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quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Pankaj Mishra x Niall Ferguson, ou como escrever um texto desonesto

BRUNO GARSCHAGEN
QUARTA-FEIRA, 16 DE NOVEMBRO DE 2011



O indiano Pankaj Mishra, romancista, ensaísta político e colunista do jornal esquerdista inglês The Guardian, escreveu um longo texto para o London Review of Books que pretendia desmontar, e desmoralizar, não só as obras do historiador Niall Ferguson , mas o próprio historiador, com uma malandragem retórica para chamá-lo de racista, sem o fazê-lo diretamente.

Mishra, um crítico severo da dificuldade de mobilidade social dos indianos na sociedade britânica, a despeito de suas próprias certezas, conseguiu um jeito antigo de driblar esse problema: casou-se com a prima do atual primeiro-ministro britânico David Cameron, e que é filha de Sir William Robert Ferdinand Mount, escritor,comentarista político, membro do Partido Conservador, ex-colaborador do governo de Margaret Thatcher, ex-editor do Times Literary Supplement e colaborador da excelente revista Standpoint.

O importante, contudo, é, primeiro, a exigência da imparcialidade que ele manifesta a respeito do trabalho de Ferguson. Imparcialidade, no dicionário das esquerdas, significa um trabalho com a perspectiva da esquerda. Todo o resto é abjeto, imoral e parcial. Nunca vi Niall Ferguson esconder o que pensa e colocar-se como um historiador isento de sua visão de mundo, que eu classificaria, mesmo à revelia do autor e com risco de não estar rigoroso, de liberal-conservadora. Nos debates públicos e na TV, além dos textos para jornal, essa perspectiva histórica, política e econômica sempre foi tratada às claras, e em seus livros a abordagem não é diferente.

Note que a maior crítica de Mishra é a orientação ideológica e o tratamento que Ferguson dá aos fatos, como se isso fosse algo inédito na historiografia britânica ou indiana, a começar pelos livros dele mesmo e seus artigos para o The Guardian. De resto, o texto repete equívocos do politicamente correto ao criticar a defesa do historiador sobre os benefícios da colonização inglesa na Índia (em 2011, não dá mais para limitar o debate sobre se a colonização deveria ou não ter sido levada a cabo, mas sobre seus benefícios e malefícios ao longo da história do país). Lembro de uma conversa que tive no ano passado com um professor de História da Universidade de Oxford, ele mesmo indiano e especialista na história do seu país, na qual ele me contava sobre o extraordinário impacto positivo da cultura inglesa na sociedade indiana, e de como fazer parte do império permitiu a milhares de indianos pobres prosperarem lá ou ao migrar para a Inglaterra.

Voltando ao texto, o que é grave, e que Ferguson chama apropriadamente de uma "tentativa grosseira de assassinato de caráter", é a acusação, a meu ver explícita, de que o historiador britânico seria um racista e defensor, e órfão, do pior que o império britânico produziu. E é justamente por isso, não pela crítica à sua obra, que ele exige desculpas públicas, o que eu duvido que Mishra irá fazer.

Pode-se apontar falhas e defeitos na obra de Ferguson, como na de qualquer outro historiador, mas condená-la pelo viés adotado, pelo recorte histórico e tratamento dado as fatos, é de uma esperteza desonesta que dimensiona exatamente o crítico e aquilo que ele até agora produziu.

Leitura recomendada

Civilization: The West and the Rest.

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