conhecimento, mas sim de possibilidade de cálculo.

Como o professor Joe Salerno demonstrou, o conhecimento transmitido pelos preços de hoje — ou pelos preços do imediato "passado", como os do dia de ontem — representam apenas as valorações dos consumidores, a disponibilidade de tecnologias, as ofertas de vários bens etc. do passado imediato ou recente.  Porém, um agente empreendedor está realmente interessado — ao investir recursos na produção e na venda — é nos preços futuros.  O empreendedor compromete recursos hoje na expectativa de colher lucros futuros.  A função do empreendedor é avaliar e estimar — antecipar — os preços futuros, e alocar recursos de acordo com essa sua estimativa.

É exatamente essa função central e vital do empreendedor — estimar os preços futuros e investir recursos apropriadamente, buscando lucros e evitando prejuízos — que não pode ser realizada por um comitê planejador socialista, devido à ausência de mercado nos meios de produção.  Sem tal mercado, não há preços monetários genuínos e, consequentemente, não há como o empreendedor calcular e fazer estimativas em termos monetários.

Em termos mais filosóficos, toda a ênfase hayekiana no problema do "conhecimento" é mal empregada e mal concebida.  O propósito da ação humana não é "conhecer", mas sim empregar meios para satisfazer objetivos.  Como Salerno, com grande discernimento, resumiu a posição de Mises
O sistema de preços não é — e praxeologicamente não pode ser — um mecanismo para economizar e comunicar o conhecimento relevante para os planos de produção [essa é a posição hayekiana].  Os preços correntes são preços já concretizados, e representam um acessório de avaliação e estimativa; eles auxiliam na operação mental na qual a faculdade da sabedoria é utilizada para avaliar a estrutura quantitativa das relações de preços, relações essas que correspondem a uma constelação de dados econômicos que já se concretizaram.  Da mesma forma, preços futuros previstos não representam ferramentas de conhecimento.  Preços futuros previstos são apenas instrumentos de cálculo econômico.  E o cálculo econômico por si só não é o meio pelo qual se adquire conhecimento, mas sim o pré-requisito essencial da ação racional que ocorre dentro do arranjo da divisão social do trabalho.  O cálculo econômico fornece aos indivíduos, independente de sua dotação de conhecimento, a ferramenta indispensável para se apreender a situação e fazer uma comparação mental entre os meios e os fins da ação empreendedora.
Em um recente artigo, o professor Israel Kirzner argumenta em prol da posição hayekiana.  Para Hayek e para Kirzner, o mercado é um "processo de descoberta", isto é, um processo de revelação de conhecimento.  Nessa visão de mercado e de mundo, não há um reconhecimento genuíno da função do empreendedor; o empreendedor não é um "descobridor", como ambos sustentam, mas sim um agente dinâmico que está disposto a correr riscos, alguém que se arrisca a ter prejuízos caso sua avaliação e prognóstico deem errado.  A insistência de Kirzner no "processo de descoberta" funciona muito bem dentro do seu conceito original de empreendedorismo, segundo o qual a função do empreendedor é estar "alerta", e a função de diferentes empreendedores é estar alternadamente alertas às oportunidades que eles veem e descobrem.

Porém, essa perspectiva interpreta de maneira totalmente distorcida a função do empreendedor.  O empreendedor não está simplesmente "alerta"; ele prognostica, ele avalia, ele estima, ele assume e lida com riscos e incertezas ao buscar lucros e tentar evitar prejuízos.  Como Salerno aponta, por causa de suas insistentes e repetitivas menções sobre dinamismo e incerteza, o "empreendedor" de Hayek-Kirzner é curiosamente um agente passivo, indiferente e inanimado, recebendo e passivamente absorvendo conhecimento transmitido a ele pelo mercado.  O empreendedor de Hayek-Kirzner é bastante semelhante — muito mais do que ambos gostariam — ao agente do leilão walrasiano, o "leiloeiro" fictício que evita todas as trocas reais que ocorrem no mercado.[*]
Infelizmente, embora exponha lucidamente a posição hayekiana, Kirzner obscurece a história do debate ao alegar que Mises, mais tarde, junto com Hayek, viria a mudar sua posição (ou, no mínimo, "aprimorá-la") em relação à sua visão "estática" original de 1920.  Mas o que ocorreu foi justamente o contrário, como apontou Salerno: mais tarde, Mises rejeitou explicitamente a ideia de que a resposta para o problema do cálculo está na incerteza quanto ao futuro.  A explicação para a questão do cálculo, declarou Mises em Ação Humana, não está no fato de que "toda a ação humana está voltada para o futuro e o futuro é sempre incerto".  Não, o problema do socialismo
não é esse.  O cálculo que efetuamos hoje considera o nosso conhecimento atual e a previsão que fazemos hoje da situação futura.  Não se trata de saber se o comitê socialista será ou não capaz de prever a situação futura.  O que estamos afirmando é que o comitê não tem como calcular com base no seu próprio julgamento de valor e na sua própria previsão da situação futura, seja ela qual for.  Se investir hoje na indústria de alimentos enlatados, pode ocorrer que uma mudança nos hábitos ou nas considerações higiênicas sobre a comida em lata venha a transformar seu investimento num desperdício.  Mas a questão não é essa; o problema consiste em como definir, hoje, a melhor maneira de construir uma fábrica de conservas da maneira mais econômica.
Algumas estradas de ferro construídas no início do século não teriam sido construídas caso as pessoas àquele tempo tivessem previsto o iminente progresso do automóvel e da aviação.  Mas aqueles que naquele tempo construíram estradas de ferro sabiam qual a alternativa — dentre as várias possíveis para a realização de seus planos — deveria ser a escolhida, em função de suas próprias avaliações e previsões, e dos preços de mercado nos quais estavam refletidas as valorações dos consumidores.  É precisamente esta possibilidade de discernir que faltará ao comitê.  Sua situação será idêntica à de um navegante em alto mar que não conheça os métodos de navegação... (Mises, Ação Humana, pág. 797)
Kirzner aparentemente acredita que o enfoque no empreendedorismo dado por Mises em sua discussão sobre socialismo em Ação Humana demonstra que Mises adotou a posição hayekiana.  Kirzner parece negligenciar a enorme diferença que há entre a visão de Mises sobre o empreendedorismo, a qual envolve prognósticos, avaliações e estimativas, e a sua própria doutrina do "empreendedor alerta", a qual deixa completamente de fora a possibilidade de prejuízos empreendedoriais.
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Leitura indispensável sobre o assunto:
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Nota
[*] Israel M. Kirzner, The Economic Calculation Debate: Lessons for AustriansReview of Austrian Economics 2 (1988): 1-18.  Hayek cunhou o termo "processo de descoberta" em F. A. Hayek, "Competition as a Discovery Procedure," in New Studies in Philosophy, Politics, Economics and the History of Ideas (Chicago: University of Chicago Press, 1978), pp. 179-90.  Para uma crítica ao conceito de empreendedorismo de Kirzner, ver Murray N. Rothbard,Professor Hébert on EntrepreneurshipJournal of Libertarian Studies 7 (Fall 1985): 281-85.  Para as próprias contribuições de Hayek para o debate sobre o cálculo econômico no socialismo após o debate com Oskar Lange, ver  F.A. Hayek, "Socialist Calculation 111: The Competitive 'Solution'" (1940), e O Uso do Conhecimento na Sociedade (1945), in Individualism and Economic Order, pp. 181-208; 77-91.