PERCIVAL PUGGINA
twitter: @percivalpuggina
Tenho muitos leitores esquerdistas. Por vezes me enviam "pérolas" como foi a dica para acessar a série - "O dia que durou 21 anos" - apresentada pela TV Brasil, a tal TV do Lula, como era chamada ao tempo de sua criação. São três vídeos de uma desfaçatez indescritível. O texto é do jornalista Flávio Tavares. Os documentos são de arquivos norte-americanos. Nos créditos, exibem-se logotipos do próprio governo, entre eles o colorido "Brasil país de todos" e de diversas empresas estatais. Ou seja, o pacote foi pago com recursos públicos.
Antes de irmos ao que interessa, acho importante reafirmar minha posição pessoal sobre o movimento de 1964. Ele fez um bem ao Brasil na medida em que evitou o maior dos males. Mas errou feio, depois, ao ocupar o poder por duas décadas inteiras e ao conviver com a prática da tortura, abrindo uma janela para que a esquerda radical passasse a ser identificada com temas que sempre lhe causaram alergias: democracia, liberdade de expressão e direitos humanos. Ponto e novo parágrafo.
Vamos aos vídeos. Eles foram produzidos para mostrar que os Estados Unidos estiveram, desde suas preliminares, e por longos anos, atentos e colaborativos em relação ao regime militar brasileiro, que só se estabeleceu para proteger os interesses norte-americanos e evitar as reformas de base. Estas reformas seriam sábios e perfeitos instrumentos com os quais o talentoso João Goulart iria promover a ascensão social dos trabalhadores brasileiros.
Então a coisa fica assim: a partir de 1963, quando o plebiscito revogou o parlamentarismo e fez retornar os poderes de governo a Jango, teve início repugnante conspiração. A ela se juntaram a Casa Branca (Kennedy e Johnson), o Departamento de Estado, as Forças Armadas dos EUA, a CIA, a Igreja, o Exército, a Marinha e a Aeronáutica do Brasil, o empresariado nacional urbano e rural, as empresas multinacionais sediadas no Brasil e a grande mídia da época. Nessa avassaladora convergência, em união de seus corações graníticos e malignas mentes, mobilizaram eles fantásticas energias para fazer com que ... nossos pobres continuassem pobres! Assista os vídeos (é só procurar na rede pelo título "O dia que durou 21 anos") e comprove por si mesmo. Está ali, com som e imagem, a seguinte mensagem: dado que seria difícil mobilizar a opinião pública em torno da proposta de manter os pobres na pobreza, buscou-se legitimar o movimento contra as reformas de base criando a "paranoia do comunismo". Para essa fantasmagórica tarefa, realizada em poucos meses, partindo do zero e sem qualquer suporte nos fatos nacionais e internacionais, mobilizaram-se pesados recursos financeiros e propagandísticos.
Em outras palavras ainda, segundo os tais vídeos da TV Brasil, a bipolaridade que marcou os longos anos da Guerra Fria não existiu no Brasil a não ser como trabalho de propaganda das mal-intencionadas forças golpistas. A URSS que estendia suas malhas, a ferro e fogo, na África, na Ásia, na América Central, no Caribe e na América do Sul, mediante movimentos guerrilheiros e forças de ocupação, ignorava solenemente as terrinhas descobertas por Cabral no século 16. Se já ouvira falar no Brasil, não prestara atenção. Aqui só agiam os gananciosos ianques, difundindo a paranoia de um comunismo que nos desprezava e nos afastava de seu interesse como quem tira do caminho uma casca seca de laranja...
Escolha, leitor, o que lhe parece mais acintoso. Esse suposto desinteresse soviético pelo Brasil em tempos de Guerra Fria? A coragem de afirmar uma bobagem dessas? Ou, a tolerância dos órgãos de fiscalização da República com o uso de recursos públicos para produzir tamanha mistificação? Com que facilidade, num modelo institucional como o nosso, se usa o que é do Estado para promover a ideologia do governo!
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* Percival Puggina (66) é titular do blog www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.
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