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segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

A caça às bruxas. Edição 1963 de 5 de julho de 2006.

VEJA
IMPORTANTE: matéria de 2006


Brasil

A Polícia Federal abre investigação sobre denúncia de que o cacau na
Bahia foi alvo de sabotagem

Policarpo Junior
Marcio Lima
José Pereira, nova testemunha: ele viu dois técnicos pondo a praga nas plantações


O técnico em administração Luiz Henrique Franco Timóteo, 54 anos, foi ouvido pela Polícia Federal na semana passada. Em depoimento de quatro horas, ele confirmou ter sido um dos responsáveis pela disseminação proposital da praga conhecida como vassoura-de-bruxa, que devastou as plantações de cacau do sul da Bahia no início dos anos 90. Conforme afirmara em reportagem publicada por VEJA, Franco Timóteo confirmou que agiu em conjunto com cinco funcionários da Ceplac, o órgão do Ministério da Agricultura responsável pelo cacau. O técnico contou que, no fim da década de 80, quando militava no PDT, se juntou a cinco servidores da Ceplac, todos militantes petistas, e eles decidiram sabotar as plantações do sul da Bahia para minar o poder político e econômico dos barões do cacau. Em sete ou oito viagens, ao longo de quase quatro anos, ramos infectados com a vassoura-de-bruxa foram colhidos em Rondônia, onde a praga é endêmica, e levados para a Bahia. Ali, a doença espalhou-se de forma incontrolável e dizimou as plantações baianas. O Brasil, que era então o segundo maior produtor mundial de cacau, passou a importar a fruta.

"Não tenho dúvidas de que a introdução da vassoura-de-bruxa no sul da Bahia foi criminosa", declara o pesquisador Gonçalo Guimarães Pereira, chefe do departamento de genética da Universidade Estadual de Campinas. O especialista, no entanto, não acredita na versão de Franco Timóteo. Ele diz que, nas plantações baianas, há apenas duas variações do fungo causador da doença – e deveria haver muito mais. "A chance de alguém ter pegado fungos de várias localidades, em períodos diferentes, e apenas dois terem se desenvolvido é praticamente nula", afirma. Gonçalo Pereira, que coordenou o projeto de pesquisa do genoma da vassoura-de-bruxa, explica que as duas variações do fungo encontradas nas lavouras da Bahia são realmente originárias da região amazônica. Mas faz uma ressalva. "Se foi como ele contou, deveria haver vários focos e vários tipos de fungo", diz o pesquisador. Sua tese, no entanto, é contestada por outros especialistas.

Fotrs Anderson Schneider/divulgação
Franco Timóteo, que depôs na PF, e um cacau cheio de basidiocarpos: para cientistas, a denúncia é verossímil

A bióloga Maricilia Arruda, doutora em biologia molecular pela Universidade de Brasília (UnB), acha que a posição de Gonçalo Pereira "é, no mínimo, precipitada". Ela concorda que, muito provavelmente, o material infectado em Rondônia realmente devia carregar grande diversidade de fungos – e não apenas dois –, mas ressalta que uma coisa não pode ser tratada como conseqüência direta da outra. "Os sabotadores podem ter pegado vassouras velhas, vassouras apodrecidas e vassouras novas. As novas secam e produzem esporos, que infectam as plantas desde que haja condições de clima e umidade. As apodrecidas não. Assim, não é improvável que apenas dois tipos tenham produzido esporos", afirma a pesquisadora. Há um problema até na premissa de Gonçalo Pereira de que existem apenas dois tipos de vassoura-de-bruxa na Bahia.

O diretor do centro de pesquisas da Ceplac, Jonas de Souza, diz que um estudo iniciado no ano passado por especialistas do órgão detectou a existência de pelo menos cinco variedades de fungo no sul da Bahia. A pesquisa foi coordenada pela bióloga Karina Gramacho, doutora em fitopatologia pela Universidade da Flórida. Ela diz que a pesquisa de variabilidade de fungos conduzida por Gonçalo pode não ter sido tão abrangente – o que justificaria seu equívoco em dizer que há apenas dois tipos na região. "Você pode trazer 1.000 plantas doentes, mas elas só representam um perigo se produzirem basidiocarpos", afirma Karina Gramacho, referindo-se a um cogumelo que se instala no cacau e dá origem aos esporos. "Se os basidiocarpos vão produzir esporos e infectar é outra história, que depende do clima, das condições de transporte do material, da própria maneira de inserção", explica a pesquisadora.

A bióloga Maricilia Arruda, da UnB, aventa outra possibilidade: a de que haja fungos em Rondônia altamente virulentos que, uma vez espalhados na Bahia, podem ter matado todos os demais. Esse tipo excepcionalmente agressivo, diz a pesquisadora, existe justamente na região de Ouro Preto do Oeste, em Rondônia, uma das cidades onde Franco Timóteo diz ter coletado ramos infectados. "Não se pode descartar a possibilidade de esse fungo mais agressivo ter colonizado os cacaueiros baianos primeiro, impedindo a entrada de outros tipos." O fitopatologista João Marcelino Pereira, consultor das Nações Unidas, alerta ainda para a possibilidade de o fungo instalado no sul da Bahia ter sofrido um processo de mutação. "Com o tempo, os patógenos, que são os fungos causadores da doença, podem sofrer mutações genéticas para se adaptar à planta hospedeira", diz ele.

Além de ter verossimilhança científica, a denúncia de Franco Timóteo ganhou mais algumas evidências. Em Itabuna, a principal cidade da região cacaueira da Bahia, VEJA localizou dois personagens que podem auxiliar os investigadores na elucidação do caso. Um é o funcionário público Gilberto Oliveira, diretor do arquivo público da cidade. Ele conta que se lembra de ter visto, no fim da década de 80, num ano que não sabe precisar, Franco Timóteo desembarcando de um ônibus com um saco de plantas. "Achei estranho e fiz uma brincadeira. Perguntei: 'É maconha?'. 
Ele respondeu que era uma encomenda." Na verdade, era Franco Timóteo chegando de Rondônia com ramos infectados de vassoura-de-bruxa. A outra testemunha importante é o empresário José Pereira dos Santos. Ele lembra que, certa vez, ao voltar de uma fazenda, encontrou dois amigos com sacos nas costas, cães e espingardas, acompanhados de outros dois homens. Pereira perguntou o que estavam fazendo lá. "Você guarda segredo?", perguntou um deles. Em seguida, contou que, em troca de um bom dinheiro, estavam espalhando a praga e que seus acompanhantes eram técnicos da Ceplac. VEJA exibiu várias fotos a José Pereira, entre elas as imagens dos cinco petistas da Ceplac. Ele reconheceu dois – Jonas Nascimento e Eliezer Correia, que, de fato, foram denunciados por Franco Timóteo.

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