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sábado, 16 de abril de 2011

Um ministro do Supremo, as armas, a Internet e o aborto: tudo errado!

REINALDO AZEVEDO

16/04/2011
 às 4:53


O ministro Luiz Fux, mais novo membro do Supremo Tribunal federal, surpreende. Às vezes, para o bem; às vezes, para o mal. E isso é mau! Um ocupante dessa corte - e só há 11 pessoas lá - não poderia surpreender nunca! A razão é simples: a lei é o oposto da surpresa;  é o avesso da exceção;  é, em suma, a regra. Como costumo dizer, só conseguimos colocar o nariz fora da porta porque há direitos assegurados e a expectativa de seu cumprimento. E há uma aposta em que a transgressão acarretará punições ao infrator. Do outro, e o mesmo vale para ele em relação a nós, não queremos saber se gosta ou não do que está escrito. Basta que cumpra os dispositivos legais. Sigamos.

Se um ministro do Supremo começa a dizer coisas ambíguas, é o mundo do direito quee obscurece. Fux concedeu na quinta uma entrevista a Débora Santos, do Portal G1. Eu já deveria tê-la comentado aqui, mas não o fiz. A questão, no entanto, é demasiado importante para que fique sem algumas considerações. O ministro se disse favorável ao desarmamento - até aí, tudo bem; ele tem direito a uma opinião, como qualquer cidadão, mesmo não sendo um cidadão qualquer… Mas afirmou uma coisa muito estranha, segundo, ao menos, a transcrição publicada. Para ele, é desnecessário fazer um novo referendo. O país precisaria é de uma lei de recolhimento de armas. E então vêm as aspas bastante preocupantes:
“Não [se] entra na casa das pessoas para ver se tem dengue? Tem que ter uma maneira de entrar na casa das pessoas para desarmar a população”.
Epa!!! Como é que é?
Pensar por analogia, por comparação, é sempre um procedimento arriscado. Podemos entender por que tangerinas são facilmente associadas a laranjas. São dois cítricos. Se for a uma banana, já é preciso recorrer a uma categoria mais ampla: é tudo fruto. Agrupar tangerina e presunto já requer área maior: ambos são alimentos. Sob certo sentido, pode-se dizer que não há uma diferença essencial entre tangerina e cocô: é tudo matéria orgânica. Quanto mais se amplia o campo, mais arbitrária se torna a analogia. Aplicado o método ao campo do direito, chega-se facilmente ao arbítrio propriamente. Julgar, parece-me, consiste em entender a natureza particular de um caso segundo os princípios estabelecidos nos códigos.
Mesmo assim, disponho-me a pensar sobre o que diz o ministro. Se não quero deixar que alguém entre em minha casa para caçar larvas de dengue, ninguém entrará, a menos que tenha um mandado judicial. Como juiz não é um tirano, ele tem de ter uma razão - ancorada num texto legal - para conceder essa ordem: ameaça à saúde pública, à ordem pública, sei lá… E precisa de indícios, ao menos, de que isso está em curso. Numa área infestada pelo mosquito da dengue, a chance de que haja larvas na casa em questão é grande. Pois bem…
No caso da arma, ministro, como se faria? Seriam revistadas as casas de todos os brasileiros para saber se têm ou não armas? Milhões de mandados judiciais serão expedidos sem nem indício manifesto, partindo do pressuposto de que existe um arsenal escondido?
O curioso é que Fux se diz incompreendido - e afirmou que ficou algo abalado - com a reação a seu voto - CORRETÍSSIMO - no caso do Ficha Limpa. No julgamento em questão, votava-se se a lei, aprovada menos de um ano antes do pleito de 2010, poderia ou não valer para aquela eleição. É claro que não! Bastava ler o Artigo 16 da Constituição. A entrada forçada nas casas ou mesmo mandados judiciais expedidos sem causa manifesta violariam quantos dispositivos Constitucionais?
O ministro fez aquela afirmação quando a repórter lembrou que a maioria dos brasileiros foi contra a proibição da venda legal de armas. Leiam a resposta inteira:
É um exemplo de defesa do povo contra o povo. Eu acho que o povo votou errado. Para que serve você se armar? Quando você se arma, pressupõe que se vive num ambiente beligerante. Muito melhor é uma sociedade solidária, harmônica. Eu acho que os políticos têm que avaliar o clima de insegurança do país. E já há o Estatuto do Desarmamento. Tem que fazer valer a lei, implementar políticas públicas no afã de desarmar a população. Não tem que consultar mais nada. O Brasil é um país que tem uma violência manifesta. Tem que aplicar essa lei e ter política pública de recolhimento de armas. Não [se] entra na casa das pessoas para ver se tem dengue? Tem que ter uma maneira de entrar na casa das pessoas para desarmar a população.
Eu posso dizer que o povo votou errado, ele não pode!  Notem que Fux acredita que é preciso defender o povo de si mesmo. Concordo! Se ele quiser um golpe de estado, por exemplo, deve ser contido. Se quiser linchar pessoas, idem. Mas não foi esse o caso, certo?
Fux acha que “muito melhor é uma sociedade solidária, harmônica”! Nem me diga! Por mim, viveríamos todos como anjos. Quem, afinal de contas, não quer o bem? Eu só espero contar com o apoio do ministro para que esse “bem” seja conquistado nos limites do que permite a Constituição do Brasil, não é? Aquela mesma que ele não quis violar no julgamento do Ficha Limpa. Aliás, ministro, a maioria dos brasileiros é ficha-limpa! O Estado não consegue é dar conta dos fichas-sujas!
“Ah, mas não exagere! O ministro não está dizendo nada disso!” Então volto ao começo. Embora ele tenha direito à opinião, como qualquer homem, ele não é um homem qualquer. Fosse um advogado de esquina, eu não estaria dando a menor pelota pra ele. Sendo quem é, sua fala pode influenciar muita gente. Eu sou contra a aplicação de uma lei de silêncio a magistrados - desde que não fiquem especulando sobre os autos. Mas acho que eles têm de tomar especial cuidado com essas falas frouxas, elásticas, lassas, que podem servir a qualquer propósito. Ademais, e por isso as analogias são ruins, uma larva da dengue é necessariamente, inescapavelmente, uma ameaça. Não é o caso da arma, ministro, porque, sozinha, ela não mata ninguém. Os que matam e não matam são indivíduos, dotados de deveres e direitos - inclusive o direito à autodefesa. Mais se diga: invadir a casa de um homem de bem para ver se há lá uma arma é coisa que qualquer covarde faz. Eu quero ver é desarmar a bandidagem que faz 50 mil vítimas por ano no país.
InternetO ministro não se saiu melhor tratando da Internet. Comentando a tragédia de Realengo, afirmou:
“Nos Estados Unidos, tem o monitoramento de pessoas potencialmente perigosas. Hoje, com esse acesso à internet, a esses sites de redes terroristas, pessoas desequilibradas têm acesso a informações que exacerbam seu desequilíbrio. Olha essas fitas que antecederam a essa tragédia, onde esse sujeito gravou isso? É um sujeito que não podia estar solto nunca. Tinha que ter uma medida restritiva de liberdade. Será que ninguém viu isso? Por que não acharam antes isso? Esse homem não tinha um pendor para aquilo? Será que ninguém teve oportunidade de denunciar isso? É um problema que interessa à família e ao Estado também. A causa disso é o acesso que esse rapaz teve a essas redes internacionais que alimentam uma série de psicopatias. Nessa rede mundial de computadores, você tem acesso a tudo. A polícia tinha que ter, por exemplo, uma comunicação de que um sujeito acessou o site da Al Qaeda. Esse sujeito tem alguma coisa. Agora, o leite está derramado.”
Péssima resposta! Terrível! Há de haver uma razão para o monitoramento. Não pode o estado, por vontade olímpica, decidir quais sites serão ou vigiados. Sob o pretexto de se investigar as páginas de extremistas, quantas outras entrarão na lista negra?  Os terroristas, os tarados e os pedófilos determinarão agora quais são as garantias dos que não são terroristas, tarados e pedófilos? Não! A Internet não fez a doença daquele rapaz! Ele já era doente! Quem teria feito a doença de Chico Picadinho? A televisão?
AbortoFux estava num dia infelicíssimo. Comentando o caso de aborto de fetos anencéfalos - vai ser aprovado de goleada, leitores -, afirmou:
“(…) eu li um artigo e até guardei. Essa escritora usou uma expressão forte: será que uma mãe é obrigada a ficar realizando o funeral do seu filho durante nove meses? Eu acho que isso deveria ser uma questão plebiscitária feminina. As mulheres tinham que decidir. É um consectário [resultado] do estado democrático de direito. Não podemos julgar à luz da religião, porque o estado é laico.”
Heeeinnn? Vênia máxima, trata-se, então, de uma opinião favorável è legalização do aborto incrustada da defesa do aborto de anencéfalos. Ora, se esse feto é uma “questão feminina”, o saudável também é. Logo, entende-se que o plebiscito sobre o aborto deveria ser votado apenas pelas mulheres. Parece uma questão óbvia, mas não é. E pode ter conseqüências terríveis.
Se o que está no corpo da mulher lhe pertence, seja um tumor ou um feto, ele lhe pertence na primeira semana de gestação ou na 37ª, certo? Logo, por uma questão puramente lógica, enquanto não se diz que um bebê é nascido, então ele é “coisa”. Sim, eu sou católico. Tenho o direito de sê-lo e de argumentar como tal. Mas não o exerço agora. Estou apenas empregando a lógica. Eu duvido que Fux defendesse o aborto de um feto no nono mês de gestação. Mas o seu argumento defende.
Ademais, ministro, cuidado com escritores e suas metáforas, nem sempre muito felizes.
Não! Eu acredito que a vida humana, em qualquer dos seus estágios, diz respeito aos humanos, homens e mulheres. Acho que essa é uma idéia que nos protege. As abortistas, por feministas, tivessem realmente respeito às mulheres, substituiriam a afirmação histérica da identidade por um movimento mundial contra o aborto de meninas na China. Tenham vergonha, minhas senhoras! Fazem-se milhões de sucções e curetagens por ano naquele país apenas porque há no útero uma… mulher!
Lamento, ministro Fux, isso me ofende como humano, como homem e como pai, se o senhor me der licença! E me ofende também como católico. Mas, como diz o senhor, o estado é laico. Mas não é ateu, graças a Deus!
Por Reinaldo Azevedo

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