NIVALDO CORDEIRO
05/11/2011
O desesperado gesto do primeiro-ministro grego de remeter o “pacote” europeu a referendo plebiscitário precisa ser compreendido. Há grandes equívocos teóricos sobre a questão da democracia. Esta não é regime político, é mero instrumento de escolha de dirigentes. A radicalização que grupos de esquerda querem fazer do instrumento democrático de escolha de dirigentes é um engodo, por ser inexeqüível. Só um tem sido o regime de governo: o misto, que combina a democracia na escolha dos dirigentes (e parlamentares) e a aristocracia, representada pelos dirigentes escolhidos e pela burocracia permanente, herdeira legítima da aristocracia de sangue de tempos passados.
O espetáculo eleitoral virou fetiche que obscurece mais das vezes a visão do observador. O gesto do primeiro-ministro grego representou a recusa da elite grega a cumprir o seu papel, de fazer as escolhas difíceis e pô-las em funcionamento. Claro está que a sociedade grega tem vivido além de suas posses e cabe aos seus governantes fazer a adequação. Não se venha dizer que é uma imposição desde fora, que é mesmo. Mas essa imposição não é arbitrária, está fundada na lei da escassez, que não tem como ser ignorada. É preciso adequar as despesas à receita e o diktat da União Européia é apenas o epifenômeno do dikat da natureza.
O fato é que o Estado moderno não superou a aristocracia. Apenas a camuflou. Governantes covardes que fogem a seus deveres são expulsos. As grandes decisões não são tomadas nas urnas, mas pela pequena elite dirigente, própria de qualquer tipo de sociedade. A aristocracia persiste no funcionalismo público e na classe política. O preconceito democrático está tão esparramado que as pessoas não se dão conta da natureza do poder, que é sempre concentrado e personalista. Poder é indelegável e se exige dos dirigentes que tomem as necessárias decisões.
A agonia da social-democracia nos permite a observação do drama político nas suas minudências, em espetáculo a olho nu. O pressuposto da social-democracia é que a dívida pública e os impostos devem subir continuamente. Ocorre que esses limites foram esgotados em praticamente todos os países. Essa é a origem da crise atual, que só será superada com a superação do modelo social-democrata. Nos EUA temos o Tea Party, que tem plena consciência dessa realidade e luta pela superação da forma socialista de conduzir o Estado. Na Europa não existe força equivalente, politicamente organizada. Então o continente europeu viverá um período bem mais prolongado de crise, porque não sabe onde fica a maçaneta da porta a ser aberta.
A forma aristocrática é a única capaz de impor racionalidade ao Estado e ela persiste mesmo na ordem democrática, dando origem ao regime misto. Essa é a realidade política. O gesto do primeiro-ministro grego provou que da elite se espera que seja elite. Esta não pode renunciar à sua missão.
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