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segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Os novos donos do tráfico (trecho)

ÉPOCA
01/10/2011 01h02 - Atualizado em 01/10/2011 01h02

HUDSON CORRÊA, DA BOLÍVIA E DO PARAGUAI, E LEONARDO SOUZA

Quem são os homens que, fora ou dentro da cadeia, controlam o crescente comércio de drogas no Brasil – e imprimem gestão empresarial a seus negócios ilícitos


capa_Revista Época_698 (Foto: Editora Globo)
O jipe Cherokee preto, blindado, com placa número 0001, começou a ser seguido pela Polícia Federal (PF) nas ruas de São Paulo em meados de 2001. Seu condutor, o paranaense Luiz Carlos da Rocha, um homem de meia-idade, pele clara e cabelos grisalhos, era monitorado pela PF por suspeita de envolvimento com o narcotráfico. Passados dez anos, a polícia não tem mais a menor dúvida sobre as atividades de Cabeça Branca, apelido pelo qual Luiz Carlos é conhecido. Como sua placa prenunciava uma década antes, ele é considerado hoje, aos 52 anos, o número um de uma lista dos maiores barões da droga no Brasil.
Cabeça Branca e outros grandes traficantes investigados pela PF – Jarvis Chimenez Pavão, Lourival Máximo da Fonseca, Maximiliano Dourado Munhoz Filho, José Paulo Vieira de Melo e Irineu Domingo Soligo – representam uma nova geração do narcotráfico. Num estilo diferente de traficantes do passado, como Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, e José Carlos dos Reis Encina, o Escadinha, conhecidos por atos de violência e afronta escancarada às autoridades públicas, os novos donos do tráfico atuam de modo mais discreto. Eles não deixam de ser violentos. Quando julgam necessário, mandam matar. Mas não integram facções criminosas nem mantêm “exércitos” armados que desafiam a polícia.
  
novos traficantes (Foto: reprodução, Otimex/Xinhua/Cor/Clj, Governo do  Estado de MT, AP, arq. Folha de Rondonia e Newscom )
Preferem atuar como homens de negócios e comandam, foragidos ou dentro da cadeia, verdadeiras redes empresariais da droga. Eles cruzaram as fronteiras de nações vizinhas, se instalaram por lá e, com a proteção de autoridades locais corruptas e diante da leniência do Estado brasileiro, inundam as cidades do país todos os anos com toneladas de cocaína e pasta-base de coca, a matéria-prima para a produção do crack – o entorpecente que mais mata hoje no Brasil. De suas bases montadas no Paraguai, na Bolívia, na Colômbia e até mesmo na Venezuela, terceirizam boa parte dos serviços, como o refino da coca, a remessa e a distribuição da droga no Brasil.
“O tráfico de drogas nunca vai acabar. Podem prender dez Fernandinhos (Beira-Mar). Dez não sei quem. Dez Pavão. Não adianta”, disse a ÉPOCA Jarvis Chimenez Pavão, apontado pela PF como o segundo maior traficante do país. “O Paraguai todo é território do tráfico.” Pavão recebeu a reportagem na penitenciária de Tacumbu, em Assunção, a maior do Paraguai, de onde, segundo a PF, continua a controlar o comércio de drogas para o Brasil. Durante três meses, ÉPOCA realizou um extenso levantamento sobre a vida desses grandes traficantes. Consultou processos judiciais, entrevistou policiais e advogados, visitou cidades dos dois lados da fronteira e constatou que as palavras de Pavão não são uma mera bravata.
Alguns indicadores oficiais sugerem que as drogas estão entrando no Brasil em quantidades cada vez maiores. No relatório mundial sobre drogas divulgado em junho deste ano, a Organização das Nações Unidas (ONU) destacou a crescente apreensão de narcóticos no Brasil. O país foi o recordista de todas as Américas em volume de crack retido em único ano, com 374 quilos (em 2008). Nos Estados Unidos, foram apreendidos 163 quilos de crack. Houve também um aumento espantoso na quantidade de cocaína retirada de circulação em território brasileiro. Em 2004, foram retidas 8 toneladas. Seis anos depois, em 2010, o número saltou para 27 toneladas.
O governo difunde a versão de que as apreensões de cocaína aumentaram por maior eficiência das forças engajadas no combate ao tráfico – além da PF, o Exército e a Força Nacional de Segurança. Nos últimos anos, a PF ampliou sua atuação nas fronteiras. Fechou acordos de cooperação com as polícias do Paraguai e da Bolívia. Em conjunto com as forças paraguaias, passou a erradicar plantações de maconha. A polícia brasileira também fornece às autoridades paraguaias e bolivianas informações sobre traficantes brasileiros de cocaína em atuação nos países vizinhos. A PF, contudo, vê seu esforço minado por quatro fatores:
1.
 A remessa de drogas para o país aumentou consideravelmente nos últimos anos.
2. As polícias dos países produtores são corruptas e dão proteção aos traficantes, mesmo aos brasileiros instalados por lá.
3. O orçamento para o combate ao tráfico é estreito e ficou ainda menor em 2011.
4. A pressão do corpo diplomático brasileiro sobre os países vizinhos para coibir a produção de droga em seus territórios é tímida.
Para entender o novo modelo do narcotráfico brasileiro, é preciso voltar à manhã de 25 de abril de 2001, quando o traficante Fernandinho Beira-Mar desembarcou em Brasília, com olheiras e um ferimento provocado por um tiro no braço. Dias antes, ele fora capturado na selva colombiana durante uma operação que envolveu 3 mil soldados daquele país. Era o fim do reinado de cinco anos de Beira-Mar em território colombiano e também no Paraguai. O vácuo deixado por ele não tardaria a ser ocupado por novos megatraficantes.
A mensagem 
 
Para as autoridades
O consumo de drogas cresce no país, mas os recursos para o combate ao narcotráfico diminuem

Para a diplomacia
A política externa vai ter de lidar com  um problema cuja  origem está além de nossas fronteiras  
Semanas após a prisão de Beira-Mar, a PF já estava no encalço de Cabeça Branca. Foi nessa época que os policiais passaram a fotografá-lo pelas ruas de São Paulo – à distância, evitando ser notados. Em outubro daquele ano, os policiais federais fizeram a primeira apreensão de que se tem notícia relacionada a ele. Foram retidos em Tapurah, norte de Mato Grosso, 488 quilos de cocaína trazidos da Colômbia. O entorpecente estava com a quadrilha de Cabeça Branca, mas ele não chegou a ser preso. Fugiu para o Paraguai. Começava ali seu império nas terras do país vizinho, onde comprou uma série de fazendas, de acordo com o promotor de Justiça Antônio Ganacin Filho, de São Paulo.
Três anos depois da apreensão em Mato Grosso, Ganacin denunciou Cabeça Branca e outras cinco pessoas pelo tráfico de 492 quilos de cocaína apreendidos em São José do Rio Preto, no interior de São Paulo. A cor imaculadamente branca da droga impressionou os policiais envolvidos na operação. O grau de pureza revelava que o pó fora trazido da Colômbia e não ficaria no Brasil. Seria exportado para a Europa. De acordo com a investigação, a cocaína foi transportada num bimotor Beech Aircraft, pertencente a Cabeça Branca, até uma fazenda em Mato Grosso. Da propriedade, seguiu de carreta, onde foi escondida sob toneladas de arroz, até o interior paulista. De lá, seria levada ao Rio de Janeiro, oculta entre sacas de açúcar, se não tivesse sido retida pela polícia.

Àquela altura, a quadrilha de Cabeça Branca já operava no Rio de Janeiro. Um ano após o episódio do interior paulista, a PF apreenderia 1.691 quilos de cocaína em um mercado na Zona Norte carioca, em setembro de 2005. Foi a maior apreensão da história da cidade, conhecida por suas favelas dominadas pelo tráfico. A droga estava escondida em buchos congelados de bovinos, que seriam enviados para Portugal e Espanha. Mas a PF não pôs as mãos em Cabeça Branca. Quem foi preso foi seu irmão Carlos Roberto da Rocha, o Tob. O número um do tráfico estava a salvo no Paraguai. 
Com dois mandados de prisão expedidos pela Justiça brasileira, Cabeça Branca também é foragido da polícia paraguaia. Cartazes de “Procura-se” foram espalhados pelas cidades do país vizinho. Segundo duas autoridades paraguaias ouvidas por ÉPOCA, a polícia só não o prende porque não quer. Elas revelaram não somente onde Cabeça Branca está, sem se preocupar em se esconder, como deram detalhes de sua rotina. Disseram que ele costuma circular entre suas fazendas em três caminhonetes pretas que sempre andam em comboio – ele usaria essa técnica para confundir adversários em caso de ataque. Cabeça Branca tem três propriedades rurais contíguas. São um pequeno território do narcotraficante em solo paraguaio, na região de Yby Yau, a 100 quilômetros da fronteira com o Brasil.
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